MAGISTRADOS PEDEM TRAVÃO A PORTARIA

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público quer a suspensão da entrada em vigor da portaria que regulamenta o controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais. Em comunicado, defende que o Ministério da Justiça inicie, com caráter de …

FAMÍLIA “PERDE” APARTAMENTO PARA LAR ILEGAL

JOÃO AMARAL SANTOS

MARCOS BORGA

TESTAMENTO POLÉMICO

Fausto Augusto acabara de morrer quando a família foi informada de que o homem de 100 anos tinha assinado um testamento, três semanas antes, que permitia à dona do lar clandestino, onde o idoso vivera efetivamente dois meses, herdar o apartamento em Lisboa. Familiares tentam impugnar documento e apresentaram queixa-crime às autoridades

O protagonista desta história já não está entre nós. Fausto Augusto morreu, no passado dia 11 de janeiro, aos 100 anos. Os últimos três meses e meio de vida passou-os entre o hospital e um lar de idosos clandestino – um dos três mil que a Associação de Apoio Domiciliário, de Lares e Casas de Repouso de Idosos (ALI) acredita poderem existir em Portugal (ver entrevista) -, até à data em funcionamento, em Casal Perdigoto, freguesia de Olhalvo, Alenquer. Ainda os mais próximos velavam o corpo do falecido e já Clara Perdigoto, a proprietária do tal lar, comunicava à família, pela primeira vez, que o falecido fizera, apenas três semanas antes, um testamento a fazer dela herdeira do apartamento, onde este vivera durante mais de meio século – um T2, no bairro da Graça, em Lisboa, avaliado acima dos €350 mil. Sem herdeiros diretos, bastaram 44 noites dormidas naquele estabelecimento para Fausto Augusto assinar o documento. “Foi ele que quis assim”, garantiria Clara Perdigoto, mulher com quem o falecido nunca se cruzara.

O ato foi celebrado a 19 de dezembro de 2022, por uma notária local, que atestou a lucidez e a vontade do idoso, sem hesitações. Quem convivia com o idoso fala de “evidentes problemas físicos e mentais”, e de uma “surdez quase total”.

Os familiares mais próximos – nove sobrinhos – não se conformam com o desfecho. O caso chegou à Justiça, começando com uma providência cautelar, com vista a impedir uma eventual venda do imóvel. O próximo passo será (tentar) impugnar o documento em tribunal. Foi ainda apresentada uma queixa-crime contra Clara Perdigoto, no Ministério Público, e outra contra o lar, na Segurança Social, sabe a VISÃO.

Mas recuemos no tempo, para perceber como tudo aconteceu – e dar voz aos envolvidos.

O capítulo final da vida de Fausto Augusto arrancou em festa. Em julho do ano passado, o 100º aniversário do idoso reuniu dezenas de familiares e amigos, num restaurante em Alcântara.

Nascido em 1922, na aldeia transmontana de São Lourenço de Ribapinhão, concelho de Sabrosa, Vila Real, rumou à capital quando tinha apenas 18 anos, atraído pela oportunidade de ganhar um salário mais generoso, nas obras para a construção do futuro Hospital de Santa Maria. Nesses inícios da década de 1940, num Portugal fechado em si mesmo, na sombra de uma guerra que assolava a Europa e o mundo, Fausto Augusto filiou-se, clandestinamente – não podia ser de outra maneira -, no PCP, partido do qual seria um eterno militante, sempre fiel e dedicado. A vida ganhou novo fôlego, um par de anos depois, quando se empregou nas Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento (OGFE), tornando-se operário fabril do Exército.

Assim que juntou dinheiro suficiente, comprou um apartamento no bairro vizinho da Graça.

Nas seis décadas seguintes, Fausto Augusto cruzou a porta número 92 da Rua da Verónica, nas entranhas daquela colina lisboeta, a oitava e que nunca entra na contagem – por, para quem chega do mar, estar tapada pela do Castelo, diz a lenda. Familiares, amigos e vizinhos habituaram-se a conviver e a admirar um homem com acutilância física e intelectual, que calcorreava, diária e constantemente, a cidade de um lado ao outro, mesmo quando o número redondo do centenário já se aproximava. Na voragem irrefreável dos anos, casou-se e enviuvou, mas não teve filhos.

O cenário quotidiano só se alterou em setembro de 2022, dois meses após aquela festa de aniversário em Alcântara.

