Opinião Advogados: Hora de verdade

Advogados: Hora de verdade

O recente relatório do grupo de trabalho sobre a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores concluiu aquilo que todos nós já tínhamos como praticamente certo: o sistema é insustentável, tal como está, e os incumprimentos decorrentes da pandemia, somados aos já existentes, agravaram ainda mais o (des)equilíbrio financeiro da instituição.

Os advogados estão a atravessar um período decisivo, com a crise pandémica a exacerbar problemas que já vinham de trás e que foram persistindo sem que se implementasse uma solução. Esta situação é notória no que respeita ao regime de previdência e à rede assistencial com que a classe (não) pode contar. Todas as outras fragilidades da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) são, neste momento, bem evidentes.

Está em causa, nomeadamente, o desajuste ao nível das contribuições, que não estão diretamente ligadas ao rendimento declarado, mas, antes, estruturadas em escalões, sendo que o mínimo é de €251,38, mesmo para quem não tem qualquer tipo de rendimento. E este pagamento é, a par das quotizações para a Ordem dos Advogados, um custo obrigatório para a manutenção da inscrição na Ordem, ou seja, para que os advogados possam continuar a exercer. O princípio da capacidade contributiva está, como se percebe, arredado desta equação, o que é profundamente injusto.

O recente relatório do grupo de trabalho constituído por elementos indicados pela Ordem dos Advogados, Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e pela própria CPAS concluiu aquilo que todos nós já tínhamos como praticamente certo: o sistema é insustentável, tal como está, e os incumprimentos decorrentes da pandemia, somados aos já existentes, agravaram ainda mais o (des)equilíbrio financeiro da instituição. Que soluções tem a CPAS para quem não consegue pagar as contribuições? Este é o momento em que tudo está a ser posto em causa.

A CPAS, revela o mesmo estudo, é sustentável durante mais 15 anos, ainda assim evidenciando problemas ao nível das contribuições. Mas, e depois? O que sucede a contribuintes e beneficiários após a rutura financeira do sistema? Esta é uma questão fundamental para milhares de beneficiários e contribuintes, muitos deles, findo aquele horizonte de 15 anos, ainda não terão atingido a idade de reforma.

Oportunidade única

Devemos caminhar para a integração da CPAS na Segurança Social? Permitir aos advogados optarem entre um ou outro sistema? O que acontecerá à CPAS se uma percentagem significativa dos seus contribuintes optarem pela Segurança Social? Vamos continuar a ter advogados – os de empresa – que são obrigados a contribuir para os dois sistemas? Queremos continuar a contribuir para uma Caixa que não permite, por exemplo, às advogadas terem uma licença de maternidade com condições mínimas de sustentabilidade, substancialmente inferiores às oferecidas pela Segurança Social? São questões basilares que precisam de respostas fundamentadas que ainda não foram oferecidas aos advogados para que, no momento de decidirem o futuro da sua previdência – e temos de fazê-lo com maior brevidade -, o possam fazer de forma informada e consciente, sabendo de antemão quais as consequências da opção por um ou por outro caminho.

Estamos perante uma oportunidade para discutir o nosso futuro, sob pena de qualquer adiamento contribuir para o agravar da situação. Abrirmos uma discussão séria e aprofundada só será possível com um referendo que a todos envolva na busca da melhor solução para Advogados, Solicitadores e Agentes de Execução, mas com a garantia de que até a sua realização haverá informação disponível, para que todos possamos decidir em consciência. Caso não exista esta discussão, outros poderão decidir por nós!

Sou claramente favorável à liberdade de escolha, mas não devemos – não podemos – abdicar de informação estruturada antes de o fazermos. O risco de, neste momento tão complicado, com circunstâncias tão únicas, pouco propícias ao discernimento e ao bom senso, tomarmos decisões precipitadas é enorme. Haverá uma data para a realização da consulta aos advogados sobre o que pretendem para a CPAS, mas deverá ser fixada por forma a que todos os interessados possam ter a informação útil sobre o que vão decidir. Faltam estudos sustentados que nos demonstrem quais os benefícios de seguir diferentes caminhos e o que a direção da CPAS fez, neste domínio, é manifestamente pouco.

