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Secretário de Estado Adjunto de Costa acusado de prevaricação deixa governo 55 dias depois

55 dias: Miguel Alves deixa governo após polémicas enquanto autarca

RUI MIGUEL GODINHO

DEMISSÃO Mandato do agora ex-secretário de Estado Adjunto foi marcado por suspeitas que o deixaram fragilizado. Deputados do PS e Ana Gomes já tinham pedido a saída de Miguel Alves.

Nem dois meses completos. Na verdade, foram 55 (de 16 de setembro a 10 de novembro) os dias que o agora demissionário secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro Miguel Alves esteve em funções. O pedido de demissão chegou ontem ao final da tarde, após a notícia de que o Ministério Público (MP) o acusou do crime de prevaricação no âmbito da Operação Teia. Inicialmente avançada pelo Observador, a notícia foi depois confirmada ao DN por fonte da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Na carta ontem divulgada, Miguel Alves afirma que, “face à acusação deduzida pelo Ministério Público”, entendeu não estarem reunidas condições para a sua continuidade no cargo. “Estou de consciência tranquila, absolutamente convicto da legalidade de todas as decisões que tomei ao serviço da população de Caminha e muito empenhado em defender a minha honra no local e tempo próprio da justiça”, reitera. Momentos depois, surgiu a posição do primeiro-ministro, que comunicou: “O primeiro-ministro recebeu e aceitou o pedido de demissão do dr. Miguel Alves das funções de secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, tendo já proposto a sua exoneração ao senhor Presidente da República”. Este, por sua vez, também aceitou a demissão, segundo um comunicado divulgado na página oficial da Presidência da República.

No espaço de duas semanas, o ex-autarca de Caminha viu o seu nome envolvido em duas polémicas diferentes: além da Operação Teia – cuja extração de uma certidão resultou na acusação de ontem -, Miguel Alves está ainda a ser investigado pelo Ministério Público por um alegado contrato duvidoso de 300 mil euros assinado enquanto estava à frente dos destinos da vila minhota. Então, Miguel Alves terá assinado um contrato com uma empresa para a construção de um centro de exposições em Caminha. O contrato foi assinado em 2020, a obra para a construção do centro ainda não arrancou.

Por outro lado, a Operação Teia – da qual se deduziu ontem a acusação – investigou o envolvimento do antigo autarca Joaquim Couto e da sua mulher, Manuela Couto, num alegado esquema de influências políticas, que pressionava autarcas e responsáveis de entidades públicas para contratar, sobretudo por ajuste direto, cinco empresas do universo familiar. Uma dessas terá sido a Mit – Make it Happen, Lda., que realizou contratos com a autarquia de Caminha entre abril de 2015 e julho de 2016, e que terá sido contratada para serviços de comunicação e marketing num contrato com um valor aproximado de 20 mil euros, segundo o Observador.

Após as polémicas, membros do governo vieram a público por diversas vezes defender o secretário de Estado Adjunto. Primeiro, foi o próprio António Costa a não deixar cair Miguel Alves, reiterando a confiança política no adjunto; já ontem, foi a vez de dois ministros: Mariana Vieira da Silva, da Presidência, e Pedro Adão e Silva, da Cultura. A ministra negou uma dualidade de critérios entre casos dentro do Executivo e comparou este ao processo Galpgate, em que houve membros de governo a serem suspeitos de recebimento indevido de vantagem, mas há diferenças: ambos os secretários de Estado pediram a demissão antes de pedirem à justiça a sua constituição como arguidos no processo. O ministro da Cultura seguiu a mesma lógica argumentativa: “Que eu saiba, o estatuto de arguido existe para nos protegermos perante a justiça. Tenho registado as interpretações que têm sido feitas sobre o conceito de arguido. Não é ser acusado ou condenado”.

Mas a posição do governo tem sido criticada dentro do próprio PS. Primeiro, foi a ex-ministra e atual deputada Alexandra Leitão a deixar críticas no programa Princípio da Incerteza, da CNN Portugal, considerando o caso “um bocadinho incompreensível” e a postura de Miguel Alves – que só reagiu ao fim de uma semana – “inaceitável”. Também a deputada socialista Isabel Moreira criticou de forma veemente, na antena da CNN, a postura do agora ex-secretário de Estado: “Demita-se ou seja demitido” após um conjunto de respostas “risível” que o ex-governante deu (de que manteve o silêncio público para se explicar, primeiro, à Procuradoria-Geral da República). “Ele próprio levanta uma suspeição sobre aquilo que leva a que haja uma suspeição sobre aquela pessoa, ou seja levantando uma suspeição sobre o sistema de justiça e isto é uma coisa que eu acho de uma gravidade inaceitável”, considerou.

