19/01/2023 | Imprensa, Notícias do dia
Os casos em que o Governo se torna um trampolim para a contratação milionária, no setor privado HISTÓRIAS DE PODER. DE INFLUÊNCIA E DE CARTEIRAS DE CONTACTOS
O MARAVILHOSO MUNDO DAS PORTAS GIRATORIAS
– POR FILIPE LUIS*
Quando o governo se torna um trampolim para a contratação milionária, no setor privado. Os casos mais famosos (e também os menos conhecidos) de governantes “pescados” por grupos económicos, em áreas que antes tinham tutelado. Histórias de poder, influência e… de carteiras de contactos
O anúncio da contratação da recém-remodelada secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, por uma empresa privada, também da área do Turismo, provocou mais uma pequena borrasca na tempestade política marcada pelos casos sucessivos de falta de transparência, que têm afetado vários membros do Governo. Desta vez, o caso representava mais um episódio de transposição de “portas giratórias” entre o Governo e grupos privados, em áreas anteriormente tuteladas pelo contratado. Ainda por cima, Rita Marques teria aposto a sua assinatura à concessão de benefícios fiscais à nova entidade patronal, The Fladgate Partnership, que o Ministério da Economia certificara como “empresa de utilidade”, no setor do Turismo. A notícia foi acolhida com choque pelo País, criticada pela oposição, severamente comentada pelo próprio primeiro-ministro – “tenho 99,9% de certeza de que a dra. Rita Marques incorreu numa ilegalidade”, disse, em pleno Parlamento – e, finalmente, condenada pelo Presidente da República. No final da linha, a operação da contratação de Rita Marques abortou. A antiga governante, de moto próprio ou por incomodidade da suposta futura entidade patronal, desistiu de aceitar o emprego. Mas o seu caso voltava a pôr na ordem do dia o fenómeno das famigeradas “portas giratórias”. Ainda por cima, a sanção prevista para os prevaricadores é bastante suave: um período de três anos sem poderem ocupar qualquer cargo no setor público e, por maioria de razão, em cargos políticos. Cargos que, evidentemente, deixaram de desejar…
OS UNGIDOS DA MOTA-ENGIL
Algumas empresas privadas, como o grupo de Obras Públicas Mota-Engil, têm especial apetência para a contratação de políticos ou de ex-políticos. Nesta semana, foi anunciado que o antigo presidente do CDS e vice-primeiro-ministro de Passos Coelho, Paulo Portas, que já era consultor da empresa para o mercado da América Latina – vários anos de diplomacia económica, como ministro dos Negócios Estrangeiros, podiam ser muito bem rentabilizados… -, será “promovido” a vice-presidente não executivo. Paulo Portas terá percebido que as sondagens lhe dão hipóteses muito remotas de vir a ter êxito numa hipotética candidatura presidencial, em 2026. Mas uma das mais célebres contratações da Mota-Engil foi a de Jorge Coelho (falecido em 2021), depois de ter exercido, entre outros cargos (ministro Adjunto, da Administração Interna), o lugar de ministro do Equipamento de António Guterres e, portanto, detido a tutela das obras do Estado. Ora, a Mota-Engil era uma das construtoras cronicamente presentes nos concursos públicos. Porém, Jorge Coelho conseguiu suster o bruad da sua contratação, em 2008, por ela ter ocorrido mais de sete anos após ele ter abandonado o governo. O mesmo álibi do “período de nojo” fora invocado por Joaquim Ferreira do Amaral, que, em 2007,12 anos depois de ter saído do governo de Cavaco Silva, em que tinha tutelado as Obras Públicas, e, entre outros trabalhos, lançado a construção da Ponte Vasco da Gama (que, aliás, batizou, pessoalmente, com o nome do navegador português), foi administrar a Lusoponte. Na verdade, antes de ir para o governo, Jorge Coelho nunca tinha estado ligado, no setor privado, a qualquer empresa desta área, ele que fora administrador da… Carris. Curiosamente, Jorge Coelho entra na Mota-Engil quando o PS está no governo, e José Sócrates ainda detém a maioria absoluta, e sai, por alegado cansaço, em 2013, quando Passos Coelho e o PSD detêm as rédeas do poder. Mas, não menos curiosamente, Coelho regressa à Mota-Engil em 2018, desta vez como administrador não executivo, já com a Geringonça a governar e o seu partido, de novo, instalado no poder, agora sob a liderança de António Costa. Na mesma altura, Francisco Seixas da Costa, antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus, durante os governos de Guterres, também integrava a administração da empresa. Aliás, Seixas da Costa ocupava igualmente lugares no Conselho Geral e de Supervisão da EDP (dirigido celebremente por Eduardo Catroga, como recordaremos já a seguir) e de administrador não executivo da Jerónimo Martins, entre vários cargos em diversas instituições ou empresas. Na verdade, a carteira de contactos e a influência política pagam-se bem e são transversais a todas as áreas.
