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RAIO-X ÀS NOMEAÇÕES DE BOYS DO PS NA SEGURANÇA SOCIAL

O MAPA COR-DE-ROSA DA SEGURANÇA SOCIAL

PARTIDARITE. BOYS SOCIALISTAS NA MÁQUINA PÚBLICA

O Governo varreu, sem exceção, todos os diretores distritais que encontrou em funções. Trocou-os, a bem ou a mal, por próximos do PS. Só uma coisa ainda não mudou aqui: não se abdica do domínio do aparelho. Retrato à lupa da vassourada.

Maria Henrique Espada

Na atividade Coelho, diretora regional da Segurança Social (SS) em Setúbal, demitiu-se após ter sido noticiado pela SIC que 126 elementos daquela estrutura teriam sido indevidamente vacinados contra a Covid-19. Várias noticias estabeleciam a ligação de Natividade ao PS partido de que é militante. Em agosto, quando o lar de Reguengos dominava o noticiário sobre Covid-19 por causa do número de mortes, percebeu-se que a tutela da Segurança Social regional, em Évora, estava também sob o comando de um socialista, José Ramalho.

Em todas as etapas da pandemia, sempre que havia referência a elementos da SS, surgia a ligação partidária ao PS. Não é coincidência: desde 2015, ou seja, desde que o PS assumiu o poder, dos anteriores dirigentes (de resto, todos nomeados pelo anterior governo também com critérios partidários) nenhum sobreviveu no posto. A substituição poderia ter-se dado com maior independência partidária. Mas a esmagadora maioria das novas nomeações nos 18 centros regionais são mesmo de socialistas. Apenas em três casos, embora apontada alguma proximidade por fontes locais, a ligação não é taxativa e formal. O raio x mostra que a partidarite é a regra.

MUDAR ATÉ NAO SOBRAR UM

Como mudar de cor partidária todo o mapa nacional da SS? O processo é quase sempre o mesmo: o novo titular é nomeado em regime de substituição, depois é aberto concurso, ao qual o diretor regional já em funções concorre. O método, legal, permite que quem mais tarde concorra ao cargo se apresente com a vantagem de já ter experiência no mesmo. E, com isso, acaba naturalmente entre os três selecionados pelo júri da Cresap (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública). Por fim, o Governo, a quem cabe escolher de entre os três, indica, sem surpresa, o diretor que já antes nomeara. Parece muito teórico. Mas não, veja-se como funciona na prática: em Beja, Sérgio Fernandes foi nomeado em 2017, em regime de substituição. Aberto concurso na Cresap, ficou entre os três nomes aprovados.

O Governo renomeou-o então em novembro de 2018, já em regime de comissão de serviço de cinco anos. É do PS local, começou a carreira em gabinetes do Governo, foi membro da assembleia municipal da Vidigueira e da assembleia de freguesia de Vila de Frades. Quanto à anterior diretora, nomeada em 2014 pelo governo PSD/CDS (e militante deste último), foi despachada antes do fim da comissão de serviço, que terminaria em 2019. Com os mesmos termos que constam de vários despachos de exoneração que a SÁBADO consultou: “Pode cessar a comissão de serviço, mediante despacho fundamentado por motivo justificado que se funde na necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços.”

Em Braga, João Ferreira foi nomeado em regime de substituição em 2017, e de forma definitiva em 2020. Tem experiência na área, é próximo do PS, mas se dúvidas houvesse sobre o alinhamento partidário, Joaquim Barreto, histórico presidente da federação do PS de Braga, declarou a O Vilaverdense, à primeira nomeação, “tratar-se de um quadro altamente qualificado e com uma carreira que fala por si”, e de uma “escolha pelo seu mérito”.

Em Bragança, Orlando Vaqueiro foi nomeado, em regime de substituição, em fevereiro de 2020. Em setembro, ficou entre os três nomes selecionados e foi escolhido pelo Governo. O extenso currículo oficial não o indica, mas é do PS e preside até à Junta de Freguesia de União de Freguesias de Ifanes e Paradela.

Mas ainda vamos na letra B. Passemos a Castelo Branco. O socialista Nuno Maia (membro da assembleia municipal) foi nomeado em março último, em regime de substituição. O respetivo concurso público abriu em outubro (tal como para os postos equivalentes em Leiria, Guarda, Vila Real e Coimbra, distritos onde também houve nomeações em regime de substituição ao longo de 2020).