Sem avisos prévios, a saúde de Fausto Augusto começou a cair a pique. As dificuldades físicas agravaram-se, repentinamente, alarmando os mais próximos. A Voz do Operário – instituição de instrução e beneficência (próxima em geografia e ideais) – ainda lhe prestou auxílio domiciliário, mas o seu estado geral de saúde continuou a deteriorar-se irremediavelmente. A família mais chegada (os sobrinhos) tomaria, então, a difícil decisão de colocar Fausto Augusto num lar de idosos, para que lhe pudessem ser dados os cuidados de que necessitava. Assim aconteceu em outubro de 2022.

Foi a sobrinha Armanda Sousa, 65 anos – filha de uma irmã mais velha de Fausto Augusto, falecida em 2008 -, a propor como solução alojar Fausto Augusto num lar de idosos, em Casal Perdigoto, situado a apenas 100 metros da sua residência, o que lhe permitiria visitar o tio mais facilmente. Gerido por Clara Perdigoto, a permanência naquele espaço custava €700/mês à família. “Percebemos que o meu tio já não podia viver sozinho, que precisava de cuidados. Escolhemos aquele lar porque eu sabia que essa senhora [Clara Perdigoto] acolhia e cuidava de idosos, há muito tempo… Pareceu-me uma boa solução, pois também era uma forma de poder acompanhá-lo de perto”, explica Armanda Sousa.

Apesar de a mensalidade pedida ficar muito abaixo da média paga nos lares de idosos privados em Portugal – entre os €1 300 e os €1 500 -, a familiar assume que “não fez muitas perguntas”. “A prioridade era pôr o meu tio num lar onde pudesse ser bem tratado. Se era legal ou ilegal… não sabia nem perguntei”, admite.

O destino, porém, já tinha os seus planos. Atacado pela velhice, Fausto Augusto continuou a piorar. Entre 5 de outubro e dezembro de 2022, o idoso permaneceu internado, pelo menos, durante um mês, no Hospital de Vila Franca de Xira. Porém, o cenário não melhorara. “Fui visitá-lo ao hospital, mas já estava muito fraquinho. Em alguns momentos não estava lúcido, estava muito confuso… não me reconhecia”, conta, à VISÃO, uma amiga próxima. Também perdera a audição quase por completo.”Era preciso encostarmos a boca ao ouvido e berrar, para que ele percebesse alguma coisa”, diz a mesma fonte.

Apesar desta condição, Fausto Augusto iria ainda tomar a importante (e polémica) decisão de fazer um novo testamento. O idoso regressaria ao lar em Casal Perdigoto. Faleceu nessa casa, às 09h00, do dia 11 de janeiro, segundo a certidão de óbito. A morte de Fausto Augusto provocou forte comoção entre os familiares e amigos, mas, horas depois, esse sentimen-to geral daria lugar à “surpresa”, ao “choque” e à “indignação”.

“FIQUEI EM CHOQUE”

Foi Clara Perdigoto quem comunicou a notícia da morte de Fausto Augusto à família. Eram 10 horas. Nessa mesma noite, a proprietária do lar clandestino voltaria a contactar a sobrinha Armanda Sousa para informá-la, pela primeira vez, de que “o tio” – como também passara a chamar ao utente – “tinha decidido fazer um novo testamento, no mês passado”, porque, alegava, “ele queria” deixar-lhe o apartamento na capital. “Foi ele quem assim quis”, realçou. O documento, datado de 19 de dezembro de 2022 – depois de apenas 44 noites dormidas em Casal Perdigoto -, foi assinado pelo idoso, no interior do próprio lar. O ato, realizado cerca de três semanas antes do óbito, seria formalizado por uma notária, com escritório em Alenquer, localizado a menos de dez quilómetros, e teve como testemunhas outra utente (uma mulher octogenária, que ainda ali vive) e a própria nora de Clara Perdigoto (casada com um dos filhos), que trabalha no local.

“Quando ela me falou do testamento, fiquei em choque, nem consegui responder. Foi uma surpresa total, algo que não fazia sentido”, afirma Armanda Sousa. A sobrinha recorda que Fausto Augusto “dava-se muito bem com toda a família” e defende que “não havia nenhuma hipótese de ter tomado esta decisão conscientemente, ainda por cima. Estamos a falar de se dar uma casa a uma pessoa com quem, na altura, ele convivia há mês e meio…” “Ele dizia sempre a toda a gente que, quando morresse, o apartamento ficava para os sobrinhos ou para os camaradas [do PCP]”, garante. Fonte do Hospital de Vila Franca de Xira confirma, à VISÃO, que chegou a ouvir esta versão da boca do próprio idoso.

