MILIONÁRIO DO PROCESSO BPN CONDENADO POR BURLA DE 5,5 MILHÕES

Constitucional confirma pena a milionário do BPN

PROCESSO

INQUÉRITO. Tribunal Constitucional chumba recurso de Ricardo Oliveira, no âmbito do caso BPN, e confirma pena aplicada em 2019
DADO. Tribunal da Relação de Lisboa condenou empresário a quatro anos e oito meses de prisão suspensa por burla

ANTÓNIO SÉRGIO AZENHA

O Tribunal Constitucional (TC) chumbou o recurso apresentado por Ricardo Oliveira, empresário conhecido por ter uma valiosa coleção de carros clássicos, no âmbito do caso BPN. A decisão do TC confirma a pena que o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL),em outubro de 2019, lhe aplicou por burla qualificada: quatro anos e oito meses de prisão suspensa, por cinco anos, com sujeição a regime de prova ena condição de pagar ao Estado, em igual prazo, 200 mil euros. O Ministério Público acusou-o deter ganhado com essa burla mais de 5,5milhões de euros.

A decisão do TC é de 23 de março último: no acórdão n8 161/2021, a que o CM teve acesso, os juízes julgaram improcedente o recurso apresentado por Ricardo Oliveira. No essencial, o TC decidiu “não julgar inconstitucional” a decisão do TRL de considerar irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) o acórdão do TRL que “inovatoriamente, face à absolvição ocorrida primeira instância”, condenou o empresário a pena de prisão suspensa.

O recurso de Ricardo Oliveira diz respeito ao inquérito nº 4910/08, conhecido como processo principal do BPN: em sede de julgamento, Ricardo Oliveira foi absolvido do crime de burla qualificada em primeira instância, mas, na sequência de um recurso do Ministério Público (MP),o TRL condenou-o.

O empresário recorreu desse acórdão do TRL para o STJ, mas o TRL travou essa iniciativa. Inconformado, Ricardo Oliveira deduziu reclamação para o STJ, que foi indeferida em 21 de fevereiro de 2020. Foi desta reclamação do STJ que o empresário recorreu para o TC e cujo recurso foi agora chumbado. Ricardo Oliveira poderá apresentar ainda no TC, segundo apurou o CM, uma aclaração deste acórdão.

A burla qualificada está relacionada, segundo a acusação do MP, comum negócio efetuado, em 2000, que envolveu financiamentos do BPN: a venda da Validus, empresada Sociedade Lusa de Negócios (dona do BPN), à Groundsel, offshore de Ricardo Oliveira (ver texto na página ao lado).

Sanches e Baião do Nascimento também perdem recursos
O TC chumbou também os recursos de Francisco Sanches, ex-administrador do BNP, e Filipe Baião do Nascimento, ex-advogado do BPN: o primeiro foi condenado a seis anos e seis meses de prisão; o segundo a um ano e seis meses de pena suspensa.

SAIBA MAIS

1993
Foi o ano em que o BPN foi fundado. Atuava na banca de investimentos. José Oliveira e Costa, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi o líder histórico da instituição.

Nacionalização em 2008
No início de novembro de 2008, o Governo de José Sócrates nacionalizou o banco, na sequência da crise financeira mundial que abriu uma crise de liquidez na banca portuguesa.

Ativos tóxicos do BPN
Em 2010, o Governo de José Sócrates criou a Parvalorem, a Parups e a Parparticipadas, para acolherem os ativos tóxicos do BPN. Foram transferidos para estas sociedades ativos maus de mais de quatro mil milhões de euros.

74 VIATURAS AVALIADAS EM 50 MILHÕES DE EUROS
Ricardo Oliveira chegou a ter uma coleção de 74 carros clássicos, alguns do início do século XX. As viaturas, todas Mercedes Benz, foram avaliadas, segundo os autos do caso BPN, em 50 milhões de euros.

JARED PAGOU CRÉDITOS DE IMAGEM DE FAMOSOS
Jared, sociedade offshore utilizada pelo BPN como uma espécie de saco azul, foi usada para pagar os direitos de imagem de Scolari e Figo nas campanhas de publicidade que estes fizeram para o BPN.

CRÉDITOS A CLUBES DE FUTEBOL IMPORTANTES
O BPN emprestou dinheiro a vários clubes de futebol. Boavista e Vitória de Setúbal são dois exemplos. Na altura da acusação, em2009, tinham dívidas de vários milhões de euros ao BPN.

Offshore sediada em Gibraltar compra empresa da SLN sem entregar dinheiro

Na acusação do processo principal do BPN, o Ministério Público afirmou que Ricardo Oliveira aceitou comprar a Validus ao Grupo SLN com a condição de não aplicar nenhum do seu dinheiro no negócio. O empresário terá sido abordado por Oliveira e Costa, então presidente do BPN. Através da Groundsel, offshore sediada em Gibraltar, Ricardo Oliveira adquiriu a Validus, em 2000. Com essa operação e outros negócios associados ganhou, segundo a acusação, mais de 5,5 milhões de euros. O BPN financiou o negócio, acabando por não receber os créditos.