O caso de Faro é curioso: houve concurso aberto em 2015, sendo que a diretora em funções,

Ofélia Ramos (antes indicada pelo PSD), integrou a lista dos três selecionados apresentados ao Governo já no início de 2016.0 novo Governo, acabado de entrar em funções, anulou simplesmente esse concurso e nomeou, em março, Margarida Flores Alves, em regime de substituição. Lançou depois um novo concurso e reno-meou-a em finais de 2017. É mulher do secretário de Estado da Descentralização e Administração Local, Jorge Botelho. Na semana passada, os dois anunciaram que irão processar a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, que os acusou de terem sido indevidamente vacinados contra a Covid-19 – o que ambos desmentiram.

Em Portalegre, a ex-deputada do PS Sandra Cardoso foi nomeada em substituição em 2019 e de forma definitiva em julho último. No Porto, está Nuno Cardoso (PS Valongo, chegou a ser candidato a deputado).
Em Santarém, Renato Bento, do PS local (esteve na candidatura de Idália Serrâo à autarquia e na assembleia municipal), foi nomeado em substituição em 2017 e após concurso em fevereiro de 2019. Em Setúbal, sem surpresa, o processo foi o mesmo: Natividade Coelho foi “substituta” em 2016 e ganhou a sua comissão de serviço em 2017.

Há processos mais recentes. Em dezembro, Carla Alves, próxima do PS (terá sido proposta para a Comunidade Intermunicipal, mas sem sucesso e a nomeação foi até, segundo a rádio Montalegrense, anunciada em primeira mão pelo PS local), tomou-se diretora do centro distrital de Vila Real, em substituição. Este aparente atraso explica-se porque, apesar de Já ter havido concurso concluído na Cresap, o Governo decidiu não nomear ninguém e invocou a desistência de um dos indicados para afirmar que Já não havia três propostas. A SÁBADO questionou a Cresap acerca deste ponto, e sobre se houvera de facto um desistente (não consta nos documentos do processo oficial online), mas não obteve resposta. E assim vai fazer novo concurso.

E há ainda casos em que já houve tempo para haver dois nomeados do PS: em Aveiro, em 2016 entrou Manuel Ruivo (do PS de Cantanhede) e em 2018 Fernando Mendonça (do PS de Estarreja). A SÁBADO questionou o Ministério da Segurança Social sobre se o facto de a quase totalidade dos novos responsáveis ter um perfil de militância ou proximidade conhecida com o PS é uma opção assumida, ou se existiria alguma outra explicação para esta coincidência transversal ao sistema.

O ministério respondeu que o critério da nomeação foi o “da verificação de experiência profissional na área da Segurança Social ou áreas afins”, e nada mais. Mas a ser esse o único critério, ele também se aplicaria, em alguns casos melhor, aos dispensados pelo Executivo. O gabinete esclareceu ainda que “na grande maioria das situações os designados encontram-se já nomeados em regime de comissão de serviço, na sequência do procedimento de recrutamento realizado pela Cresap, cumprindo todos os trâmites legais aplicáveis”.

Uma fonte socialista de um centro regional do Norte, que pediu para não ser identificada, resume assim o que designa de “eterno movimento pendular” na SS: “É claro que os nomeados têm alguma ligação ou experiência na área. Vamos acima ou abaixo quando muda o governo e desta vez não foi exceção. Agora estamos nós [socialistas] por cima, quando estiveram o PSD e o CDS no governo estávamos na mó de baixo.” A mesma fonte explica o apetite político pelo setor: “Está ligado às forças vivas de cada concelho, ao tecido da sociedade civil, mexe com tudo, e com dinheiro. Interessa a todos.”

CONFIANÇA, ATÉ NAS FESTAS DAS “DOSSE”

O caso de Évora tem algumas particularidades, por parecer ilustrar até que ponto a confiança política pesa mais do que denúncias que poderiam ser comprometedoras. A anterior diretora, Sónia Ramos, por sinal líder do PSD distrital, foi afastada em finais de 2017, dada “a necessidade de imprimir uma nova orientação à gestão dos serviços que passa por conferir uma nova dinâmica à prossecução das prioridades” -o argumento recorrente. Para a “nova orientação” com “nova dinâmica”, o nomeado foi José Ramalho, socialista (presidiu ao PS de Estremoz, onde foi vereador), primeiro em regime de substituição e que passou a comissão de serviço em 2019.