Não podemos, também, retirar o foco de outras frentes de batalha: o combate contra a procuradoria ilícita, que nos prejudica, no sentido em que atos próprios dos advogados e solicitadores são praticados por quem não está legal nem tecnicamente habilitado a fazê-lo, mas que prejudica, em última análise, os cidadãos, que ficam mais desprotegidos em momentos fundamentais das suas vidas como, por exemplo, a compra e venda de casa. Temos de manter-nos firmes no combate contra as sociedades multidisciplinares, olhando para o exemplo de Espanha, onde esta prática levou à quase extinção dos pequenos escritórios e dos escritórios de advogados em prática individual.

Contudo, é o futuro da CPAS que se assume como o mais urgente, porque é estruturante e porque não podemos fugir a debater e decidir este processo. Não podemos é decidir desinformados, reduzindo posições a um “achismo”.

Feminismos marginalizados

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Não há uma forma moralmente superior de fazer feminismo ou ser feminista. E discutir o "melhor" feminismo é amiúde contraproducente. Só quando todas são ouvidas se pode abrir caminho para uma sociedade mais justa e ig…

Loulé. Suspeito de matar jovem à porta de discoteca conhece hoje acórdão

O jovem de 21 anos acusado de ter matado a tiro outro jovem que se encontrava a trabalhar numa discoteca em Boliqueime, Loulé, em agosto de 2019, conhece hoje o acórdão do Tribunal de Faro.

O crime remonta à madrugada de 23 de agosto de 2019, quando Lucas Leote, de 19 anos, que pertencia ao ‘staff’ da discoteca Lick, no Algarve, foi atingido mortalmente com um tiro na cabeça, tendo o suspeito do disparo fugido do local.

António Tavares está acusado de um crime de homicídio qualificado, dois crimes de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de detenção de arma proibida e um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal.

O arguido, que em tribunal se mostrou arrependido, alegando que não teve intenção de matar, esteve fugido durante cerca de um ano até ser detido nos arredores de Paris e entregue às autoridades portuguesas em agosto do ano passado.

Segundo a acusação, a que a Lusa teve acesso, o crime ocorreu “na sequência de uma discussão ocorrida momentos antes com seguranças do estabelecimento”, tendo o arguido agido para “se vingar”, com o rosto “encoberto por um capacete”.

António Tavares efetuou dois disparos: uma das balas embateu na quina de uma espécie de biombo em alumínio colocado junto à porta da discoteca onde se encontrava a vítima e dois seguranças, e a outra perfurou o alumínio, atingindo Lucas Leote.

O Ministério Público acredita que o arguido fez “pontaria para a zona da cabeça dos indivíduos que se encontravam no local, por aí se alojarem órgãos essenciais à vida, bem sabendo que as balas disparadas iriam penetrar nessa região e que tal conduta era suscetível” de lhes provocar a morte.

A arma de fogo de calibre nove milímetros da qual terão sido feitos os disparos nunca foi recuperada, assim como a bala que atingiu mortalmente a vítima.

A leitura do acórdão está marcada para as 15h00 no Tribunal de Faro.

Filhos e enteados

Francisco Teixeira da Mota

Pedro Filipe Soares

Foi logo na primeira quinzena de janeiro que o Governo assumiu o erro. O ato de contrição não é irrelevante pois, semanas antes, no debate do Orçamento do Estado para 2021, era com enorme violência que rejeitava quaisquer críticas ao novo apoio extraordinário para os trabalhadores. E pur si muove, diria Galileu para assegurar que a realidade vence sempre a propaganda. Ainda o OE 2021 não tinha um mês de vida e o Governo já ressuscitava das cinzas os apoios à quebra de actividade que tinham sido lançados em 2020 porque o novo apoio provou ser um flop – deixava muitas pessoas desprotegidas e era manifestamente insuficiente face às consequências da nova vaga pandémica.

No dia 14 de janeiro, findo o Conselho de Ministros que decorreu no Palácio da Ajuda, o ministro Siza Vieira anunciou que os trabalhadores que prestam serviços a recibos verdes ou outros profissionais independentes “passam a recuperar o apoio que esteve em vigor durante o ano passado”.

