26/03/2021 | Imprensa, Notícias do dia
A história de Miguel Marques, o discreto gestor que cuida da fortuna de Cristiano Ronaldo e companhia Por Miguel Prado (texto) e Helder Oliveira
(ilustração)
PROFISSÃO: GESTOR DA FORTUNA DE FAMOSOS
HELDER OLIVEIRA
MIGUEL PRADO
Miguel Marques gere quase mil milhões de euros de clientes de elevado património.
O céu não é o limite quando se trabalha na constelação de estrelas de Jorge Mendes
O
5o andar do número 190 da Avenida da Liberdade, em Lisboa, recebeu, ao final da manhã de 17 de novembro de 2014, segunda-feira, uma discreta reunião. Ali estava instalado um escritório que a Gestifute, empresa de Jorge Mendes que se dedica à gestão de carreiras desportivas, usava quando precisava de tratar de negócios em Lisboa. Desta vez, o encontro juntava Luís Correia, da Gestifute, e Lingjing Xu, responsável da Fosun em Portugal. A empresa chinesa havia comprado, meses antes, a seguradora Fidelidade e encontrava-se então a montar, a partir dos seus escritórios no Chiado, uma ambiciosa estratégia de aquisições em Portugal. Naquele encontro também estavam presentes Miguel Marques, administrador da sucursal portuguesa do banco suíço St Galler Kantonalbank (SGKB), que operava justamente nesse discreto espaço na Avenida da Liberdade. Já nessa época Miguel geria parte da fortuna de futebolistas de topo como Cristiano Ronaldo, Pepe, Fábio Coentrão e James Rodriguez. E de treinadores como José Mourinho e Nuno Espírito Santo. Todos eles estrelas de uma constelação chamada Jorge Mendes.
Nessa reunião, a Gestifute e a Fosun concordaram em trabalhar num projeto empresarial que poderia incluir academias de futebol, transação de direitos de imagem, investimento em clubes e uma potencial injeção de capital chinês na Polaris, uma das empresas de Jorge Mendes e Luís Correia. E combinaram também que esse trabalho teria de ser célere, para estar finalizado antes de uma outra reunião que juntaria, em Lisboa, a 12 de dezembro, Jorge Mendes e o dono da Fosun, Guo Guangchang, um dos homens mais ricos da China. O que depois sucedeu já é conhecido. A Fosun adquiriu uma participação de 15% na Start SGPS, a holding que controla a Gestifute. A mesma Fosun compraria o Wolverhampton, que rapidamente se tornaria o mais português dos clubes ingleses, destino de uma miríade de jogadores da constelação Mendes. Uma parceria luso-chinesa que foi sempre acompanhada por Miguel Marques, um discreto gestor de fortunas cujo anonimato terminava onde começava a popularidade do melhor jogador do mundo, Cristiano Ronaldo.
O núcleo duro de pessoas de confiança do futebolista agora na Juventus consolidou-se ao longo dos anos, fechando-se num grupo restrito de homens de negócios com quem Ronaldo foi privando. Alguns desses momentos acabaram por saltar para o domínio público, em fotografias nas redes sociais, nas revistas cor-de-rosa ou em reportagens sobre a vida de CR7. O agente Jorge Mendes foi quem o lançou na alta roda do futebol mundial. O advogado Carlos Osório de Castro foi quem tratou dos seus contratos. E o banqueiro Miguel Marques cuidou da sua fortuna. Ou, pelo menos, de uma parte dela. Mas de onde vem e quem é afinal este discreto gestor que tem, segundo a informação reportada à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), uma das sociedades de gestão de patrimónios com maior crescimento do país? A LMcapital, criada há menos de quatro anos, gere já mais fortuna do que alguns conhecidos bancos a operar em Portugal. Como conseguiu Miguel Marques lá chegar?