As horas seguintes foram um corrupio. Enquanto o corpo de Fausto Augusto aguardava pela cremação, no Cemitério do Alto de São João, a família contactou um advogado “para que se fizesse justiça”. Legitimada pelo testamento, a proprietária do lar aproveitou a confusão inicial para rumar a Lisboa e começar a esvaziar a casa, levando consigo parte dos pertences, que se encontravam no interior dos móveis do agora falecido, como confirmam, à VISÃO, familiares e vizinhos que assistiram a tudo. As “mudanças” só foram travadas pelo tribunal, depois de aprovada uma providência cautelar, que levou as autoridades a selar o apartamento do nº 92 da Rua da Verónica. “O objetivo é impedir que esta senhora [Clara Perdigoto] possa vender a casa, que era o que ela queria…”, garante Armanda Sousa.

A família de Fausto Augusto prepara agora uma ação em tribunal para tentar impugnar o testamento. O Ministério Público também tem em mãos uma queixa-crime contra Clara Perdigoto (por falsificação) e a Segurança Social, tem outra contra o lar clandestino – que se mantém de portas abertas. “Só queremos que se cumpra a vontade do meu tio. Tenho a certeza de que ele não queria deixar o apartamento àquela senhora… Sempre se deu muito bem com a família, com os amigos… Aquele testamento só pode ter sido feito de má-fé”, defende a sobrinha.

“FOI ELE QUEM ASSIM QUIS”

O lar de idosos é fácil de encontrar. Chegados a Casal Perdigoto, é logo a primeira moradia, na Rua Principal da aldeia, à esquerda. Encostado às paredes do edifício térreo, um grupo de idosas, sentado em círculo, conversa à sombra de uma árvore. Naquele momento, uma voz chama-as para dentro – está na hora do almoço. O estabelecimento não consta da lista do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, mas continua a funcionar. Populares dizem que, neste momento, a casa “deve albergar sete ou oito idosos”, mas não é possível confirmá-lo. Não há registo de maus-tratos.

Abordados, Clara Perdigoto e o marido, António Costa, e ainda a nora manifestam-se visivelmente desagradados com a visita. Apesar dos protestos dos outros presentes, a proprietária do lar acedeu a falar com a VISÃO. Alega que “a família quase nunca vinha visitar” o “tio” e que este, “desde 2019, já tinha decidido não deixar nada aos sobrinhos”.

A (agora) herdeira elogia “a lucidez, que não era normal num homem daquela idade”, e diz que se tornou beneficiária do testamento “por insistência do próprio”. Mas 44 dias seriam suficientes para alguém conquistar o coração (e o património) do idoso de 100 anos? Clara Perdigoto assegura que sim. “Ele fez-me o testamento porque estava a ser muito bem tratado, como nunca imaginara que poderia sê-lo. Foi ele quem assim quis. Deixou-me o apartamento em Lisboa, porque dizia que sou uma pessoa humana e honesta, e porque merecia.”

Questionada se, anteriormente, outros utentes do lar lhe tinham deixado bens móveis ou imóveis de herança, Clara Perdigoto responde negativamente. “Não. Esta foi a primeira vez.” “O testamento é legal”, insiste.

O tribunal tem a última palavra.

DCIAP assume processos

Casos de maus-tratos, apropriação de património e fraude fiscal nos lares de idosos investigados pelo DCIAP

A reação surge na sequência dos casos, vindos a público no início de março. A procuradora-geral da República, Lucília Gago, decidiu que todos os inquéritos de novos processos relativos a suspeitas de maus-tratos a idosos, em lares legais ou ilegais, passam a estar centralizados no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Considerando “inquestionável a gravidade dos factos denunciados”, o Ministério Público admite que, nos últimos anos, com a “proliferação de estruturas de acolhimento residencial licenciadas e não licenciadas”, tem havido “um número crescente de denúncias sobre as condições indignas e cruéis de tratamento dos utentes” e ainda situações de “apropriação indevida dos rendimentos e património” por parte dos responsáveis desses estabelecimentos. Também os casos de burla qualificada, fraude fiscal ou outros crimes de natureza financeira, associados às Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), passam a ser dirigidos por este departamento, que investiga a criminalidade violenta e de especial complexidade, como consta no despacho, datado de 22 de março. À VISÃO, João Ferreira de Almeida, presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação de Apoio Domiciliário, de Lares e Casas de Repouso de Idosos (ALI), realça que, “em teoria, parece haver vantagens nesta medida”, mas acrescenta que “é preciso esperar pelos resultados”. Ainda assim, o dirigente aplaude a medida, pois admite que existe “muita impunidade neste setor”. A União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) também reagiram a esta medida. Em comunicado, as entidades saudaram a decisão: “Demonstra que há uma maior preocupação com o bemestar da população idosa, sendo importante uma maior fiscalização”, lê-se na nota. João Ferreira de Almeida