O número dois do Governo foi taxativo na intenção. Aliás, o verbo “recuperar” também foi empregue no texto preambular do Decreto-Lei n.° 6-E/2021, de 15 de janeiro, que dava letra de lei à intenção governamental: “A suspensão de atividades e o encerramento de instalações e estabelecimentos impõe igualmente que sejam recuperadas as medidas de apoio destinadas aos trabalhadores independentes.” Para que não restassem dúvidas, esse preâmbulo explicita que o apoio excecional à redução da atividade, em 2020, “apoiou 170.000 profissionais, e consistiu num apoio financeiro e no diferimento das obrigações contributivas”.

O que poderia ser a crónica de um apoio anunciado sofre um revés inesperado e quase se transforma num drama. Afinal, havia um alçapão no decreto-lei que resultava num corte considerável com o que aconteceu em 2020 – o tal “apoio financeiro” deixava de ser calculado em função dos rendimentos de 2019 e passava a ter por base os rendimentos de 2020, fortemente afetados pela pandemia. Para resolver este equívoco, a Assembleia da República aprovou uma correção ao Decreto-Lei e firmou o ano de 2019 como a referência para o cálculo do apoio aos trabalhadores independentes e aos sócios gerentes. Problema resolvido. Ou talvez não…

O que era a solução para dezenas de milhar de trabalhadores foi inexplicavelmente vilipendiado pelo Governo. Confesso que não estava à espera, pensava que fosse natural o agradecimento por termos identificado o problema e adequado o diploma ao objetivo anunciado. Contudo, não era defeito, era feitio. O orgulho na “recuperação” de um apoio financeiro que “apoiou 170.000 profissionais” não era assim tão genuíno.

O resto ficará para a história como uma guerra de um Governo minoritário contra o Parlamento, a pedir a um Presidente da República de direita para vetar um diploma que melhora apoios sociais fundamentais no momento em que o país atravessa uma enorme crise económica. Longe vão os dias em que deputadas e deputados do PS se dirigiam ao Tribunal Constitucional para contestar cortes nos salários e nas pensões, agora levantam a Constituição para reduzir apoios sociais. Não esperava tal traição à “geringonça”.

O caricato jurídico da argumentação do Governo é dizer que a alteração feita no Parlamento viola a “lei travão” e que pode colocar em causa os tetos de despesa previstos no Orçamento. Isso é absurdo porque, por definição, não há um limite temporal pré-definido para medidas que vigoram durante o período de confinamento dado que ninguém sabe, no início de janeiro, qual poderá ser a duração do confinamento ao longo do ano. Por outro lado, como se viu no ano passado, o Governo tem gasto muito menos do que tem orçamentado para apoios sociais.

O PS fez saber que as alterações feitas no Parlamento poderão levar a um acréscimo de despesa de 38 milhões de euros mensais. No terceiro mês do período de confinamento em que estamos a entrar por estes dias, o custo acrescido seria de 114 milhões de euros a distribuir por um universo de 130 mil pessoas, cabendo a cada uma um apoio médio de 300€. Curiosamente, é um valor idêntico à borla fiscal que, de uma penada, os acionistas da EDP conseguiram com a anuência do Governo. Mas, que se lixe a EDP, é o reforço dos apoios sociais que os tira do sério.

Presidente do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. Escreve à sexta-feira

CASO EDP

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“É inadmissível não pagarem os impostos devidos”

Ministro Matos Fernandes diz ao Expresso que, se há impostos a cobrar, eles devem ser pagos. EDP não pediu informação à AT

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Governo cercado tem esperança na AT

Liliana Valente lvalente@expresso.impresa.pt

Carla Tomás

Miguel Prado

Rita Dinis

Polémica “É inadmissível que neste negócio não se paguem os impostos devidos”, diz Matos Fernandes ao Expresso. EDP não pediu informação à AT, deixando o Fisco com mais liberdade

Os contornos do negócio da venda de seis barragens da EDP a um consórcio de empresas liderado pela francesa Engie, por 2,2 mil milhões de euros, meteu o Governo a ferro e fogo — e ainda há muitas incógnitas por resolver. O fim pode ainda demorar meses, dependente da decisão da Autoridade Tributária (AT), deixando o Governo em lume brando. Também o Fisco tem estado debaixo de pressão para abrir um processo e, de acordo com várias fontes do Governo, este é um trunfo intacto, dado que a EDP não usou um mecanismo que amarraria a AT. Contudo, vai ser um jogo “do gato e do rato” em busca dos mais de 100 milhões de euros em impostos que acentuará a pressão política sobre Matos Fernandes.