O SALTO DE VARA
Diferente foi o caso, por exemplo, de Armando Vara, que, depois de ter sido um simples caixa, na dependência da Caixa Geral de Depósitos (CGD) de Vinhais, entraria, fulgurantemente, naadministração do banco público, passados uns anos de tirocínio como político, deputado, ministro e uma licenciatura em Relações Internacionais, numa (extinta) universidade privada. A CGD foi sempre um excelente… depósito, sobretudo para ex-governantes oriundos do PS e do PSD. E a sua liderança, durante um longo período, foi tacitamente atribuída a uma personalidade do partido, que, na altura, não estivesse no poder, o que configurou sempre um exemplo típico do alegado “bloco central de interesses”. Essa regra não escrita, por acaso ou não por acaso, mantém-se; o atual presidente da CGD é Paulo Macedo, que foi ministro da Saúde no governo de Passos Coelho. Neste caso, pelo menos, Macedo tem um sólido back ground como bancário, ele que foi um dos principais quadros do BCP, antes de Manuela Ferreira Leite, então ministra das Finanças de Durão Barroso, o ter ido buscar para liderar a Direção-Geral de Contribuições e Impostos.
Mas Armando Vara, voltamos a ele para rematar este capítulo, acabaria por ser nomeado administrador do privado BCP, tendo sido considerado o homem de Sócrates naquela administração. Tudo acabou, para Vara, com o Processo Face Oculta, uma condenação e uma pena de prisão.
O FLAGRANTE CASO DE MARIA LUÍS
Ao sair do governo, o ex-ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, anunciou um período sabático de 30 dias, após o qual retomaria o seu lugar como deputado eleito por Aveiro. A sua ex-colega da Saúde, Marta Temido, ocupa, agora, ela própria, uma fila discreta na retaguarda da bancada parlamentar do PS. Estes lugares de recuo são frequentemente usados por ministros remodelados, antes de “arranjarem qualquer coisa” (como veremos com Joaquim Pina Moura…), embora, no caso de Pedro Nuno, não se espere nada disso, já que o que ele quer é candidatar-se à liderança do PS, quando António Costa “puser os papéis para a reforma” ou, de preferência, ainda antes…
Mas há os que tentam acumular o lugar de deputado com a transposição da “porta giratória”. Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças no governo de Passos Coelho, protagonizou, em 2016, o caso mais flagrante, na última década, de transferência direta do governo para uma área aparentemente incompatível com o exercício das anteriores funções. Em março de 2016, apenas três meses depois de sair do governo, Maria Luís era contratada pelo fundo britânico Arrow Global, que se dedica a negociar dívida e crédito malparado e que era, à data, um dos grandes litigantes na Justiça portuguesa.
Um dos clientes portugueses da Arrow era, precisamente, o sensível Banif, cujo relatório de contas, em 2014, anunciava que o banco tinha assinado “contratos de compra e venda de créditos, compostos pelas carteiras de Portugal e Espanha, à Arrow Global Limited e à Arrow Global Luna Limited, respetivamente”. Nesta altura, o Banif erajá um banco intervencionado, depois da injeção de 1,1 mil milhões, feita pelo Estado, através do Ministério das Finanças, quando Maria Luís Albuquerque era secretária de Estado do Tesouro e Finanças (tendo chegado a ministra em junho de 2013). Era difícil imaginar uma “porta giratória” que girasse de forma mais “estonteante”. Só que, depois de a subcomissão parlamentar de ética nada ter visto de incompatível entre a função de deputada e a “colaboração” com a Arrow Global, o caso atingiu um tal grau de alarme que motivou uma posterior mudança na legislação.