Presidente da Mesa da Assembleia Geral, da Associação de Apoio Domiciliário, de Lares e Casas de Repouso de Idosos

“O Estado fecha os olhos, porque, bem ou mal, os lares ilegais ‘resolvem’ o problema”

João Ferreira de Almeida defende que as recentes notícias sobre os lares não retratam a realidade do setor, que “está muito melhor do que há 20, 30 anos”. Dirigente da Associação de Apoio Domiciliário, de Lares e Casas de Repouso de Idosos (ALI) pede estratégia e investimento

Maus-tratos, apropriação de bens de idosos e fraude fiscal. Os casos nos lares parecem multiplicar-se. Esta perceção corresponde à realidade?

Posso dizer que, do que conheço, o panorama nos lares em Portugal é globalmente positivo, embora não negue que existem problemas no setor – nos lares privados e também nos públicos.

As notícias recentes, então, não confirmam que as condições estão a piorar?

Estão longe de estar a piorar. A ALI já fez um levantamento e concluiu que o panorama está muito melhor do que há 20, 30 anos…

Mas, no mês passado, vieram a público vários casos graves contra idosos em lares. Não é alarmante?

É muito alarmante, de facto, mas mais alarmante é a Segurança Social continuar a fechar os olhos a muitas destas situações, para não ter de se incomodar ou ter uma despesa maior.

A Segurança Social ignora estas situações?

Não ignora, mas, se não houver denúncias sólidas, com fundamento, “assobia para o lado”. Só se houver queixas é que vai lá ver… e depois atua.

Defende, então, uma postura mais proativa para que se identifiquem os lares ilegais e clandestinos?

Evidentemente, mas, antes disso, é preciso assumir que é necessário aumentar a despesa no setor. Sem mais lares, não se resolvem os problemas.

Mas os problemas dos lares de idosos são motivados pela falta de investimento público no setor?

Não tenho provas disso, mas acho que o Estado fecha os olhos, porque, mal ou bem, estes lares ilegais e clandestinos “resolvem” o problema, sem que a Segurança Social tenha de se preocupar muito ou tenha de gastar dinheiro… É o que me parece.

Está a dizer que os lares ilegais e clandestinos existem porque substituem o papel do Estado?

O que estou a dizer é que, quando se encerra um lar ilegal ou clandestino, é preciso encontrar uma solução para os idosos que estavam nesse local, e isso passa pelas IPSS e Misericórdias. A partir desse momento, esses utentes passam a ser subsidiados pelo Estado. Portanto, se houver encerramentos em massa de lares, naturalmente que haverá um grande aumento da despesa pública no setor.

Quantos lares ilegais e clandestinos existem em Portugal?

As estimativas apontam para que haja entre 1 900 a 3 000, portanto só com mais lares legalizados é que este cenário se resolve. Para isso acontecer, é preciso uma estratégia nacional, porque, até agora, esta situação tem sido sucessivamente ignorada pelos vários governos.

Falou das IPSS e Misericórdias, mas os privados também não têm uma palavra a dizer na resolução do problema?

Obviamente, mas primeiramente o setor tem de ser disciplinado. Com lares sociais a terem vantagens, e com milhares de lares ilegais e clandestinos, haverá algum empresário interessado em investir no setor? Certamente que, com regras e apoios, haveria mais investimento privado e se resolveriam muitos problemas.

Falou das vantagens dos lares sociais… O que pedem os privados?