Nascido a 10 de abril de 1973, Miguel Ângelo Fraga Lopes Marques licenciou-se em Gestão pelo Instituto Superior de Gestão (ISG), tendo começado a trabalhar em 1996 na filial portuguesa da Arthur Andersen, a companhia norte-americana que era então uma das cinco maiores auditoras do mundo e que cairia com estrondo meia dúzia de anos depois na sequência do escândalo contabilístico que levou à falência da empresa de energia Enron. Mas Miguel Marques saiu da Arthur Andersen bem antes do colapso. Em 1999, ao entrar para a sucursal portuguesa do banco holandês ABN Amro, iniciava uma carreira na banca que continuaria ininterruptamente até aos dias de hoje. Em 2006 participou na constituição da sucursal em Portugal do Anglo Irish Bank. Dois anos depois este era adquirido pelo Hyposwiss, um outro banco pertencente ao grupo St. Galler Kantonalbank (SGKB), instituição financeira maioritariamente detida pelo Estado suíço.
Em 2008, quando Miguel Marques passou a estar integrado no grupo SGKB, o Hyposwiss tinha em Portugal uma equipa de 13 pessoas que geria uma carteira relativamente modesta de 19 milhões de euros, entre obrigações, ações, produtos estruturados e unidades de participação em fundos. Por esses dias, o mundo vivia uma crise financeira histórica. Em setembro de 2008, o Lehman Brothers falia. A conjuntura era desafiante para o sistema financeiro. E o Hyposwiss fechava o ano com um prejuízo de cerca de 400 mil euros só em Portugal. Dois anos mais tarde o negócio apresentava algum crescimento, embora o resultado líquido continuasse no vermelho. No final de 2010, com uma carteira de quase 200 clientes de elevado património, o Hyposwiss já geria mais de 100 milhões de euros. Nessa altura, Portugal ainda tinha Banco Espírito Santo, o Real Madrid ainda tinha Ronaldo, e o futebolista já tinha uma empresa no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, a Tollin Associates, para receber dezenas de milhões de euros pelos seus direitos de imagem. Mas não fazia a menor ideia dos problemas que isso lhe traria anos mais tarde.
Findo 2010, a mensagem que a administração de Miguel Marques então emitia, pouco antes de Portugal ser resgatado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), espelhava bem a essência do negócio de gestão de fortunas: transmitir confiança. “A nossa especial atenção vai em primeiro lugar para os nossos clientes, tanto particulares como institucionais, preocupados pelas quebras generalizadas dos seus ativos no passado e inquietos perante as incertezas no futuro. Para os clientes vinculados connosco numa base de fidelidade e confiança, a nossa equipa zelará incondicionalmente pela proteção dos seus capitais e apesar de não conseguirmos prever o futuro compete-nos orientar os nossos investidores no meio da neblina que continua densa”, podia ler-se no relatório e contas de 2010 da sucursal portuguesa do Hyposwiss.
O banco do grupo SGKB era liderado em Portugal por Miguel Marques e Sílvia Brito Leal. Os dois trabalhavam juntos desde 2006, numa parceria que perdurou até hoje, na sociedade gestora de patrimónios LM Capital Wealth Management. Dela falaremos mais tarde. Porque antes de esta nova estrela da gestão de fortunas despontar outras peripécias na constelação de Jorge Mendes ocuparam as preocupações e os afazeres de Miguel Marques.
NO MUNDO DOS GALÁCTICOS, NA MIRA DO FISCO
A relação de Miguel Marques com Jorge Mendes e alguns dos profissionais representados pelo superagente terá mais de uma década. O Expresso tentou ouvir Miguel Marques sobre o seu percurso, mas o gestor não se mostrou disponível. Também o advogado Carlos Osório de Castro (que é presidente da mesa da assembleia geral da LMcapital) se remeteu ao silêncio. O segredo é a alma do negócio. E quando o tema é cuidar das fortunas de estrelas do futebol, o sigilo é um dos melhores ativos de um gestor de património. Mas não há dúvidas de que a ligação de Miguel Marques ao mundo do futebol de alta competição é antiga. Quando o treinador José Mourinho ingressou no Real Madrid, no verão de 2010, já integrava a carteira de clientes do Hyposwiss. Não seria o único.