Há ano e meio, uma reportagem da TVI ilustrava as novas, mas atípicas práticas do novo diretor: organizava convívios com os funcionários em que estes se dedicavam a atividades artísticas ou lúdicas. Atuavam as “Dosse” (com dois s), formadas por funcionárias da casa, havia música e ‘’palestras”, se assim se podem chamar, que chegaram a ser dadas por um participante do concurso televisivo Quem quer casar com o agricultor, por um astrofísico e ainda pelo dono de restaurantes em Montemor-o-Novo, Francisco Malhão. Qualquer ligação com as áreas da Segurança Social parece remota. Chegou até a ser organizada uma semana inteira de festividades (Semana ISS), com aparente prejuízo do horário laborai. Os serviços têm também um coro, que ia cantar fora em deslocações.

O diretor Ramalho ganhou a alcunha de Zé das Festas. A reportagem, até à data, não teve consequências. José Ramalho remeteu quaisquer esclarecimentos para o Instituto da Segurança Social (ISS). Este respondeu à SÁBADO que “o projeto em questão se traduziu num ciclo de palestras de curta duração (cerca de uma hora), com convidados da sociedade civil” e que estas se “inscreveram num programa de atividades autorizado que visa estimular ligações interpessoais, cultivar um espírito de entreajuda, de afiliação e sentimento de pertença”. Mas o ISS nega que tivessem lugar em horário laborai, o que é “objetivamente falso” – embora os convites para os eventos, a que a SÁBADO teve acesso, tivessem indicação de horas dentro de horário de trabalho.

Se o programa de “palestras” estava autorizado e era, como defende o ISS, adequado, fica por se perceber parte da resposta do Instituto, que esclarece que após a reportagem “foram prestados todos os esclarecimentos no âmbito tutelar e cessadas as atividades compreendidas no âmbito do referido projeto”. Menos ainda se percebe porque acabaram as “palestras” se, como defende o ISS, elas tiveram excelentes resultados: “Todas estas sinergias contribuíram para uma maior produtividade e motivação dos trabalhadores, como comprovam diversas avaliações internas.”

As metodologias originais do diretor, de facto, não prejudicaram a
avaliação do desempenho dos serviços. No final desse ano, Ramalho fez declarações à Rádio Campanário, exprimindo a sua satisfação com o facto de a SS de Évora ter fechado 2019 no “topo da lista do Quadro de Avaliação e Responsabilização (QUAR)”. Foi “uma imensa felicidade”. E “os resultados do distrito de Évora foram extraordinários”. Embora admitisse que “nem tudo o que fizemos foi bem feito”, referiu: “Poderemos continuar a fazer mais coisas bem feitas e temos margem para melhorar.” De resto, Ramalho voltou a estar na berlinda já este ano: é sua a jurisdição sobre o lar de Reguengos de Monsaraz onde ocorreu uma das maiores tragédias, em número de mortes, devido à Covid-19. Mas publicamente a confiança política no responsável socialista não saiu beliscada.

ABEM OU MAL

O Noutros casos, bastou menos para haver consequências disciplinares internas. Alguns processos de afastamento de anteriores dirigentes (PSD/CDS) por novos responsáveis (do PS) tomaram a forma de confronto duro e aberto. Em Braga, o antigo ministro José António Vieira da Silva sugeriu a Rui Barreira (do CDS) que se demitisse. Em curso estava já um inquérito interno à atuação do diretor regional, após denúncias: uma, dos trabalhadores, de “assédio moral” e “bullying profissional”; outra, do grupo parlamentar do PCP, em pergunta dirigida ao ministério, sendo que também o BE exigia a saída.

Segundo esta, Barreira teria participado “em iniciativas de cariz partidário, inseridas nas suas atividades autárquicas, junto de Instituições Particulares de Solidariedade Social”, misturando os papéis. Foi exonerado após o inquérito, mas deixou claro que saiu a mal. Deu uma conferência de imprensa a afirmar que tinha sido alvo de “jogo sujo” e de “saneamento político”. Barreira descreve o que lhe aconteceu: “Quando o PS chegou ao poder fui abordado por um deputado a saber o que queria fazer… eu expliuei que, como tinha sido colocado por concurso, tencionava cumprir o mandato.