Entretanto, o presidente da Arrow, Jonathan Bloomer, não podia ter sido mais explícito, quando se vangloriou da contratação de “um membro ativo do Parlamento português”, que, além do mais, “desempenhara cargos superiores nas Finanças e no Tesouro, no setor público”, trazendo, portanto, “uma experiência rica em gestão de dívida internacional”. Pelos vistos, os 100 mil anuais anunciados para pagamento à ex-ministra tinham um retorno garantido, nos dois a quatro dias mensais que Maria Luís devia dedicai’ ao novo biscate, além da dezena de reuniões anuais a que tinha de comparecer…
CENTENO, O GOVERNADOR POLÍTICO
Mas outras prateleiras mais douradas, bem como os lugares por que aguardam muitos destes políticos no Banco de Portugal (Cavaco Silva, António Guterres), podem servir de pousio para regressos triunfantes à política (Presidência da República e Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, respetivamente). Aliás, os cargos internacionais (BCE, no caso de Vítor Constâncio, Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, BERD, no caso de João Cravinho, UNESCO, no caso de Maria de Lourdes Pintasilgo ou de Ferro Rodrigues) podem também ser ocupados antes de um regresso ou de uma reforma definitiva. No exemplo de Mário Centeno, que transitou diretamente do Ministério das Finanças para a liderança do Banco de Portugal (BdP), a porta giratória rodou em circuito fechado, dentro do setor público, mas não é, por isso, uma situação menos polémica. Como ministro das Finanças, Mário Centeno empenhou-se nas políticas do governo, muitas vezes, em conflito com o BdP de Carlos Costa, que acabou por substituir. Ora, sendo o BdP uma entidade reguladora independente, as aptidões de Centeno para o cargo, embora tecnicamente irrepreensíveis, deixavam a desejar do ponto de vista da transparência: como iria o novo governador do BdP dar garantias de independência, face a um governo ao qual tinha pertencido e que continuava a apoiar? E como lidaria o governador Centeno com as decisões para o setor financeiro (como no caso do Novo Banco) tomadas pelo ministro Mário? Ele próprio, em entrevista à VISÃO, no início de março de 2020 – uma semana antes do primeiro confinamento devido à Covid-19 -, havia defendido que o cargo de governador tem uma faceta “iminentemente política”. A sua posterior nomeação foi vista, por diversos quadrantes nacionais e internacionais, como um dos fatores que podem ter contribuído para a descida do País no ranking da qualidade das democracias – embora o motivo principal possa ser assacado, precisamente, à Covid e aos longos períodos de estado de emergência suscetíveis de limitar as liberdades públicas.
DURÃO, “O GOLDMAN
O setor bancário tem um especial dom para o canto de sereia, quando se trata de seduzir políticos ou ex-políticos. E que o diga José Manuel Durão Barroso (um exemplo máximo e paradigmático), que transitou da chefia do governo português – interrompendo o seu mandato… – para a presidência da Comissão Europeia e, daqui, quase diretamente,para presidente não executivo do poderoso Goldman Sachs Internacional, ou seja; liderou, doravante, a operação do banco fora dos EUA, provocando o escândalo da opinião pública europeia. O quase faz toda a diferença: cuidadosamente, Durão Barroso deixou que passassem os 18 meses de nojo, previstos na legislação europeia, para dar o primeiro lamiré, em maio de 2016, numa entrevista ao Expresso, sobre o “novo desafio”. E ainda passaram mais quatro meses, antes que este se concretizasse, ou seja: do ponto de vista da lei, nada havia a apontar a Durão.
Outros quinhentos foram as questões éticas: Durão Barroso era obviamente contratado pela sua influência, carteira de contactos e potencialidade para as funções de lobbying. Mais: ele tinha a missão de acompanhar as implicações do Brexit, dossier que, como ex-presidente da Comissão, conhecia bem – mas em que os interesses do banco poderiam colidir com os da UE.
Na verdade, o historial da relação entre o Goldman Sachs e a União Europeia era tudo menos pacífico. Durão era acusado de ter passado para o “inimigo”. Em 2009, Lloyd Blankfein, presidente-executivo da instituição, . afirmara: “Eu sou apenas um banqueiro a fazer o trabalho de Deus.” A analogia era feliz: o Goldman Sachs, fundado em 1869, é um dos maiores bancos de investimento do mundo. Tem sede em Manhattan, Nova Iorque, mas dispõe de escritórios em quase 40 países e tem interesses financeiros espalhados pelos cinco continentes. Assim, tal como Deus, está em todo o lado.