Em 2016, as revelações do Football Leaks mostrariam a forma como um conjunto de estrelas do futebol agenciadas pela Gestifute recorreram a sociedades offshore para receber e esconder rendimentos de direitos de imagem ao longo de anos. De Mourinho a Ronaldo, passando por Fábio Coentrão, Pepe e James Rodriguez, os casos então noticiados pelo Expresso, pela “Der Spiegel” e restantes parceiros do consórcio EIC — European Investigative Collaborations tinham dois pontos em comum: Real Madrid e Jorge Mendes. Três pontos em comum, na verdade, porque todos acabaram por ser alvo de inspeções tributárias. No mais mediático dos casos, Cristiano Ronaldo acabou condenado a uma pena de prisão suspensa e em 2018 aceitou pagar uma multa de cerca de 18 milhões de euros, que arrumou o diferendo com a administração fiscal espanhola na hora de voar para Itália para representar a Juventus. O Real Madrid embolsava 117 milhões pela transferência, um pouco mais do que os 94 milhões que tinha pago nove anos antes ao Manchester United para contratar o craque português.
A polémica em torno do uso de estruturas offshore e da tributação dos direitos de imagem acabaria por mexer com toda uma rede de assessores que tiveram de prestar contas ao Fisco em Espanha. A administração fiscal solicitou elevados volumes de documentação à Senn Ferrero, sociedade espanhola de advogados especializada na área do desporto que assessorava muitos dos galácticos do Real Madrid. Um dos sócios daquela empresa é Julio Senn, que chegou a ser diretor geral do Real Madrid entre 1999 e 2002. O outro é o advogado Javier Ferrero. Ambos com passagens prévias pela conhecida sociedade de advogados Garrigues, antes de fundarem a sua própria firma.
Quando o Fisco espanhol começou a investigar várias estrelas do futebol, suspeitando, por exemplo, da ocultação de rendimentos de direitos de imagem, não foi apenas a Senn Ferrero que teve de prestar contas. No caso de Ronaldo, a investigação do fisco espanhol arrancou no final de 2015. Nos dois anos seguintes Miguel Marques, no SGKB, e Carlos Osório de Castro, na sociedade de advogados Morais Leitão, tiveram múltiplas interações com os seus colegas espanhóis, fornecendo contratos, extratos bancários e outra documentação para apresentar à administração fiscal.
Esse terá sido o menos glamoroso capítulo de uma história de sucesso que Miguel Marques foi escrevendo ao longo de anos, administrando a riqueza de futebolistas e treinadores, advogados e empresários, gestores de ativos e outros profissionais abastados. Coincidência ou não, no final de 2015, enquanto o fisco espanhol começava a investigar Ronaldo, o SGKB tomava a decisão de se retirar gradualmente do mercado português. O banco suíço fecharia esse ano com 170 milhões na sua carteira de ativos sob gestão. No final de 2016 esse montante encolheria para 74 milhões e um ano depois eram menos de 6 milhões, segundo a informação prestada à CMVM.
Miguel Marques conduziu o processo de saída de Portugal do SGKB de forma harmoniosa. Em junho de 2017 criou a sua própria gestora de patrimónios. Levando as iniciais do seu apelido (Lopes Marques), a LM Capital Wealth Management obteria as licenças do Banco de Portugal e da CMVM e iniciaria, de jure, a sua atividade como gestora de patrimónios em meados de 2018, ao mesmo tempo que Ronaldo fecharia o diferendo com o fisco espanhol para voar para Turim. Detida em 60% por Miguel Marques e em 40% pelo SGKB, a LMcapital manteve uma ligação umbilical com o banco suíço, onde foi mantendo a esmagadora maioria dos ativos à sua guarda. E nem só de astros da bola se fez o seu negócio, que conta hoje com aproximadamente 300 clientes. Vão atrás de retornos atrativos que valorizem a sua carteira. Em 2019, por exemplo, a LM decidiu eliminar a sua exposição ao Reino Unido e ao Japão e reforçar a exposição a ações de empresas norte-americanas, que nesse ano registaram valorizações superiores a 30%. Outra aposta foi na dívida soberana, bem como obrigações de alto rendimento. E um dos objetivos que a empresa de Miguel Marques havia traçado para 2020 era aumentar a exposição ao mercado acionista. Embora vários futebolistas de renome tenham confiado o seu património a Miguel Marques, outros clientes que nada têm a ver com futebol também ficaram convencidos. É o caso de um gestor de fundos ouvido pelo Expresso.