Um tratamento justo. A mensalidade média de um lar de idosos é de €1 300-€1 500. O idoso que está numa IPSS pode receber €700/mês de apoio da Segurança Social, mas quem tem de se inscrever num privado não recebe nada. É incompreensível, porque falamos de um setor em que não há vagas suficientes no público. É algo que tem de mudar. jsantos@visao.pt

Família e amigos falam de “falta de lucidez”

e de “surdez”, mas, três semanas antes de morrer, Fausto Augusto assinou o novo testamento “Não havia hipótese de ter tomado esta decisão conscientemente. Ele dizia sempre que o apartamento ficava para os os sobrinhos ou para os camaradas [do PCP]”, afirma uma sobrinha

Clandestino O lar de Clara Perdigoto, em Casal Perdigoto, Alenquer, continua a funcionar. Populares dizem que “vivem sete ou oito idosos” naquela casa Graça Rua da Verónica, nº 92. O destino a dar ao apartamento de Fausto Augusto aguarda pela decisão da Justiça

SIS EM “DESVIO DE FUNÇÕES”

Por Alexandre R. Malhado

ESPIONAGEM AÇÃO À MARGEM DA LEI

Secretas intervieram na recuperação do portátil de ex-adjunto. Juristas questionam legalidade da atuação do serviço, liderado por um espião com ligações ao PS e PSD.

Diz-se que um oficial do S…

Remodelação só após inquérito à TAP

Socialistas acreditam que mudanças no Governo chegam no verão Marcelo, em confronto aberto com Costa, promete falar quando entender

Costa só quer remodelar após inquérito à TAP

Carla Soares carlas@jn.pt

António Costa Primeiro-ministro

Marcelo vai…

GOVERNO CAI OU “HABITUEM-SE”? PSD SOBE PRESSÃO PORQUE “NÃO HÁ TEMPO A PERDER”

CRISE POLÍTICA Presidente promete falar “em breve”. Montenegro pronto para eleições e admite cenário de “maioria relativa”. Costa acusado de fazer “teatro político”. PS insiste na “legitimidade” da “maioria sólida” que “traz resultados”,

págs.4-6

GALAMBAGATE Queda do governo ou “habituem-se”? PSD diz que não há “tempo a perder

TEXTO ARTUR CASSIANO

CRISE POLÍTICA Presidente promete falar “em breve”. Montenegro pronto para eleições e admite cenário de “maioria relativa”. Costa acusado de fazer “teatro político”. PS insiste na “legitimidade” da “maioria sólida” que “traz resultados”.

Dissolução da Assembleia da República, demissão do governo ou nada fazer e manter o “habituem-se” anunciado por António Costa? A dissolução todos os presidentes, eleitos em democracia, já o fizeram. Ramalho Eanes fê-lo por três vezes (1979, 1983 e 1985), Mário Soares usou esse poder uma só vez (1987), Jorge Sampaio também o fez por duas vezes (2001 e 2004), Cavaco Silva uma vez (2011) e Marcelo Rebelo de Sousa em 2021.

E neste casos, a decisão do Presidente “não acarreta necessariamente a demissão do Governo, mas implica a marcação de novas eleições parlamentares”, nem muitas justificações. O Presidente deve “ouvir o Conselho de Estado e os partidos representados na Assembleia da República”, mas não fica “juridicamente vinculado ao sentido maioritário” dessas audições.

A outra possibilidade, a demissão do governo por iniciativa presidencial, só pode ocorrer quando o Presidente da República entender que “tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado”. Mas, para além de questões óbvias como “a incapacidade de o Governo manter uma maioria parlamentar que aprove as medidas fundamentais, como o Orçamento do Estado”, as restantes não são fáceis de determinar.

A diferença entre “prestígio das instituições” [expressão usada por Marcelo] e “regular funcionamento das instituições” [como prevê a Constituição] faz aqui toda a diferença.

E Marcelo Rebelo de Sousa, disse-o na terça-feira, “discorda da posição” de Costa “quanto à leitura política dos factos [Caso TAP e em particular a questão “sensível” do SIS] e quanto à perceção deles resultante por parte dos Portugueses, no que respeita ao prestígio das instituições que os regem”, mas a discordância, que não é a primeira – “obviamente, ao longo destes anos, houve posições divergentes”, disse ontem Costa -, deixou o presidente “amarrado” [palavras de um dirigente do PS] às “promessas feitas na mensagem de ano novo”, e que repetidamente, tem reforçado.