Quando Durão transpôs a “porta giratória”, o banco norte-americano havia estado envolvido em várias polémicas, na Europa. Uma das mais traumáticas prendia-se com a forma como ajudara a “ocultar” uma parcela significativa da dívida pública grega. Além disso, em plena crise financeira, a instituição incentivara os clientes a investir no colapso das economias mais frágeis-Portugal incluído. Durante a crise do subprime, o Goldman Sachs também teria promovido práticas financeiras discutíveis, ao apostar no falhanço dos pagamentos de empréstimos bancários resultantes da bolha imobiliária. E o novo presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, chegou a dizer que, a partir daquele momento, só receberia Barroso, em Bruxelas, em encontros monitorizados pelas instâncias europeias, ou seja: “como qualquer outro lobista”. Durão perdia o privilégio do acesso à “passadeira vermelha”, deixando de ter, em encontros protocolares europeus, o estatuto reservado aos ex-presidentes da Comissão.
A situação económica de Durão Barroso, ou de qualquer outro comissário europeu, estava salvaguardada por legislação comunitária, que lhe garantia a reforma. Legislação parecida também chegou a vigorar em Portugal – e já não falamos das extintas “reformas vitalícias”… Até há poucos anos, os políticos que tivessem exercido cargos no governo tinham direito a uma indemnização, quando saíam, para os compensar das exigências dos “períodos de nojo”. Mas, na vertigem populista que varreu a política, até isso acabou, e esta constante perda de salvaguardas, ajuntar à exposição pública e, agora, ao “famigerado” questionário de 36 perguntas, imposto a quem é convidado a sobraçar um cargo governativo, redunda, segundo muitos observadores, na crise de recrutamento com que deparam todos os governos – e não apenas o de António Costa.
No final, e de regresso a Durão Barroso, o ex-presidente da Comissão completou os 65 anos (em 2021) e, a partir dessa data, depois de uma década a servir em Bruxelas, teve direito à sua reforma europeia, 70% do salário, ou seja: cerca de 18 mil mensais. Mas esta reforma dourada não o levou a abandonar o Goldman Sachs: no final de 2022, foi anunciado que deixa a presidência do Goldman Internacional, mas que continua a liderar o departamento de consultores internacionais do banco.
Já outro ex-primeiro-ministro, José Sócrates, aceitou apenas o cargo de presidente do Conselho Consultivo da farmacêutica Octapharma para a América Latina, função que começou a exercer a 1 de janeiro de 2013 – até perder o “emprego”, na sequência do Processo Marquês. A multinacional francesa tinha feito 6 milhões, em contratos por ajuste direto, no consulado do ex-premier (como lhe chamam no Brasil…), sobretudo no âmbito do fornecimento de plasma aos hospitais públicos. Os bons contactes de Sócrates com vários dirigentes políticos da região não terão sido estranhos a esta contratação, e a Octapharma quase o sugeriu quando explicou: “A escolha teve que ver com o conhecimento profundo que o eng.a José Sócrates tem da região.” Com certeza: logo a seguir, já investido das novas funções, Sócrates participou, “a pedido da empresa”, numa reunião do Ministério da Saúde brasileiro – era presidente a amiga Dilma Rousseff.
OS CASOS DOS GOVERNOS DE COSTA
Alguns dos exemplos mais conhecidos, no consulado de António Costa, são os do ex-ministro João Pedro Matos Fernandes – que, depois de não ter sido reconduzido em 2022, se tornou consultor do Instituto do Conhecimento, “um dos marcos mais importantes na estratégia da Abreu Advogados”, como referiu, no verão passado, a Iniciativa Liberal, ao apresentar um requerimento à Comissão de Ética do Parlamento, acusando o ex-ministro do Ambiente de não ter respeitado o período de nojo, previsto na lei das incompatibilidades – e de Pedro Siza Vieira, claro, que voltou à sua atividade da advocacia de negócios, agora fortalecido pelo período como governante e como ministro da Economia, sempre um investimento seguro em termos de “competências”.
Já o antigo secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, que se demitiu na sequência do caso das viagens Galp ao Europeu de 2016, viu o seu nome envolvido nos processos do lítio, depois de conhecida a sua ligação como consultor financeiro da Luso recursos Portugal Lithium. Após o programa da RTP, Sexta às 9, falar de suspeitas em torno do ex-secretário de Estado da Internacionalização, pelo facto de se ter ligado a esta empresa, criada para explorar lítio em Montalegre, apenas três meses antes de a concessão (de 35 anos) ser atribuída pelo Governo, Jorge Costa Oliveira negou quaisquer acusações de influência junto de governantes. Ainda assim, afastar-se-ia deste cargo.