“UM BANCO SUÍÇO DAVA A IDEIA DE SOLIDEZ”
Miguel Marques construiu parte da sua reputação no mundo do futebol. Mas apenas parte. “Quando fiquei cliente não fazia ideia de que ele estava ligado ao futebol. Foi em 2015 ou 2016”, conta ao Expresso um dos clientes da LMcapital. Chamemos-lhe Francisco. Não é o seu nome verdadeiro. “Gosto de viver bastante discreto”, explica este gestor. “Estava à procura de um banco suíço e o que havia eram bancos que não tinham escritórios em Portugal. Um amigo meu falou-me neles. Ter acesso a um banco suíço com balcão em Portugal foi decisivo, porque queria trabalhar com um banco internacional, e um banco suíço dava a ideia de solidez”, acrescenta Francisco.
Este gestor, que conhece bem a área financeira, admite que num primeiro momento teve um sentimento “negativo” em relação à saída do SGKB de Portugal. “Se o banco já tivesse saído quando tomei a decisão se calhar já não era cliente [da LMcapital]. Mas as coisas têm corrido bem. Entretanto ganhei confiança”, explica-nos por telefone.
Francisco ajuda-nos a perceber o que faz ou pode fazer a diferença numa gestora de património. “As pessoas são acessíveis e disponíveis. Sempre que preciso de alguma coisa, ajudam. E os resultados têm sido bons”, refere. Já esteve com Miguel Marques algumas vezes, mas conhece-o mal. Perguntamos se o sigilo e a confiança nos profissionais da sociedade gestora de património são determinantes. Admite que são fatores a ter em consideração, mas no final, diz-nos, “é a consistência de resultados que conta”. “Eles reúnem-se comigo duas vezes por ano. Com o Ronaldo devem ter reuniões todos os meses, mas não sei. Deve depender do valor de cada carteira”, acrescenta.
Mas nem a LMcapital está sozinha no mercado nem Miguel Marques é propriamente o Ronaldo da gestão de fortunas. A concorrência abunda, com uma grande quantidade de pequenos operadores nacionais a ombrear com referências conhecidas no campeonato da gestão de fortunas. As estratégias de investimento são distintas, a política de parcerias também. Umas sociedades trabalham com um só banco, outras usam várias instituições financeiras para a custódia dos ativos geridos. Algumas entidades aceitam investidores com apenas algumas dezenas de milhares de euros para aplicar, outras têm como “bilhete de entrada” patrimónios acima de um milhão de euros.
A verdade é que fora da banca comercial não faltam opções a quem acumulou riqueza e pretende ter uma gestão ativa do seu dinheiro, procurando mês a mês as melhores opções para aumentar a sua fortuna. As sociedades gestoras de património acabam por tentar oferecer a estes clientes um “fato à medida”, um serviço personalizado e adaptado às necessidades e ao perfil de cada um, de acordo com as diretrizes que o cliente aponta em termos de prazos e grau de risco das opções de investimento. Trabalho de alfaiate.
“É um trabalho específico, personalizado”, sublinha um gestor de carteiras ouvido pelo Expresso, que também solicitou o anonimato. E que nos diz que além da rentabilidade os clientes valorizam a transparência. “Não é só a rentabilidade que é fundamental, é também a tranquilidade de perceberem o que têm em carteira. Vamo-nos reunindo com os clientes, fazendo recomendações. Existe sempre um relatório mensal com tudo especificado. Somos transparentes em tudo”, contextualiza este gestor, que trabalha para uma das 15 maiores sociedades gestoras de património em Portugal.
Os últimos números da CMVM mostram que no final do ano passado havia 48,8 mil milhões de euros de ativos de gestão individual, bem mais do que os 29 mil milhões de euros administrados por via de gestão coletiva (como fundos de ações, fundos imobiliários, entre outros instrumentos). Na liderança do mercado, com uma quota de 30%, está a BMO Portugal, seguida da Caixa Gestão de Ativos (CGD), com 20%, do Santander Asset Management, com quase 12%, e GNB (Novo Banco), com 10,5%. Outros bancos de retalho, como o BPI, Montepio e Crédito Agrícola, vêm logo a seguir. E em nono lugar surge a LMcapital, de Miguel Marques, administrando ativos de 983 milhões de euros. Bem mais do que o espanhol Bankinter (565 milhões), o banco BIG (358 milhões), o Haitong (198 milhões) e o Carregosa (160 milhões).