Também a ex-eurodeputada Ana Gomes foi perentória na sua posição pública: “Julgamento ético e político é só um. Miguel Alves não tem condições para continuar”, declarou em entrevista à Rádio Observador, na passada terça-feira.

Na carta ontem divulgada, Miguel Alves afirma que, “face à acusação deduzida pelo Ministério Público”, entendeu não estarem reunidas condições para a sua continuidade no governo.

Contrato de 300 mil€ por pavilhão

Caminha

A Câmara de Caminha, então liderada por Miguel Alves, realizou vários contratos com a sociedade Mit – Make it Happen, entre abril de 2015 e julho de 2016. As suspeitas do Ministério Público são que o autarca tenha favorecido em adjudicações o ex-autarca socialista Joaquim Couto e a sua mulher.

Pavilhão

Em 2020, Miguel Alves, ainda presidente da autarquia, terá feito um adiantamento de 300 mil euros à empresa Green Endogenous e ao empresário Ricardo Moutinho para o projeto de um pavilhão multiusos ainda por construir e sem garantias, como noticiou o

Público. Neste caso, o MP decidiu abrir um inquérito ao secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro.

Nomeado para adjunto

A 15 de setembro soube-se que António Costa tinha escolhido para seu secretário de Estado Adjunto Miguel Alves. Um lugar que não tinha sido previsto na primeira orgânica do atual governo.

Pedidos de demissão

Depois dos dois casos em que o secretário de Estado ajunto está envolvido terem vindo a público, e de muita pressão da oposição, começaram-se a levantar vozes entre os socialistas no sentido da demissão de Miguel Alves. A primeira foi a antiga secretária de Estado e ministra, agora deputada, Alexandra Leitão. Seguiu-se a deputada Isabel Moreira e Ana Gomes.

Silêncio de uma semana

O secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro manteve-se em silêncio durante uma semana e não deu explicações para os casos que vieram a público.

Entrevista TSF/JN

Só a 6 de novembro, em entrevista TSF/JN, Miguel Alves tentou justificar o silêncio sobre o caso. “Entendi que as minhas primeiras palavras deviam ser junto da PGR”, disse. Já nessa entrevista admitiu ter consciência que, “com este enredo de insinuações e suspeições, acabam por prejudicar e atacar a minha credibilidade”. E confessou que deu nota ao primeiro-ministro do que se estava a passar e recebeu, disse, “toda a força necessária.” Ontem apresentou a demissão.

“O dr. Miguel Alves está a sofrer uma injustiça sem palavras”

Texto Micael Pereira Foto Ana Baião

Ricardo Moutinho Empresário

O empresário por detrás do polémico Centro de Exposições Transfronteiriço de Caminha mostrou-se disponível para ser confrontado pelo Expresso sobre a sua relação com Miguel Alves, o autarca que se tornou secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro — e que se demitiu na quinta-feira, após ser confrontado com uma acusação de prevaricação do Ministério Público

P Como conheceu Miguel Alves?

R Conheci o dr. Miguel Alves porque, depois de termos detetado uma oportunidade de negócio que falhou no município da Guarda, a nossa equipa comercial decidiu começar a vender a mesma solução a vários municípios. O ciclo político é curto, são quatro anos, todos os autarcas querem investir, deixar a sua marca, ganhar as próximas eleições, tão simples quanto isso, e nós percebemos que havia muitas câmaras que depois da troika ficaram num contexto de endividamento que era altamente desfavorável. Existe uma coisa no Tribunal de Contas que são os rácios de endividamento que impedem as câmaras de fazer mais dívida para financiar novos projetos.

P Contactaram quantos municípios?

R Dezenas de municípios, de norte a sul do país. Tivemos reuniões com presidentes de câmara em mais de 20 municípios. Porque é que falei da Guarda? Na Guarda foi detetada uma oportunidade de negócio concreta, com um investidor que concebe, constrói e arrenda. O que é que o município ganha com isto? Não tem de se endividar. O endividamento é feito pelo privado.