O REFÚGIO DOURADO DA EDP
Várias empresas do PSI 20 têm ou tiveram políticos e ex-governantes no seu quadro. A prateleira mais dourada parece ser a do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, cujo caso mais famoso foi o do convite a Eduardo Catroga para presidente, mediante o que foi tido como um salário milionário (45 mil, conforme noticiado em 2012, no período mais difícil da Troika). O ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva (agora com 80 anos) esteve sempre bem acompanhado por correligionários ou antigos adversários políticos. Outro ministro das Finanças de Cavaco, Braga de Macedo, também integrou aquele órgão, bem como o socialista Luís Amado, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates, e que, depois de ter saído do governo, em 2011, ainda passou pela presidência não executiva do Banif. Celeste Cardona, uma antiga governante do CDS (ministra da Justiça no governo PSD/CDS de Durão Barroso), um tanto ou quanto obscura, também foi parar, discretamente, ao apetecível órgão da EDP. Anteriormente, havia entrado, com estrondo, no Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, depois de ter saído do governo, sem que lhe fossem reconhecidas quaisquer competências de banqueira. Rocha Vieira, antigo governador de Macau (e, talvez por isso, bem conhecido do parceiro chinês da EDP, a China Three Gorges), e Augusto Mateus, antigo ministro da Economia de António Guterres, também desaguaram no Conselho Geral e de Supervisão da elétrica. Aliás, de há uns anos a esta parte, já privatizada, a EDP tem uma capacidade de absorção de ex-governantes superior à generalidade das empresas do setor público: António Mexia (que, conceda-se,já era um gestor de topo antes de entrar para o governo, como ministro das Obras Públicas, de Santana Lopes) foi o seu carismático CEO, depois de ter saído do governo. Há ainda nomes como Nogueira Leite (também um gestor profissional), antigo secretário de Estado do Tesouro de Guterres, que foi nomeado administrador não executivo da EDP Renováveis, na qual teve como colega, por exemplo, o embaixador Seixas da Costa.
Ainda no âmbito do PSI20, destaque para José Luís Arnaut (antigo ministro Adjunto de Durão e, depois, ministro das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional), que foi parar à REN como administrador não executivo, tendo esta empresa negócios com a firma de advogados Rui Pena & Arnaut, de que o ex-ministro de Durão era diretor-geral… Entre muitos outros cargos, Arnaut tornou-se, também, presidente da ANA e, cereja no topo do bolo, foi chamado pelo amigo Durão Barroso para o Conselho Consultivo do Goldman Sachs Internacional. Os bons espíritos encontram-se.
CEIA DOS CARDEAIS
Duas das mais influentes “eminências pardas do regime foram, nos governos de Cavaco Silva, Manuel Dias Loureiro (Administração Interna) e, nos executivos de António Guterres, Joaquim Pina Moura – já falecido (ministro da Economia e, depois, “superministro da Economia e Finanças).
Dias Loureiro, mal saiu do governo, foi convidado por José Roquette para integrar a Plêiade, mais tarde vendida à Sociedade Lusa de Negócios (SLN), de Oliveira e Costa, detentora do BPN. Na Plêiade, o ex-ministro ficou com uma stock option até 15% da holding do grupo e mais 7% na repartição dos lucros. Não admira que tenha admitido ao DN: “As pessoas veem que ganhei dinheiro, mas não veem que trabalhei sempre muito. E que fiz negócios bem-sucedidos.” É verdade: logo na venda da Plêiade, Dias Loureiro recebera 1 milhão e 650 mil contos (moeda antiga).
Já Pina Moura, o Cardeal, alcunha granjeada pela forma subtil e “aveludada” com que se movia nos corredores do poder, chegou a ser, no PCP, considerado o delfim de Álvaro Cunhal para a sucessão do líder revolucionário histórico. Porém, o destino havia-o marcado para voos diferentes: tendo-se tornado um dos mais proeminentes dissidentes comunistas, acabou por se aproximar do PS, no âmbito dos Estados Gerais promovidos por António Guterres, e, claro, foi chamado para o governo, no qual reestruturou o setor energético e promoveu a polémica entrada da ENI e da Iberdrola na Galp. Depois, o seu percurso nas empresas, no pós-guterrismo, foi fulgurante, tornando-se um dos mais bem pagos gestores, entrando na administração da Galp Energia e, finalmente, assumindo a presidência da Iberdrola Portugal. Entre outras minudências, foi também consultor externo do Conselho de Administração do BCP e presidente do conselho de governadores do BERD.