Este é um mercado muito diversificado, com operadores de diversas dimensões e distintas abordagens ao mercado. A disputa da gestão de fortunas abrange empresas como a Atrium Investimentos (presidida por um ex-diretor do Deutsche Bank), a Golden Assets (fundada há já duas décadas) ou a Ask Patrimónios (liderada por Pedro Baltazar e Nuno Miranda), mas no campeonato dos ricos e super-ricos há também a opção de confiar o seu património a instituições internacionais com pergaminhos na gestão de fortunas, de que o Credit Suisse, o Rothschild e o Julius Baer são apenas alguns exemplos. Há pouco mais de um ano, o banco de investimento brasileiro BTG Pactual instalou-se em Lisboa, de olho no atrativo mercado da gestão de fortunas, ciente do elevado número de brasileiros de elevado património que nos últimos anos migraram para Portugal ao abrigo do programa de vistos gold.
Atraídos pela reputação de solidez, muitos clientes com mais de seis dígitos nas suas contas bancárias optam por confiar as fortunas a instituições bancárias da Suíça e do Luxemburgo. “Tem a ver com credibilidade e confiança. Não é para fugir ao fisco”, nota o gestor de carteiras com quem o Expresso falou, lembrando que os rendimentos desse património têm sempre de ser declarados em Portugal se os seus titulares forem residentes fiscais cá. Contudo, ao longo da última década e meia os regimes excecionais de regularização tributária (RERT) vieram provar que nem todos os portugueses declararam tudo aquilo que deviam.
A Operação Monte Branco destapou um conjunto de casos de branqueamento de capitais e fraude fiscal com um denominador comum: a Suíça. A investigação, revelada em 2012, expôs os esquemas usados por diversos protagonistas para esconder fortunas fora do país, com a ajuda de intervenientes em Portugal, como o já falecido Francisco Canas (também conhecido como Zé das Medalhas, por ter uma loja de medalhas na Baixa de Lisboa onde recebia dinheiro vivo dos clientes), e fora do país, como a empresa suíça de gestão de fortunas Akoya Asset Management. Esta tinha como sócios dois antigos quadros do banco UBS, Michel Canals e Nicolas Figueiredo, e um banqueiro angolano hoje bem conhecido em Portugal, Álvaro Sobrinho. Além de ser acionista da Akoya e quadro de topo do BES, Sobrinho tornou-se, em 2013, o maior acionista do Sporting (a seguir ao próprio clube), através da Holdimo.
DOS PERDÕES FISCAIS AOS “LEAKS”
No passado mês de fevereiro um relatório enviado pela Autoridade Tributária (AT) ao Parlamento dava conta de que nas três edições dos RERT (a primeira lançada em 2005, a segunda em 2010 e a terceira em 2012) mais de três mil portugueses declararam em Portugal património oculto no exterior, regularizando cerca de 6 mil milhões de euros. A adesão ao RERT permitiu regularizar essas fortunas não declaradas a troco do pagamento de um imposto de 5% a 7,5%, assegurando a cada cidadão (ou empresa) o direito a não ser acusado de qualquer infração fiscal relativamente à ocultação desses rendimentos.
Embora a adesão ao RERT fosse confidencial, alguns casos trazidos a público no âmbito de inquéritos do Ministério Público acabaram por revelar pormenores sobre quem aderiu ao regime dos perdões fiscais. No final de 2018, o “Correio da Manhã” revelou que o antigo ministro da Economia Manuel Pinho recorreu ao RERT de 2012 para regularizar mais de 2,7 milhões de euros que tinha em contas bancárias de sociedades offshore na Suíça. Cinco anos antes, em 2013, o banqueiro Ricardo Salgado admitiu ao “Jornal de Negócios” ter participado em todas as edições do RERT. “Todo o rendimento ganho em Portugal ficou em Portugal e pagou todos os impostos em Portugal. O dinheiro do RERT foi dinheiro ganho exclusivamente no estrangeiro [no período em que trabalhou lá fora, de 1975 a 1992]”, afirmava então Salgado.