E pronto, começaram as acusações anónimas”, acusa. Surgiu um memorando de 30 páginas com acusações, mas estas não chegaram a processo disciplinar, a qualidade das queixas ficava aquém da quantidade e caíram na fase de inquérito prévio. O que passou foi a acusação de que teria tido contacto com – embora não beneficiado – a instituição em que trabalhava a mulher, o Lar de Santa Estefânia, em Guimarães. “Dei um parecer negativo para acesso ao Fundo da Segurança Social e ainda pedi devolução de verbas. Mas fui acusado até de ter recebido emails da instituição!

Quando a minha mulher era uma simples técnica, nem dirigente era, num emprego de 800 euros. Porque, diziam, ‘não poderia contactar’ a instituição.” Na conferência de imprensa a seguir à destituição pediu que se lembrassem de todas as caras que foram desfilando como testemunhas no seu processo. Porquê? “São todos do PS e agora estão todos ligados à estrutura dirigente da Segurança Social em Braga. Aliás, mexeram na estrutura de alto a baixo, até já quase ao nível de chefe de equipa.” Fez queixa no Tribunal Administrativo e Fiscal onde o processo se encontra, para já sem mais evolução. Não se queixa muito: “Como advogado, com tanta mexida, até tenho imenso trabalho”, ironiza.

O processo em Viana do Castelo, seis meses depois, parece decalcado a papel químico deste. Há um inquérito. desencadeado após uma pergunta do BE dirigida ao ministro, em que os bloquistas consideram que está “instalado um clima de medo e de perseguição entre os trabalhadores, estimulado pelas chefias, com comportamentos autoritários” que, “a se confirmarem, configuram situações de assédio moral incompatíveis com relações laborais respeitadoras da dignidade dos profissionais e da sua autonomia”. O PCP recebera as mesmas denúncias.

O diretor, do PSD, foi demitido após o inquérito, que segundo a justificação, à altura, do ISS, deu “como provada a prática de atos de gestão merecedores de censura disciplinar, nomeadamente relacionados com processos em que o referido dirigente se encontrava legalmente impedido de intervir, em virtude de relações de proximidade familiar” – sem referência, contudo, a terem sido apuradas as alegadas situações de assédio moral, que aqui também desapareceram, como em Braga.

Sobre a proximidade familiar e a intervenção no processo, Paulo Órfão explica: “Nós aqui não decidimos nada. enviamos os pedidos para Lisboa, que decide, e nós assinamos por delegação de competências. O acordo em causa foi decidido em maio [de 2016], deferido em Lisboa, e nem assinámos logo porque a instituição aqui estava em incumprimento com algumas coisas. Assinámos em dezembro, quando as coisas estavam regularizadas.”

Quanto à “proximidade familiar”, tratava-se da então namorada, hoje mulher, que era funcionária administrativa nos recursos humanos da instituição em causa. Fez queixa em tribunal, também no TAF, para já sem evolução. “O tempo vai passando e uma pessoa vai penando. Doeu bastante”, queixa-se, até porque esta foi, “sei lá, a sétima tentativa de me afastar, era uma coisa atrás da outra”.

“Até uma funcionária que vendia rendas ou bordados às colegas serviu para me tentarem acusar, dizendo que eu sabia…” O ISS, sobre as queixas de motivação e perseguição política dos processos no TAF, apenas respondeu que as “cessações das comissões de serviço em questão ocorreram na sequência de procedimentos disciplinares regularmente instruídos”.

LONGA TRADIÇÃO

O que os atuais processos mostram é que nem a criação da Cresap nem as sucessivas garantias de nomeações independentes vieram alterar a partidarização de um setor cuja importância a pandemia veio apenas ilustrar. O governo de Durão Barroso (PSD-CDS) mudou os 18 diretores regionais. Vieira da Silva, na oposição, considerou que tinham sido “saneamentos políticos”. Quando chegou ao governo, como ministro, no executivo de José Sócrates.
mudou os 18. Na oposição, o deputado Luís Pedro Mota Soares (CDS) fez um brilharete a denunciar as nomeações de gente com ligações ao PS. Quando chegou ao governo, no executivo de Pedro Passos Coelho, trocou, também ele. todos os diretores regionais: não foi nomeado nenhum sem ligação a algum dos partidos no poder. Agora, a roda voltou a girar.

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