Pina Moura, depois de sair do governo, assumiu, por um breve período, o seu modesto lugar de deputado, na Assembleia da República. Se Pedro Nuno Santos desistir das suas ambições partidárias, já sabe… 1’1 visao@visao.pt
“SANÇÃO DEVE SER REFORÇADA”
Paulo Veiga e Moura, especialista em Direita Administrativo, considera absurdo o novo questionário com 36 perguntas, destinado a futuros nomeados para o governo:
“O compromisso já decorre da lei”
As regras do estatuto dos titulares de cargos políticos são suficientemente claras para que não permitam interpretações enviesadas?
A lei é claríssima: impõe, aos titulares dos cargos políticos, um período de nojo de três anos, após a cessação de funções. Portanto, estes não podem exercer funções em empresas sobre as quais tiveram intervenção, ou seja: não podem estar num dia, enquanto titulares de cargos políticos, a financiar ou a conceder subsídios a uma determinada empresa ou instituição e, no final do exercício de funções, passarem a trabalhar para essa mesma empresa.
Senão, teríamos aqui alguém a financiar com dinheiros públicos o seu futuro vencimento. Isto destina-se a assegurar a devida imparcialidade do tipo de funções e a evitar a natural tentação de se, enquanto se tem esse poder, preparar um futuro quanto a uma atividade posterior.
Mas, então, o que está na origem de alguns casos, como o mais recente que envolveu a ex-secretária de Estado Rita Marques e que foi criticado pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro? Má interpretação?
Não sei como a ex-secretária de Estado interpretou a lei, mas há um princípio legal que é muito básico e que todos os cidadãos são obrigados a cumprir: ninguém pode escudar-se na ignorância, no não conhecimento ou na má interpretação da lei. Com o devido respeito, acredito que a ex-secretária de Estado não ignorava, não poderia ignorar, e, positivamente, mediu as vantagens e as desvantagens de aceitar esta oportunidade concedida. E porquê? Porque a sanção é demasiado curta. Não há uma sanção efetiva para quem viola a lei neste segmento; a única consequência que pode haver, por ter sido governante, dado dinheiro ou ter tido influência direta sobre uma empresa, é não poder, nos próximos três anos, exercer qualquer outro cargo político. Ou seja: se não houver a intenção ou o desejo de se ser novamente titular de um cargo político, porque não aceitar, porque não há de violar a lei? É uma questão da consciência de cada um.
Será necessário ao Parlamento clarificar a legislação, quatro anos depois?
É óbvio que não. O período de nojo é fundamental e claro. Em causa estão uma questão de imparcialidade e o esforço de se evitar um assalto, no sentido de que, enquanto tenho o poder, vou atribuir dinheiro ou preparar o caminho para quem me vai pagar o vencimento seguinte. O que, na minha opinião, tem de ser reforçado é o mecanismo sancionatório. As pessoas não funcionam sem sanção – o que tem um efeito de prevenção.
A sanção de três anos é curta?
Sim, é escassa e pequena. O Parlamento tem de voltar a este ponto e definir sanções acrescidas. como, por exemplo, haver lugar à devolução de todos os vencimentos auferidos enquanto titular de cargo político. Tem de haver uma sanção que possa tocar e ser sentida. Todos os governantes respeitarão esta norma se, na verdade, a componente sancionatória da lei for reforçada e tornar as medidas mais eficazes.
Ao Código de Conduta, de 2016, que surgiu por causa das viagens oferecidas a governantes pela GALP, e ao agora mecanismo de controlo, com 36 perguntas, faria sentido criar uma qualquer declaração de compromisso, para os governantes, sobre o que estes poderiam fazer no futuro?
Não. Na verdade, esse tal questionário é algo verdadeiramente absurdo. Não é preciso assumir um compromisso quando a lei já impõe esse compromisso. Alguém ir para secretário de Estado e ter de assinar um compromisso, de que nos próximos três anos, após sair do Governo, não irá trabalhar para onde quer que seja, é pedir que assine algo inócuo e desnecessário, porque esse impedimento decorre da lei
MILHÃO A MILHÃO
PORTAS GIRATÓRIAS EM (ALGUNS) NÚMEROS
822
MIL Foi quanto Armando Vara embolsou, em 2010, do BCP, apesar de não ter exercido qualquer função, desde finais de 2009. Cerca de 260 mil de remuneração fixa e 562 mil de indemnização por rescisão de contrato.
700
MIL em remunerações, que constavam da declaração de IRS de Pina Moura, em 2006, cinco anos após ter deixado o governo.
Em 1995, ano em que entrou para o executivo, tinha declarado cerca de 23 mil.