Nos últimos anos as autoridades fiscais de vários países têm encetado esforços acrescidos para investigar contribuintes suspeitos de ocultar rendimentos, na sequência de várias fugas de informação que expuseram nos jornais a facilidade de criação de sociedades offshore nas mais diversas jurisdições. Em 2015 o consórcio jornalístico ICIJ, de que o Expresso faz parte, publicou a investigação Swissleaks. Os documentos divulgados por Hervé Falciani, um ex-funcionário da unidade suíça do banco britânico HSBC, mostraram que entre 2006 e 2007 mais de 180 mil milhões de euros passaram por contas na Suíça de cerca de 100 mil clientes do HSBC Private Bank.
Essas revelações levaram a AT a iniciar uma ação especial em 2016 em torno de 99 contribuintes portugueses que tinham conta no HSBC na Suíça. Essa ação do fisco português ficou concluída em 2019 com resultados pouco relevantes. “Os resultados das ações efetuadas foram insignificantes face ao dispêndio de recursos necessário, tendo resultado apenas, desde o início das investigações, em propostas de correções ao rendimento em sede de IRS, no montante de 680.783,37 euros e regularizações voluntárias, também em sede de acréscimo ao rendimento de IRS, no montante de 271.724,73 euros”, revelou a AT no relatório anual de combate à fraude e evasão fiscal publicado em julho do ano passado. O relatório notava que “as ações efetuadas permitiram constatar que a maior parte dos indivíduos identificados já tinham encerrado as contas, tendo aderido aos sucessivos RERT, repatriando os montantes para Portugal”.
No mesmo documento a AT informava que em 2019 havia concluído sete ações motivadas pelos Panama Papers (outra investigação jornalística do ICIJ, da qual o Expresso fez parte), originando propostas de correção de IRS no valor de 882 mil euros, além de regularizações voluntárias no valor de 18 mil euros. Um outro projeto jornalístico internacional de que o Expresso fez parte foi o Malta Files (do consórcio EIC — European Investigative Collaborations), o qual foi igualmente objeto de acompanhamento da AT, que em 2018 conseguiu recuperar 9 milhões de euros de IRS junto de dezenas de sócios da Deloitte Portugal que tinham usado uma estrutura empresarial em Malta para canalizar rendimentos para diversas empresas suas em Portugal.
O Football Leaks, com as revelações de final de 2016 sobre as offshores de Ronaldo e Mourinho, não teve repercussões conhecidas em Portugal no plano fiscal, já que a maior parte dos intervenientes eram residentes fiscais noutros países, como Espanha e Inglaterra. O dossiê marcou durante meses a vida dos assessores de Ronaldo. Mas não minou a confiança de CR7 em Miguel Marques.
UM RONALDO. E OUTROS TREZENTOS
Em 2020, Cristiano Ronaldo transferiu as empresas que tinha no Luxemburgo para Portugal. Uma delas é a CR7 Lifestyle, constituída em Lisboa como uma sociedade unipessoal com um capital de 16 milhões de euros. É apenas uma fração da fortuna do jogador, que se em 2015 já somava um património superior a 200 milhões de euros (segundo as declarações então entregues ao fisco espanhol), hoje estará sentado numa pilha de dinheiro bem mais elevada.
Com escritório na Torre 2 das Amoreiras, em Lisboa, a CR7 Lifestyle tem entre os seus gerentes Miguel Marques, que também é administrador noutras empresas de Ronaldo em Portugal, como a Ponta de Lança Sociedade Imobiliária, a Sessentaecincolote SA e as empresas ligadas aos hotéis Pestana CR7 na Madeira e em Lisboa.
A confiança de Ronaldo em Miguel Marques parece inabalável. São dois vértices de um triângulo completado por Jorge Mendes. Um gestor ouvido pelo Expresso que não conhece Miguel Marques pessoalmente recorda-se de ter sido apresentado ao dono da LMcapital em jogos de futebol, como sucedeu numa final da Champions League em Itália. “Andava sempre no grupo do Jorge Mendes”, refere. “Tenho a impressão de alguém bastante mais qualificado e conhecedor do que é normal nesse mundo”, acrescenta. “Tinha relação com instituições financeiras credíveis e deve ter feito uma gestão boa do património”, diz-nos ainda. No entanto, dentro do seu círculo de amigos diz não conhecer ninguém cliente da LMcapital. “Que eu saiba não. A malta mais a sério vai para as grandes marcas”, observa.