Estado devolveu ao empresário fortuna em carros clássicos

O Estado devolveu a Ricardo Oliveira mais de 10 milhões de euros em dinheiro e bens que tinham sido arrestados pela Parvalorem, empresa pública que herdou os ativos tóxicos do BPN, num outro processo do BPN. A devolução desse património ao empresário terá sido concretizada em 2019, após a sentença judicial que absolveu Ricardo Oliveira no inquérito n9 121/08, em novembro de 2018.

A Parvalorem arrestara o património do empresário para garantir o pagamento de alegados créditos que herdara do antigo BPN. Dois dos bens devolvidos pela Parvalorem a Ricardo Oliveira estão relacionados com a valiosa coleção de carros clássicos do empresário: mais de 10 milhões de euros em receitas obtidas com a venda de vários automóveis clássicos no leilão realizado em Londres, em setembro de 2013, e sete carros clássicos que tinham ficado por vender nesse leilão. Estes sete carros, que tinham ficado retidos em Londres, terão um valor superior a 3,4 milhões de euros. A sentença do tribunal foi categórica: face à decisão de absolvição de Ricardo Oliveira “da prática de todos os crimes pelos quais vinha pronunciado e de todos os pedidos de indemnização contra si deduzidos, determina-se o imediato levantamento de todos os arrestos decretados no âmbito destes autos e que incidiram sobre bens e valores pessoais ou de sociedades de que o mesmo é titular e a respetiva devolução.”

ESCÂNDALO BPN

2008| INÍCIO DA INVESTIGAÇÃO
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) abriu um inquérito ao BPN, em novembro de 2008, na sequência da nacionalização do banco. No final desse mês, foram feitas buscas a várias casas de Oliveira e Costa, presidente do banco, que-acabou por ser detido,

PRESIDENTE | OLIVEIRA E COSTA
José Oliveira e Costa é o rosto principal da crise do BPN e consequente investigação do Ministério Público. Faleceu em março de 2020, com 84 anos. No processo principal do BPN, foi condenado a 14 anos de prisão efetiva, que acabou por não cumprir. A investigação originou vários inquéritos no caso BPN.

CUSTO | 6,3 MIL MILHÕES
A AJUDA AO BPN, DESDE 2008, JÁ CUSTOU AO ESTADO CERGA DE 6,3 MIL MILHÕES DE EUROS, SEGUNDO DADOS DO TRIBUNAL DE CONTAS RELATIVOS AO FINAL DO ANO PASSADO.

ARTE | QUADROS DE MIRÓ
A coleção de arte de Miró detida pelo BPN é um dos temas mais famosos da investigação ao BPN. 0 banco ficou com os quadros na sequência de um negócio em que o cliente não pagou os créditos ao BPN. As obras foram herdadas pela Parvalorem’, que as transferiu para a Direção-Geral do Património. Valem 54,4 milhões de euros.

Moratórias. Portugal pode repetir crise pós-2008 com famílias a perderem casas para os bancos

O alerta vem da Associação de Empresários de Mediação Imobiliária e da Deco. O risco de repetição de crise na habitação é real. As moratórias que terminam na quarta-feira são só o balão de ensaio do “tsunami” que pode acontecer em setembro, quando as moratórias públicas chegarem ao fim.

“Acho que é incrível que acabem moratórias em pleno confinamento. Isto é como pedir a um drogado que deixe a droga de um dia para outro”. É desta forma que o presidente da APEMIP – Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal, Luís Lima, descreve o processo de fim das moratórias de crédito hipotecário de iniciativa privada no final deste mês.

Este responsável reconhece que as empresas e as famílias “estão viciadas, habituaram-se às moratórias, mas é uma responsabilidade que, mais tarde ou mais cedo, vão ter de pagar”.

O fim das primeiras moratórias, para já, abrange uma amostra pequena dentro do universo de famílias e empresas que recorreram a este mecanismo para aliviar o impacto da crise que resultou da pandemia da Covid-19.

Nuno Rico, economista da associação de defesa dos consumidores Deco, afirma, a partir dos dados divulgados pela Associação Portuguesa de Bancos, que em abril vão recomeçar a pagar o crédito habitação mais 120 mil famílias (cerca de 25% do total de devedores), num valor de empréstimos de 3,7 mil milhões de euros.

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“Nesta primeira moratória privada não estamos ainda à espera de uma grande percentagem de incumprimento, é esse o feedback que temos dos bancos. Mas à medida que acabem as restantes moratórias, nomeadamente de crédito ao consumo que termina daqui a três meses, e a moratória pública que vai até setembro, aí sim vai haver um crescimento de dificuldades”, prevê o economista.

Nuno Rico ajuda a balizar as expetativas para o fim das primeiras moratórias. Pega no exemplo de outros países que já terminaram com a medida na Europa e transpõe os números que obtiveram para a realidade portuguesa. “É expectável que haja uma taxa de incumprimento de 10% e a renegociação de 20% destes contratos”, sinaliza.

O presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos, Paulo Macedo, já alertou para a possibilidade de um ‘tsunami’ de crédito malparado com o fim das moratórias bancárias, caso não haja outros apoios aos setores mais afetados pela crise.