Ao Expresso, o ministro do Ambiente revela que não falou previamente com o ministro das Finanças sobre a questão fiscal, até porque se tratava de uma decisão técnica, e defende agora que, se há impostos a cobrar, estes devem ser pagos. “Nunca a questão fiscal foi avaliada entre mim e o ministro das Finanças”, disse ao Expresso João Pedro Matos Fernandes. “Foi uma decisão técnica, mas fui tendo sempre conhecimento” do processo, acrescentou.

Com a questão fiscal em cima da mesa, uma das duas componentes do negócio, a esperança do Governo é que o processo na AT conclua que a venda resulte no pagamento de um imposto, acrescido de penalizações, que podem agravar o montante devido em 15%.

Matos Fernandes, que foi tendo vários tons para se referir à cobrança de impostos neste negócio, afirma que “é inadmissível que neste negócio não se paguem os impostos devidos, como em qualquer outro negócio”. Mas, para que tal aconteça, ainda muitas diligências vão acontecer no Fisco.

Para já, porque o processo formal ainda não foi aberto, apurou o Expresso. A AT recolhe elementos preparatórios para construir o caso em torno da compra das barragens, um processo já concluído pelas empresas (ver Economia, pág. 6). E a EDP não fez à AT o Pedido de Informação Vinculativa. “A EDP confirma que não foi solicitado à Autoridade Tributária um PIV antes do fecho da transação”, diz fonte oficial da empresa ao Expresso. Caso o tivesse feito e a AT informasse que a operação estava isenta de Imposto do Selo, o Fisco não poderia agora agir.

A questão fiscal é apenas uma das pontas do icebergue deste negócio. A outra prende-se com a avaliação da transmissão da concessão pelo uso dos recursos hídricos da EDP para a Engie, e aí a oposição, entre BE, PCP e PSD, não tem largado o assunto.

Para ver a luz do dia, o negócio foi validado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), num processo que demorou 11 meses. O Governo insiste que a APA avaliou o negócio com os instrumentos legais que tem ao seu dispor, fazendo a validação da idoneidade técnica e financeira do comprador e exigindo novas contrapartidas à Engie. Contudo, a APA continua sem divulgar o que foi pedido à Engie e que garantias recebeu para que o parecer final do Conselho Diretivo da APA fosse positivo, quando, a meio do processo, a diretora dos Recursos Hídricos tinha dado parecer negativo.

O que se sabe é que a APA exigiu que a Engie cumprisse contrapartidas ambientais (ver texto na pág. ao lado) e desse garantias de que nunca poderia exigir ao Estado qualquer compensação caso os processos judiciais que correm em Bruxelas de algum modo prejudicassem o negócio.

O que levou a APA a mudar o parecer de negativo para positivo? Esta é a pergunta que a oposição tem feito. Mariana Mortágua, do BE, levou o assunto à audição com os dois ministros (Finanças e Ambiente) no Parlamento, e o líder do PSD, Rui Rio, insinuou que o parecer foi alterado com “retoques políticos”.

Outra das dúvidas da oposição prende-se com o facto de o Governo não ter aproveitado para fazer uma reavaliação da concessão no momento em que há um pedido para esta passar de mãos. Para o BE, o valor da concessão, que já vem da transferência da concessão, em 2007, da REN para a EDP, pode estar subavaliado, e com isso a EDP pode estar a retirar um lucro excessivo (nas suas contas de 2020 a elétrica contabilizou com este negócio uma mais-valia de 215 milhões). Uma transferência que está a ser avaliada judicialmente. “Porque autorizou a venda se, além da APA, a Justiça coloca em causa o valor destas concessões?”, perguntou Mariana Mortágua. Também o PCP pediu ao Governo que agisse no sentido de “impedir a transferência destes ativos em nome do interesse nacional”, disse o deputado António Filipe.