P No caso específico de Miguel Alves, como o conheceu?

R Conheci-o na sequência desses contactos comerciais.

P Não foi apresentado por ninguém?

R Não. Não fui apresentado por absolutamente ninguém.

P Enviou-lhe um e-mail?

R Exatamente, um e-mail que enviámos de caráter comercial. Tínhamos o projeto de arquitetura da Guarda, que fracassou e onde gastámos 50 mil euros. Tínhamos o projeto, tínhamos um modelo de negócio, o CET, Centro de Exposições Transfronteiriço. Então, o que fizemos? Fomos ao Pordata e vimos os municípios onde o CET fazia sentido.

P E o que é que aconteceu a seguir?

R O dr. Miguel Alves respondeu-me, confirmou a sua disponibilidade e marcámos uma reunião. E foi aí, presencialmente, nessa reunião nos Paços do Concelho, que nos conhecemos e falámos pela primeira vez.

P Quando é que enviou esse e-mail?

R Foi, salvo erro, em abril de 2020.

P Esteve presente numa reunião na Câmara de Caminha, em setembro de 2020, para falar do projeto. Como se apresentou nessa sessão?

R Nunca tinha estado numa reunião de câmara. Apresentei-me como um empresário, com várias empresas. De facto, verifica-se uma imprecisão nessa [ata de reunião]. Vou assumir ser minha, para não culpar ninguém. Digo que o financiador do projeto é a Green Endogenous, o que é errado.

P Falou nessa reunião sobre investimentos a que está ligado. Disse que essa empresa-mãe, a Greenfield, tem investimentos fora de Portugal.

R E corresponde à verdade.

P Mas é verdade o que vem na ata da reunião que o seu grupo de empresas tem investimentos em mais de 20 aeroportos, num montante global de 1,2 mil milhões de euros?

R Tem uma carteira de ativos. Trabalhei na banca de investimento e uma das empresas do grupo…

P Li num jornal local, depois dessa apresentação em Caminha, que a Greenfield, a tal empresa-mãe, foi constituída no Luxemburgo.

R Certo. Nós temos uma empresa constituída no Luxemburgo precisamente no contexto da gestão de ativos.

P Nós quem?

R Eu e a minha equipa. Eu, o Ricardo Moutinho e a minha equipa.

P Mas o acionista dessa empresa no Luxemburgo é o Ricardo?

R Sim, exatamente.

P No registo de beneficiários efetivos do Luxemburgo não há nenhuma Greenfield que tenha o Ricardo Moutinho como dono. Como explica isso?

R Como explico isso? Olhe, não sei, mas posso facultar-lhe essa informação.

P Vi num direito de resposta noutro jornal local que o Ricardo aparece como CEO de uma Greenfield FZCO, que é uma companhia do Dubai.

R É uma empresa no Dubai. Temos mais de 500 empresas criadas pelo mundo. É uma entidade criada apenas por motivos de eficiência fiscal.

P Há quanto tempo?

R Foi criada em junho de 2022. O objetivo dessa empresa é precisamente acabar com essa desagregação das empresas-veículo. Queremos centralizar todas as empresas numa única

holding. Estamos a mudar gradualmente as participadas para a Greenfield FZCO.

P Quando diz eficiência fiscal, isso significa não pagar impostos?

R Certo. Digo isso abertamente porque é uma metodologia comum.

P O seu grupo tinha capitais próprios para investir no Centro de Exposições Transfronteiriço em Caminha quando apresentou a proposta?

R A Green Endogenous é uma empresa que não pode ter capitais próprios nem pode ter experiência anterior, porque é uma entidade-veículo. Cabe aos promotores encontrarem os capitais próprios necessários através de outros negócios. Tenho outros negócios que não consolidam com a holding. Tenho dois restaurantes, uma exploração agropecuária, participações pessoais em projetos industriais, uma pequena cadeia de supermercados.

P Não teria problemas em arranjar os oito milhões anunciados?

R Exatamente.

P Por que precisava de 300 mil euros de rendas adiantadas?

R Não há nenhum contrato de arrendamento em que seja o senhorio, ou neste caso o promitente senhorio, a entregar garantias ao inquilino. O adiantamento de rendas é um sinal de que a câmara se vai juntar a esse projeto e que o projeto irá mesmo acontecer.