45
MIL Foi o montante divulgado como salário de Eduardo Catroga, quando, em 2012, assumiu a presidência do Conselho Geral e de Supervisão da EDP
1,6
MILHÕES DE CONTOS, CERCA DE 8 MILHÕES
Quantia que embolsou Dias Loureiro com a venda da Plêiade à SLN, sociedade detentora do BPN
3
ANOS, ENTRE 2016 E 2019 Tempo decorrido para que a comissão eventual para o reforço da transparência no exercício de funções públicas tivesse criado novas regras, a cumprir após a cessação de funções, e as respetivas sanções.
*Com Nuno Miguel Ropio e João Amaral Santos
JORGE COSTA OLIVEIRA
GOVERNO DE COSTA
Ex-secretário de Estado da Internacionalização, apareceu como consultor financeiro da Lusorecursos Portugal Lithium, empresa criada para explorar lítio em Montalegre, apenas três meses antes de a concessão ser atribuída pelo governo
MARIA LUÍS ALBUQUERQUE
GOVERNO DE PASSOS COELHO
De técnica do Ministério das Finanças chegou a ministra da pasta. Quando saiu, foi contratada pelo fundo financeiro Arrow Global
DURÃO BARROSO
PRIMEIRO-MINISTRO DO PSD, PRESIDENTE DA COMISSÃO EUROPEIA
Cerca de 18 meses depois de ter exercido o cargo, em Bruxelas, foi contratado para presidente não executivo do Goldman Sachs V Internacional
PAULO PORTAS
GOVERNOS DE DURÃO BARROSO E DE PASSOS COELHO
Foi jornalista e deputado, antes de ser ministro.
Chega, agora, ao conselho de administração da Mota-Engil
CELESTE CARDONA
GOVERNO DE DURÃO BARROSO
DIAS LOUREIRO
GOVERNO DE CAVACO SILVA
Ex-ministro da Administração Interna, foi “agarrado” por José Roquette, na Plêiade. Depois, foi administrador da SLN. detentora do BPN
JOSÉ SÓCRATES
PRIMEIRO-MINISTRO PS Saiu do governo e, após um período sabático em Paris, foi contratado
pela multinacional farmacêutica Octapharma I como consultor para o mercado latino-americano S
JOSÉ LUÍS ARNAUT
GOVERNO DE DURÃO BARROSO
Ex-ministro Adjunto e das Cidades, tem assumido cargos em diversas empresas, da REN à ANA. Foi chamado por Durão para consultor do Goldman Sachs
19/01/2023 | Imprensa, Notícias do dia
Não ser eleito numa corrida autárquica não significa que não se consiga depois uma ligação à câmara, sobretudo se o candidato estava do lado dos vencedores. Em Lisboa já aconteceram cinco situações dessas.
O primeiro caso deu-se com Pedro Simas, uma das figuras que ficaram conhecidas do grande público em 2020 e 2021 devido à pandemia. O virologista foi uma das surpresas das listas de Carlos Moedas à Câmara Municipal de Lisboa (CML) para tentar destronar Fernando Medina. Contra todas as expectativas e sondagens, foi o que aconteceu a 26 de setembro de 2021. A coligação Novos Tempos elegeu sete vereadores e Simas era o oitavo, o que o colocava na posição de primeiro substituto de algum vereador que não pudesse participar numa reunião do executivo municipal, o que chegou a acontecer.
Segundo noticiou
o Expresso em novembro de 2022, Simas estava ao mesmo Carlos Moedas Interrompeu o longo reinado da esquerda em Lisboa, mas só tem 7 vereadores contra os 10 da oposição (PS, PCPe BE) tempo na câmara com uma “assessoria na área da saúde, para apoio à atividade do gabinete da vereadora Laurinda Alves, bem como implementar e suportar a necessária articulação de atividade autárquica desenvolvida promovendo os estudos que se revelem necessários”. O valor era de 90.060 por 24 meses, de que resultam 3.725 mensais brutos.
Nessa altura, estava também com uma assessoria de 24 meses – e igualmente junto da vereadora Laurinda Alves – Francisco Vaz Guedes Guimarães, no caso em apoio na área da juventude e da Jornada Mundial da Juventude 2023: 91.686, de que resultavam 3.820 brutos por mês. Este assessor estava nas listas de Carlos Moedas à CML como independente no 10B lugar.
Quer a sua assessoria, quer a de Pedro Simas, foram entretanto terminadas. “Logo que se suscitaram dúvidas sobre os contratos que tinham celebrado, [ambosj pediram a cessação desses mesmos contratos, o que veio a ocorrer no dia 31 de julho de 2022”, informa a CML à SÁBADO. Invocando razões de saúde, a vereadora Laurinda Alves saiu do executivo em outubro de 2022.