Perante o negócio entre dois privados, o Governo diz que só podia fazer uma de três coisas: autorizar o negócio, avaliando os requisitos impostos na lei (que foi o que fez); dizer que não, por não estarem cumpridos os requisitos legais; ou exercer o direito de preferência. Sobre esta última possibilidade (que implicaria que o Estado pagasse à EDP os 2,2 mil milhões oferecidos pela Engie), Matos Fernandes é perentório: “Não havia interesse do Estado em explorar as barragens.”

Um assunto político

O assunto tem sido discutido no Parlamento desde o ano passado. O PCP apresentou um projeto de resolução em fevereiro de 2020 em que recomendava ao Governo a não autorização de alienação de barragens concessionadas pelo Estado à EDP, que acabaria por ser chumbado com os votos contra dos sociais-democratas. No mesmo dia, o PSD conseguiu aprovar um projeto com várias recomendações ao Governo, nomeadamente que o Executivo deveria acompanhar o negócio para garantir que os impostos pagos (nunca fala do Imposto do Selo, apenas no IMI e no IMT) revertessem para os municípios da região.

Este ano, depois de o assunto ter sido levado a debate trimestral com o primeiro-ministro por Catarina Martins, os astros políticos voltaram a alinhar-se, com Rui Rio a não querer deixar cair o assunto. Primeiro atacou a “empresa fantoche” criada com um único funcionário para gerir as seis barragens e vender no dia seguinte (na verdade, a Engie absorveu três dezenas de funcionários da EDP). Depois foi a lei: se o problema para a não cobrança de impostos era uma alteração ao Estatuto dos Benefícios Fiscais feita à medida, no ano passado, então que se reponha a redação anterior do artigo. Por fim foi o parecer técnico negativo. E foi aí que entraram as acusações sobre a “mentira” do ministro do Ambiente, que estava a ser “advogado de defesa” da EDP. Para Rio não há dúvidas: o parecer técnico original foi negativo e focava-se nos valores da transação. Ao Expresso, o ministro do Ambiente responde a Rio: “Se a APA deu parecer positivo, ao fim de 11 meses de interações normais neste tipo de negócio, e se eu disse que tinha dado parecer positivo e o dr. Rui Rio disse que tinha dado negativo, então quem mente é o dr. Rui Rio, que me chamou mentiroso.” Porque é que passou de negativo a positivo é a questão para um milhão de euros.

O QUE LEVOU A APA A MUDAR O PARECER DE NEGATIVO PARA POSITIVO? ESTA É A PERGUNTA QUE A OPOSIÇÃO TEM FEITO E QUE NÃO VAI LARGAR

SETEMBRO DE 2019

EDP inicia processo de venda das barragens no Douro, atraindo ofertas da Iberdrola, Engie, Statkraft, Verbund e Macquarie.

DEZEMBRO DE 2019

A 19 de dezembro, a EDP anuncia a escolha do consórcio da Engie (que aceitou pagar €2,2 mil milhões por seis barragens) e informa que para o efeito criará uma sociedade autónoma para acolher os ativos, trabalhadores, sistemas e contratos. Três dias antes, a 16, a Engie havia criado a empresa Águas Profundas, para vir a adquirir a futura sociedade a criar pela EDP.

JANEIRO DE 2020

A 24 de janeiro, a EDP e a Engie pedem à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) autorização para a transmissão das concessões hídricas. Nesse dia, o PSD apresenta um projeto de resolução com várias recomendações ao Governo no plano fiscal e ambiental.

FEVEREIRO DE 2020

A 19 de fevereiro, o PCP recomenda ao Governo a não aprovação.

JULHO DE 2020

A 30 de julho, um parecer da diretora de Recursos Hídricos da APA diz não estarem reunidas as condições para aprovar a transmissão das concessões, recomenda um parecer jurídico sobre o interesse público e sugere o reporte ao Ministério Público.

AGOSTO DE 2020

EDP Produção regista o projeto de cisão das seis barragens para uma nova sociedade, que se chamaria Camirengia.

SETEMBRO DE 2020

Movimento Terra de Miranda alerta o Ministério do Ambiente de que a estrutura do negócio consubstancia planeamento fiscal abusivo.

NOVEMBRO DE 2020

Após impor uma série de condições à EDP e à Engie, a APA autoriza o negócio, a 13 de novembro. Direção-Geral de Energia também aprova transmissão das licenças de produção.