P Qual era o prazo para entregar o pavilhão a partir do momento em que foi assinado o contrato?

R Há uma primeira fase em que temos um prazo para apresentar um PIP [Pedido de Informação Prévia], há outra fase em que temos um prazo para comprar o terreno e outra em que temos outro prazo, que julgo serem 500 dias, para construir. Há uma sequência.

P Entretanto, comprou 33 terrenos, num total de 10 hectares, para a construção do centro. Quanto é que gastou nesses terrenos?

R Gastei cerca de 650 mil euros.

P Quando é que foi a última vez que falou com Miguel Alves?

R A última vez que falei com o dr. Miguel Alves foi hoje [terça-feira, 8 de novembro].

P O que falou com ele?

R O dr. Miguel Alves está a passar por um momento difícil, um momento profundamente injusto, e eu sinto-me na obrigação, de alguma forma, de o apoiar nesta situação. Não tenho nenhum problema em dizer que falo e falarei com o dr. Miguel Alves — aconteça o que lhe acontecer — para sempre. E que o considero um amigo e lamento imenso aquilo por que está a passar. Considero que está a sofrer uma injustiça que não tem palavras.

Uma sede inventada, empresas que não existem e um falso

As informações prestadas por Ricardo Moutinho não batem certo com a realidade, desde o momento em que escreveu o primeiro e-mail a Miguel Alves

É afável e empático, mas tem uma relação difícil com a verdade. Ricardo Moutinho é um empresário de 37 anos que passou a ter visibilidade devido a uma decisão controversa de Miguel Alves, quando o atual secretário de Estado era presidente da Câmara de Caminha e lhe atribuiu €300 mil de rendas adiantadas para um pavilhão ainda por construir. Moutinho desculpou-se com “imprecisões” para justificar as contradições com que foi confrontado pelo Expresso. Mas foi apanhado a mentir.

O DOUTORAMENTO. Num direito de resposta que enviou em julho de 2022 a um jornal de Caminha, o caminhense assinou com a referência PhD, como doutorado. Na entrevista que deu ao Expresso esta semana negou que tenha sido ele a tratar dessa parte do direito de resposta. “Quem escreve às vezes esse tipo de situações e formatação de papéis nem sempre sou eu. Às vezes são pessoas que me tratam genericamente por PhD, ou doutor, ou doutorado.” Assumindo que não é de facto doutorado, disse: “Eu nunca me apresentei [dessa forma]”, acrescentando que poderia facultar todos os e-mails e mensagens de WhatsApp trocadas com Miguel Alves. Mas logo no primeiro e-mail que enviou ao então presidente da Câmara de Caminha, a 8 de abril de 2020, vem: “Com os nossos melhores cumprimentos, Ricardo Moutinho, PhD, MBA, CFA.”

O GRUPO. Nesse primeiro e-mail para Miguel Alves, Moutinho escreve com o domínio @greenfield-capital.com.

Ao apresentar de forma sucinta uma proposta para construir um Centro de Exposições Transfronteiriço (CET) em Caminha acrescenta: “O grupo tem experiência neste tipo de operações em diversas geografias, nomeadamente no

Agora, Ricardo Moutinho diz ao Expresso que a Greenfield Capital era apenas “um conceito”

Reino Unido (i.e., Londres), no Azerbaijão (i.e., Baku) e na Geórgia (i.e., Tbilisi).” A 14 de fevereiro, três meses antes, tinha sido criada uma Greenfield SGPS, Unipessoal, Lda, com €5 mil de capital social e tendo como único acionista Ricardo Moutinho. Só em agosto do ano seguinte foi constituída uma subsidiária dedicada à gestão de investimentos, chamada Greenfield — Sociedade de Capital de Risco.

OS ATIVOS. Num PowerPoint que Moutinho preparou para uma apresentação pública na Câmara de Caminha em setembro de 2020, a Greenfield Capital,

doutoramento

apesar de ainda não existir, aparece como uma entidade que geria um portefólio de ativos no montante global de €1,2 mil milhões. Agora, Moutinho diz ao Expresso que a Greenfield Capital era apenas “um conceito”, não conseguindo nomear que empresas suas estavam de facto a gerir esse portefólio nem que investimentos específicos eram esses. Na entrevista que deu ao Expresso assumiu-se como dono de uma empresa no Luxemburgo, também de nome Greenfield, que faz supostamente gestão de ativos, e prometeu fornecer provas disso. Mas já esta sexta-feira esclareceu: “Não posso revelar os documentos sem autorização do investidor.” E argumentou, desta vez, que afinal não é o dono dessa companhia.