“Em Portugal, com o fim das moratórias temos de nos assegurar que as empresas certas são apoiadas para não ter um ‘tsunami’ de NPL [crédito malparado]”, referiu.

Fundos abutre à espreita

Os números do Banco de Portugal, relativos a janeiro deste ano, demonstram que há 470 mil devedores, e que o capital em dívida é de quase 46 mil milhões de euros. O peso do valor é quase que repartido a meio entre particulares e empresas, mas o peso relativo é muito maior sobre estes últimos.

Luís Lima diz que está a ver no horizonte uma crise que lhe faz lembrar o que se passou depois da bolha imobiliária que rebentou no Estados Unidos, em 2008. “O meu medo é esse e espero estar errado”, afirma.

Mas os sinais estão aí, e o líder dos empresários do setor imobiliário afirma que “há grandes fundos internacionais, os fundos abutre, que estão há espera dos NPL [créditos bancários em incumprimento] a ver se conseguem comprar”.

“Como os bancos já fizeram provisões, e têm amortizações, podem ter a tendência de ficar com esse ativo às pessoas e depois vendê-las”, afirma.

Luís Lima lamenta, ainda, que o país tenha acordado tarde – e o próprio reconhece que também – para as moratórias de iniciativa privada. Avança que há muitas pessoas que não sabem que estão numa moratória privada. “As pessoas não têm conhecimento disso. Sei de bancos que só há 15 dias avisaram os clientes de que iam começar a pagar [o crédito habitação] no próximo mês. Acho incrível como isto aconteceu”, lamenta.

O economista Nuno Rico também não exclui uma repetição do cenário dramático vivido há uma década por muitas famílias. “É possível que venha a acontecer, porque não só estamos a falar de um número elevado de contratos que estão abrangidos, como estamos a falar de um contexto económico algo especifico, e os impactos das medidas criadas de combate à pandemia criaram cortes muito significativos nos rendimentos de muitas famílias”, diz o especialista

O especialista da Deco detalha, ainda, que os mais atingidos são “famílias com rendimentos mais baixos”, e que existirá “um crescimento do desemprego, e as atividades económicas durante a retoma não terão a mesma atividade que tinham no período pré-pandemia”.

Possibilidade de perder a casa, para já, é nula

Ainda assim, o mesmo economista deixa uma nota de otimismo. Os bancos estão com uma atitude diferente para a crise que se avizinha. “Há uma maior disposição para negociar e tentar evitar o incumprimento, e esse é o conselho que temos dado aos consumidores que nos têm procurado: evitar o incumprimento e tentar negociar com o banco”, explicita Nuno Rico.

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O presidente da APEMIP, Luís Lima, teme que uma negociação com os bancos, que leve à reestruturação de créditos, penalize o futuro. “Ficam nos cadastros dos bancos, e em novos créditos essas famílias vão ter mais problemas”, refere.

Já o presidente da Associação de Proprietários Lisbonense, Luís Menezes Leitão, avança que as famílias, numa primeira fase, estarão protegidas em relação à perda da casa. “As execuções sobre casa, lar de família, não vão ocorrer por enquanto porque estão abrangidas no que diz respeito às regras de suspensão”. Ainda assim, ressalva, que não há dúvida que todo este processo terá impacto na criação de dívida.

Mesmo que o primeiro impacto do fim das moratórias, no início de abril, não seja muito forte, da segunda e da terceira vaga que se avizinham não se poderá dizer o mesmo. O fim das moratórias do crédito pessoal, em junho, será já um teste mais duro à resiliência das famílias.

“Não é pelo volume, mas o prazo de amortização é muito mais reduzido, e o impacto no orçamento das famílias é muito superior. Chega a ultrapassar o do crédito habitação”, realça.

No final do verão, acabam mais de 300 mil contratos abrangidos na moratória pública e, “aí sim, muitas famílias não terão os rendimentos preparados ou, pelo menos, na sua totalidade. Haverá um maior impacto social e económico”, sentencia.

Soluções

Ainda assim, certo é que para muitas famílias que recorreram a este interregno nas obrigações com o crédito à habitação, quando recomeçarem a pagar vão verificar que a dívida aumentou. Nuno Rico explica que para quem tenha um crédito de 150 mil euros a uma taxa de juro de 1%, e aderido à moratória em março do ano passado, quando recomeçar os pagamentos em outubro deste ano, só em juros terá um acréscimo para pagar de 2.250 euros.

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Para resolver este problema, Menezes Leitão acredita que as melhores soluções, ou pelo menos as possíveis, são o reescalonamento da dívida, ou o diferimento das prestações, com extensão dos prazos. “Com o aumento da esperança média de vida, acho que se podem fazer créditos habitação mais longos”, afiança.

Para Nuno Rico, economista da associação de defesa dos consumidores Deco, um volume tão grande de contratos e a especificidade deste problema devia obrigar à criação de um mecanismo transitório geral para que quando as famílias terminassem a moratória “se continuassem a preencher os critérios que levaram à sua adesão, haver um período as protegesse, e permitisse tentar retomar o pagamento do contrato para a realidade atual”.

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