Outro caso foi o de Francisco Camacho, que foi eleito deputado municipal na coligação Novos Tempos em representação do CDS-PP (era o 7a da lista e a coligação elegeu 17) e dois meses depois foi contratado pela junta de freguesia de Arroios, que mudara de mãos, do PS para o CDS–PP. A prestação de serviços de Francisco Camacho (11.250 por cinco meses) estava relacionada com uma auditoriaàs contas deixadas pela anterior presidente, Margarida Martins.
Efetivos e suplentes
É da Assembleia Municipal de Lisboa (AMD que vêm mais dois casos. Ainda em 2021, a 23 de dezembro, Vítor Navalho (16a suplente nas listas à câmara) foi contratado pelo PSD para apoio à sua bancada na assembleia municipal: 33.953 por dois anos. Maria Sitú Antunes (12° suplente nas listas à câmara) foi também contratada pela bancada laranja para apoio jurídico na assembleia municipal: 42.000 por dois anos.
Na altura do seu artigo, o
Expresso referia um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que, em relação a outro caso, defendia que os “não imediatamente eleitos têm, de acordo com a sua ordenação, uma expectativa legítima” de exercer a vereação “sempre que ocorra uma das causas de substituição previstas na lei”. Assim, “estão sujeitos ao regime de inelegibilidades, incompatibilidades e impedimentos”.
À SÁBADO. Luís Newton, líder de bancada do PPD/PSD na Assembleia Municipal de Lisboa, diz que tal jurisprudência não se aplica aos casos referidos. “No caso do Acórdão está em causa uma situação de um vereador substituto. Aqui, os elementos nunca foram empossados nem participaram em nenhuma sessão e, também, de acordo com os próprios, não o irão fazer. Significa, portanto, que para alguém ser considerado ‘eleito local’, terá de ter sido empossado e exercer o referido cargo, e ser, portanto, titular dos inerentes direitos e deveres. Assim sendo, o Acórdão não terá qualquer aplicação.”
No mesmo sentido, o gabinete de comunicação da Câmara Municipal de Lisboa diz-nos que há uma diferença entre os candidatos efetivos e os suplentes e que por isso foram terminados os contratos com Pedro Simas e Francisco Vaz Guedes Guimarães e não com os outros. “Maria Sitú Antunes e Vítor Navalho integraram a mesma lista, mas em posição suplente, pelo que, de acordo com o parecer que foi solicitado ao Departamento Jurídico da CML, não estão sujeitos aos mesmos deveres legais que impendem sobre cidadãos que integram as listas de candidatos em lugar efetivo.”
A CML adianta que está “a realizar um levantamento e diagnóstico das restantes situações passíveis de gerar dúvidas de legalidade e que incidem sobre outros partidos representados na CML e na própria AML, bem como sobre eleitos para as juntas de freguesia de Lisboa”. O
Sobe&Desce
Carlos Rodrigues
Diretor-Geral Editorial
o
Fernanda de Almeida Pinheiro
Bast. Ordem dos Advogados
Conseguiu
a eleição a partir das bases de uma profissão hoje em dia heterogénea. A elite ataca-a dizendo que transformará a Ordem num sindicato. Justifica o benefício da dúvida e tempo para trabalhar.
O
Paulo Cafôfo
Sec. Estado das Comunidades
As suspeitas
de corrupção em que está envolvido deviam obrigá-lo a preen cher o questionário de acesso ao Governo. Apesar de a ministra Vieira da Silva não ter definido os critérios de admissão, em princípio Cafôfo não passava.
O
João Costa
Ministro da Educação
Foi perdendo
aos poucos os elos que o manti nham ligado à terra na educação. A caminhada em Lisboa juntou professores que foram pela primeira vez a uma manifestação. Quando um ministro faz a unanimidade das críticas, o seu caminho fica difícil.
Pedro Simas k Virologista que ficou conhecido durante a pandemia, era o primeiro vereador substituto do executivo. Obte- F
ve um ajuste direto À de 90.060
Vítor Navalho
Integrante da lista de candidatos para a câmara, dois meses depois das eleições teve um F L ajuste direto de j 33.953 A Maria Sitú Antunes
Candidata suplente k
pelo PSD nas listas para a câmara, obteve em
março de 2022 um ajuste direto de 42.000
Coligação
A Novos Tem
pos tinha PSD, CDS, Aliança, PPM e MPT. 0 CDS ficou com a vice-presidência da câmara e um vereador