A SEDE. No mesmo PowerPoint que preparou para a reunião em Caminha em 2020 vem escrito que a sede internacional da Greenfield era em Ras Al Khaimah, uma cidade nos Emirados Árabes Unidos (EAU). Mas o próprio Moutinho admite agora que a primeira empresa que abriu nos EAU, no Dubai, a Greenfield FZCO, foi criada apenas em junho deste ano. Em 2020, confessa, essa sede era apenas “uma intenção”. M.P.

Acusação força Miguel Alves a sair do Governo

PM sabia que Miguel Alves era arguido em dois processos quando o convidou

Acossado com a acusação no âmbito da Operação Teia, Miguel Alves acabou por sair do Governo, ao fim de menos de dois meses como secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro. O homem que tinha vindo de Caminha para Lisboa para ajudar António Costa a lidar com problemas de coordenação e de casos sucessivos tinha-se tornado um caso difícil de manter no Executivo.

Primeiro, foi a divulgação de um “negócio duvidoso” em Caminha (ver entrevista ao lado), depois a divulgação de que era arguido em dois processos que envolvem outros autarcas socialistas — Operações Teia e Éter —, por fim, na tarde desta quinta-feira, a notícia do “Observador” de que na Operação Teia tinha passado à condição de acusado.

Pelas 19h10, hora a que António Costa estaria a sair do Palácio de Belém, chegou às redações a nota de demissão. Belém, como o Expresso tinha noticiado de manhã, tinha feito saber que o Presidente queria falar deste assunto na reunião semanal com o primeiro-ministro, marcada para as 18h. A meio da tarde, tinha caído a notícia da acusação na Operação Teia. De arguido, Miguel Alves tinha passado a acusado e a sua continuação no Governo já não dependia do primeiro-ministro, teria de passar por uma apreciação do caso no Parlamento.

“Tendo tido conhecimento pelos meios de comunicação social de dedução de acusação, por parte do Ministério Público, num inquérito que se refere a factos ocorridos nos anos de 2015 e 2016 no exercício do mandato como presidente da Câmara Municipal de Caminha (…) venho apresentar a minha demissão”, lê-se na nota às redações assinada pelo próprio Miguel Alves.

“Face à acusação deduzida pelo Ministério Público e mesmo não tendo conhecimento dos seus termos e pressupostos, entendo não estarem reunidas as condições que permitam a minha permanência no Governo de Portugal”, continua numa nota em que agradece a Costa e aos restantes membros do Governo o trabalho destes dois meses.

“Estou de consciência tranquila, absolutamente convicto da legalidade de todas as decisões que tomei ao serviço da população de Caminha e muito empenhado em defender a minha honra no local e tempo próprio da Justiça”, conclui o ex-autarca e agora também ex-governante.

Minutos depois chegou o comunicado de Costa: “O primeiro-ministro recebeu e aceitou o pedido de demissão do dr. Miguel Alves das funções de secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, tendo já proposto a sua exoneração ao Senhor Presidente da República.” Agradece a “disponibilidade” de Miguel Alves e anuncia que “oportunamente” proporá a sua substituição. Resta saber quem vai Costa chamar para o lugar e se vai resolver de vez o problema de falta de coordenação e de peso político neste Governo.

António Costa, confirmou o Expresso, sabia que Miguel Alves tinha dois processos judiciais às costas, enquanto autarca, quando o convidou para o cargo. E isso não foi inibidor. Sobre o negócio do Centro de Exposições Transfronteiriço, que era do conhecimento público ao nível local, soube uma semana depois de Miguel Alves ter chegado a São Bento, quando começaram a surgir perguntas do jornalista. Em nenhum momento, tanto um caso como outro, foi “inibidor” para a escolha política.