DEZEMBRO DE 2020

A 16 de dezembro, a EDP concretiza a cisão das barragens para a nova empresa, Camirengia. Esta é comprada pela Águas Profundas, que recebe um aumento de capital dos seus acionistas (liderados pela Engie) e que muda de nome, para Movhera. Naquela mesma data, o Bloco de Esquerda pede a audição urgente do ministro do Ambiente.

JANEIRO DE 2021

A 27 de janeiro, o ministro do Ambiente e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais são ouvidos no Parlamento sobre as barragens.

CRONOLOGIA

MARÇO DE 2021

A 12 de março, o PCP apresenta um projeto de resolução para tentar travar o negócio. A 16, o presidente executivo da EDP, Miguel Stilwell, é ouvido no Parlamento. A 17, o primeiro-ministro qualifica como “criativa” a estrutura de negócio e diz esperar que o Fisco investigue. A 23 de março é a vez de os ministros do Ambiente e das Finanças falarem no Parlamento.

EDP tem de ajudar Engie a cumprir medidas ambientais

APA diz que há uma “adenda de responsabilidade solidária” no contrato de venda de concessão que obriga a cumprir compensações há anos por fazer

Várias das medidas de mitigação e compensação dos impactos ambientais provocados pelas cinco barragens na bacia do Douro, sobretudo pelas do Baixo Sabor e Foz-Tua, e a existência de processos judiciais relacionados com os contratos destas concessões constam das principais razões invocadas pelos técnicos da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para, em julho, terem informado os seus superiores sobre “não estarem reunidas as condições para autorizar a transmissão” das concessões. Nesse parecer interno, a presidência da APA é aconselhada a pedir um parecer jurídico para avaliar a garantia do interesse público de cada uma das concessões.

Não é certo se esses conselhos foram tidos em conta, mas, segundo o presidente da APA, Nuno Lacasta, as dúvidas levantadas em julho foram esclarecidas com “informação adicional”, que permitiu “formar a convicção de que a transação era passível de autorização” no final do ano. Questionado pelo Expresso sobre como foi possível concluir em quatro meses medidas “não implementadas” e, nalguns casos, “sem solução definida nem aprovada”, e com atrasos de cinco anos, a presidência da APA responde que foi “colmatada informação em falta e definida a forma como cada uma delas iria ser mantida pelo novo concessionário ao longo do prazo da concessão”. E que foi feita uma adenda ao contrato de transmissão que garante a “responsabilidade solidária do antigo titular além das responsabilidades assumidas pelo novo titular”. A EDP fica “obrigada a prestar durante dois anos todo o apoio e acompanhamento para uma passagem sem qualquer interrupção e garantia da continuidade das medidas no terreno”. Entre estas estão a criação de um sistema de mobilidade terrestre ao longo do Tua (que a APA diz depender de outras entidades), a conectividade fluvial ao longo do rio Douro e seus afluentes e as medidas que facilitam a migração de peixes.

Antes de emitir o parecer favorável final, a APA garante que elaborou “uma tabela que inclui, medida a medida, o ponto de situação e a calendarização para as ações a realizar ao longo do prazo da concessão”, e mais não esclarece.

Já no que respeita aos alertas relacionados com as obrigações de gestão dos rios internacionais, a APA indica que, além da obrigação do cumprimento do regime de caudais estabelecido pela Convenção de Albufeira, foi exigido à concessionária “a garantia de um volume mínimo diário, independentemente dos caudais afluentes, exceto se por dois dias consecutivos os caudais forem muito baixos ou nulos, atendendo à reduzida capacidade de regularização das albufeiras da cascata do Douro”.

Quanto à existência de processos judiciais em curso a nível nacional e comunitário relacionados com os contratos de concessão da EDP, e que ainda estão sob investigação do Ministério Público e de Bruxelas (contencioso comunitário relacionado com diretiva da água e de conservação da natureza), a APA informa que “não era impeditivo da transmissão”. E argumenta que “se reforçou a responsabilidade solidária do antigo titular e que o novo titular fica com todas as obrigações que estavam já definidas”.