Mas o negócio de Miguel Marques é a sério. E como sociedade gestora de patrimónios presta contas à CMVM. No final de 2019 tinha mais de 300 clientes. E tendo atualmente 983 milhões de euros sob gestão, o valor médio por cliente ultrapassa os três milhões de euros. É também de mais de seis dígitos que falamos quando pensamos no valor da empresa que o gestor de Ronaldo controla, apresentando capitais próprios positivos de 3,3 milhões de euros. Anualmente, a LMcapital tem gerado lucros anuais acima de um milhão de euros.
Este é um negócio feito com uma equipa de apenas 15 pessoas. O sucesso profissional de Miguel Marques foi-se construindo em torno de Ronaldo. Dele e mais umas centenas de clientes de olhos postos em investimentos que agigantem as suas fortunas. Miguel Marques vai gerindo tudo isso a partir do quinto andar do edifício da Avenida da Liberdade que tem como inquilino no rés do chão a marca de luxo Louis Vuitton. E que até ao ano passado tinha como vizinho do 1o andar a Fidequity, empresa que geria os ativos e investimentos de Isabel dos Santos e que entretanto entrou em liquidação, abandonando o número 190 da mais cara artéria da capital portuguesa.
O imobiliário vive disso: de inquilinos que entram e saem, de negócios que correm bem e outros menos bem. Miguel Marques vive da gestão da fortuna alheia, investindo-a em ações, obrigações, fundos e dívida soberana. E soberano tem sido, há anos, o seu mais ilustre cliente, Cristiano Ronaldo. Há golos que vivem eternamente, mas todos os astros chegarão ao dia de pendurar as chuteiras. Ronaldo sabe disso. Dribla os adversários nas quatro linhas, finta os infortúnios fora delas e investe. Em imóveis. E em hotéis com a sua marca. Por isso, Cristiano voltou a chamar Miguel para lhe dar uma ajuda em Inglaterra, onde também já foi feliz. Foi lá que criaram a 30 de novembro de 2020 a Pestana CR7 Manchester Limited, uma das mais recentes empresas de Ronaldo. É a sociedade que irá desenvolver mais uma unidade hoteleira com a marca Ronaldo. Um hotel de quatro estrelas, com um investimento de 30 milhões de euros, a dois passos do Consulado de Portugal em Manchester. Cristiano é o sócio. Miguel o administrador. Um ataca com o capital, outro defende a fortuna. E o certo é que é um jogo de equipa que tem funcionado. Tão certo como a bola ser redonda, tão redonda como os zeros que Miguel Marques procura acrescentar às fortunas dos seus clientes. b
“Queria trabalhar com um banco internacional e um banco suíço dava a ideia de solidez. Gosto de viver bastante discreto”, conta-nos um cliente da LMcapital que começou por ser cliente do SGKB
Há gestoras de património que aceitam qualquer cliente, outras só trabalham fortunas acima de um milhão de euros.
A chave do sucesso passa pelo retorno do investimento e por uma gestão personalizada
Do Credit Suisse ao Rothschild, passando pelo Julius Baer, e por gestoras nacionais como a LMcapital, Golden Assets, ASK e Atrium, não faltam opções a quem procura acrescentar uns zeros à sua fortuna
mprado@expresso.impresa.pt
RONALDO O jogador da Juventus confiou a Miguel Marques a administração de várias empresas suas, bem como de parte da sua fortuna, numa relação iniciada há largos anos
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TOTTENHAM HOTSPUR FC/GETTY IMAGES REDE 1 O empresário de Singapura Peter Lim, Cristiano Ronaldo, Miguel Marques e o dono da Gestifute, Jorge Mendes 2 O advogado de Ronaldo, Carlos Osório de Castro, é também presidente da assembleia geral da LMcapital, que Miguel Marques criou após o banco suíço SGKB sair de Portugal 3 A Fosun, do multimilionário chinês Guo Guangchang, entrou no capital da Start SGPS, de Jorge Mendes, num negócio acompanhado por Miguel Marques 4 Pepe foi uma das estrelas da constelação de Jorge Mendes com quem o gestor de fortunas já trabalhou 5 O treinador Nuno Espírito Santo foi outro dos craques ligados a Mendes com quem Miguel Marques teve ligação próxima 6 José Mourinho também fez parte do leque de clientes do SGKB
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ALBERTO FRIAS D.R.