“Estou de consciência tranquila e muito empenhado em defender a minha honra no local e tempo próprio da Justiça”, diz Miguel Alves

Mariana Vieira da Silva vincou isso mesmo no briefing do Conselho de Ministros desta quinta-feira: 1) não há nenhuma regra que diga que qualquer governante constituído arguido tem de sair; 2) não há “discricionariedade” nem duplo critério, uma vez que foram os secretários de Estado envolvidos no caso das viagens da Galp que pediram para sair; 3) nesses casos, como em Tancos, estavam em causa processos acionados no exercício das funções governativas, e não anteriores a elas. No comunicado em que aceitou a exoneração de governantes em 2017, Costa sugeriu que o fazia apesar de “o Ministério Público não ter deduzido qualquer acusação”. Ainda assim, haver acusação judicial não é necessariamente o critério para a porta de saída: a avaliação é caso a caso, mas passa pelo Parlamento, como manda a Constituição.

A pressão política aumentou depois da entrevista que Miguel Alves deu, no passado fim de semana, onde invocou argumentos de “vitimização”, como o facto de haver “preconceito” na “corte” de Lisboa por ser um ex-autarca de Caminha que aterrou agora no coração do Governo. O objetivo era serenar os ânimos, mas as explicações dadas na entrevista, a que se juntaram mais notícias a dar conta de que os exemplos de negócios feitos noutras câmaras que Miguel Alves tinha dado como garantia não tinham afinal avançado, foram o rastilho que faltava para o poder político — nacional — sair em força a pedir explicações. Não só Luís Montenegro se envolveu pessoalmente nesse clamor como várias foram as vozes socialistas ouvidas, de Alexandra Leitão a Ana Gomes ou João Cravinho. “Demita-se ou seja demitido”, chegou a dizer a deputada socialista Isabel Moreira.

Um escolhido de Costa

O envolvimento de Miguel Alves no caso Teia pode dar a dimensão das ambições do ex-autarca de Caminha, que começou a carreira política na capital. Miguel Alves é acusado nesse processo devido a um contrato com a empresa de Manuela Couto, ex-mulher de Joaquim Couto, ex-autarca socialista, para a prestação de serviços de comunicação à Câmara de Caminha. Segundo a oposição local, Manuela Couto nunca foi vista em Caminha, e o único sinal dos serviços prestado foi um relatório sobre as presenças ou citações de Miguel Alves em órgãos de comunicação de âmbito nacional. Claramente, o autarca, que na semana passada se queixou de estar a ser atacado por ser de Caminha, não se queria ficar pela vila minhota. Tinha sido na capital que havia começado a carreira política e a Lisboa, onde nasceu em 1975, haveria de voltar. O agora secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro foi há muito uma escolha de António Costa, então ministro da Administração Interna, para o seu gabinete. Queria alguém novo, com talento e gosto pela política, mas que não fosse da JS, e Pedro Nuno Santos apresentou-lhe Miguel Alves.

Costa gostou tanto de trabalhar com ele que foi uma das duas pessoas do gabinete que levou para a sua campanha das eleições intercalares de Lisboa, em 2008. Só que a dada altura, depois de uns anos na Câmara, Miguel Alves decidiu que não queria fazer vida de escritório, andar de gabinete em gabinete sempre a assessorar alguém, queria ter vida própria. Em 2009 foi trabalhar para a Geocapital, empresa de Diogo Lacerda Machado, conhecido amigo de António Costa. E, como o próprio Miguel Alves gosta de contar, até estava feliz a trabalhar e a ganhar dinheiro, mas sentia falta da política, pelo que em 2013 concorre à Câmara de Caminha, onde havia vivido em criança e onde tinha relações familiares. Caminha passou a ser local de eventos nacionais do PS e passagem obrigatória nas campanhas de Costa, que acabou por trazer o autarca de volta à capital para o ajudar na coordenação do Governo acossado por vários casos de descoordenação e de alegadas incompatibilidades. Mas assim que chegou tornou-se ele próprio mais um caso. E.L. e R.D.

[A GREENFIELD] FOI CRIADA [NO DUBAI] PARA EFICIÊNCIA FISCAL. NÃO PAGAR IMPOSTOS É COMUM FALAREI COM O DR. MIGUEL ALVES — ACONTEÇA O QUE LHE ACONTECER — PARA SEMPRE. CONSIDERO-O UM AMIGO

Ricardo Moutinho escreveu pela primeira vez um e-mail a Miguel Alves a 8 de abril de 2020, cujo conteúdo partilhou com o Expresso