Recorde-se que “suspeitas de corrupção e tráfico de influências” relacionadas com a aprovação e construção das novas barragens de Trás-os-Montes levaram o GEOTA a apresentar uma queixa-crime na Procuradoria-Geral da República em 2017. Os “negócios” por detrás das novas barragens integradas no Plano Nacional de Elevado Potencial Hidroelétrico, lançado em 2007, estão ainda em investigação.

Carla Tomás

ctomas@expresso.impresa.pt

Movimento Terra de Miranda contra a “injustiça do Estado”

Criado há cerca de um ano, o movimento cívico apartidário colocou o negócio da transação das barragens transmontanas debaixo dos holofotes

“Vêm pedir um subsidiozinho para a festa dos chouriços”, foi com esta frase que o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, recebeu os elementos do Movimento Cultural da Terra de Miranda no primeiro encontro, em setembro de 2020. O conhecido sarcasmo do ministro não os surpreendeu. Já a acusação proferida pelo ministro no Parlamento, esta terça-feira — de que o movimento da sociedade civil transmontana é “um grupo de interesse”, que lhe pediu “um favor” com o objetivo de “promover a língua e cultura de Miranda” —, é vista como uma ofensa para quem diz só querer “defender os interesses de uma região abandonada”.

“O ministro fez-nos um ataque vil, quando só quisemos alertá-lo para um problema e pedir-lhe que zelasse pelo interesse público e pela região”, lamenta Aníbal Fernandes, engenheiro eletrotécnico natural de Miranda do Douro e que, como muitos outros elementos do movimento, há muito vive longe da sua terra. “Toma-nos como o morgado transmontano corrupto de ‘A Queda de Um Anjo”’, do Camilo, mas engana-se. Isto tornou-se um tema de interesse nacional!”

Criado há cerca de um ano no planalto mirandês, o movimento cívico resulta da aliança de cinco associações culturais e de personalidades da região, diz-se apartidário e junta músicos, professores, agricultores, juristas, economistas, engenheiros e estudiosos da cultura regional. Foi este movimento que alertou para o facto de o Governo estar a dar aquilo que a deputada Mariana Mortágua, do BE, veio a definir como “uma borla fiscal” à EDP, ao permitir que a empresa vendesse a concessão de cinco barragens (Miranda, Bemposta, Picote, Baixo Sabor e Foz-Tua) à Engie sem pagamento de impostos.

O primeiro a alertar para o negócio foi o especialista em direito fiscal José Maria Pires, ao lembrar que as barragens transmontanas eram das mais rentáveis da EDP, mas que “essa riqueza só beneficia a concessionária e os seus acionistas, o Estado, através da cobrança de IVA e IRC, e a Câmara de Lisboa, que fica com a derrama por ser na capital que está a sede da empresa”.

Só as três barragens em terras de Miranda correspondem a um terço da energia hidroelétrica produzida pela EDP no país. A região, apesar de rica em recursos naturais, tem dos PIB per capita mais baixos do país.

No manifesto tornado público, o movimento alerta para o “planeamento fiscal agressivo” e pede que o imposto do selo (não cobrado e que calculam valer €110 milhões) seja receita dos municípios. Querem uma “partilha justa” dos recursos públicos, ver acautelada a reparação dos danos ambientais e impulsionada a cultura das Terras de Miranda.

“O nosso interesse é a nossa terra, abandonada e destruída devido às barragens”, sublinha Óscar Afonso, economista e professor universitário no Porto. E teme: “Se nada for feito, daqui a 10 anos esta região torna-se um parque jurássico.” C.T.

As três barragens em terras de Miranda correspondem a um terço da energia hidroelétrica produzida no país | D.R.

Desautorização vai ficar sem consequências

LEONARDO RALHA

GOVERNO

Hipótese de votar nas autárquicas em dois fins de semana, admitida por Eduardo Cabrita, levou a nova intervenção ‘robusta’ de António Costa.

A reprimenda de António Costa ao ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, …

CORRUPÇÃO

A corrupção custa cerca de 18 mil milhões de euros por ano aos portugueses, segundo as últimas estimativas. Este valor corresponde a 7,9% do PIB português, sendo superior ao orçamento do Serviço Nacional de Saúde. O que deve ser feito para acabar com e…