As promessas

“Está ao nosso alcance, tirarmos proveito de fundos europeus que são irrepetíveis e de prazo bem determinado. Ora tudo isto está ao nosso alcance. E nunca me cansarei de insistir que seria imperdoável que o desbaratássemos. 2023 é decisivo, assim, porque se o perdermos, em intervenção internacional, em atuação europeia, em estabilidade que produza resultados e que seja eficaz, em oportunidade de atração de pessoas e meios, em uso criterioso e a tempo de fundos europeus, de nada servirá a consolação de nos convencermos de que ainda temos 2024, 2025 e 2026 pela frente. Um 2023 perdido compromete, irreversivelmente, os anos seguintes”, disse Marcelo.

Ora, é esta a “promessa” que sustenta, em parte, a “posição de força” do primeiro-ministro que “sabe que Marcelo não quer ficar como responsável pelo desbaratar dos “fundos europeus que são irrepetíveis”, como disse ou pela estabilidade que anda a defender”, sublinha a mesma fonte.

Até porque, “até 2024 não deverá, porque não pode, ir muito mais além do que dizer que o ano de 2023 é muito importante, é o ano em que vamos ver se há a eficácia que desejamos na execução dos fundos europeus e no avanço do país” ou de ir tentando que Costa, como quis agora, fizesse mudanças no governo”, acrescenta.

Outro dos cenários é a demissão do primeiro-ministro, como foi o caso de Barroso, que levou Sampaio a aceitar Santana Lopes como sucessor designado por haver condições para assegurar a “estabilidade política”, no caso a maioria PSD/CDS, e a “consistência, vontade e legitimidade políticas”. No cenário atual, o afastamento de Costa de livre vontade játem sido equacionado [a saída para um cargo europeu], mas foi sempre, até agora, desmentido pelo próprio.

EoPSD?

Montenegro, que ontem voltou a dizer que está preparado para ser primeiro- ministro recusando serpor sua “causa e do PSD que haverá eleições antecipadas. Não as pedimos, mas não as recusaremos. Sim, estamos preparados para tudo o que for necessário”, e quejá, em declarações ao

DN, assumiu estar a preparar de “forma preliminar” um novo governo – e “uma maioria sozinhos” – admite a possibilidade de um governo minoritário social-democrata caso haja eleições antecipadas.

“E o PS? Vai juntar-se a partidos que não confiam na UEe na Nato?Vão voltar

|atrás? Ou está disponível, se esse cenário se colocar, de fazer a um governo do PSD, por exemplo aquilo que professor Marcelo Rebelo de Sousa fez ao gover’ no do PS do Eng. Guterres?

Apesar de esse governo ter maioria relativa dar-lhe condições de estabilidade política para ele poder prosseguir o seu programa? Essas questões também se colocam ao PS”, afirmou o líder do PSD ao DN.

O almoço de ontem, em Lisboa, entre Luís Montenegro e Rui Rocha, líder do IL, por exemplo, serviu para evidenciar a “alternativa”. Quase garantido é que ambos, em caso de eleições, irão a votos separados. Desde sempre que a Iniciativa Liberal recusa cenários de coligações pré-eleitorais. Sobre a”puraficção” de terça-feira, a demissão de Galamba e a recusa de Costa, Luís Montenegro diz que “Portugal não precisa desta ligeireza, desta leviandade, desta falta de princípios. Para este primeiro-ministro tudo é umjogo. Umjogo de oportunismo. Um jogo de teatro político (…) Sem nenhum programa, sem nenhuma motivação, o primeiro-ministro refugia-se numa guerra de palácios equerdissolverasua falta de liderança, de autoridade democrática e de credibilidade institucional numa corrida sôfrega a eleições antecipadas”. E o PSD? “Estamos serenos e sem pressas. Mas, digo-o com sinceridade, sinto que Portugal tem cada vez menos tempo a perder”.

O PS, entretanto, pelo seu número dois, veio ontem assegurar “o seu respeito institucional perante todos os órgãos de soberania. Este Governo dispõe de uma legitimidade de origem, mas também de uma legitimidade de exercício”.

“Legitimidade de origem”, diz João Torres, secretário-geral adjunto, “porque foram os portugueses, há pouco mais de um ano, a fazer uma opção pela estabilidade govemativa” e “legitimidade de exercício porque o Governo dispõe de uma maioria sólida e está a cumprir o seu Programa de Governo, apresentando resultados aos portugueses”.

Para o PSD deixou duas acusações: “vacuidade” e “falta de sentido construtivo”. E o que para Montenegro foi “pura ficção”, é para João Torres o “normal funcionamento das instituições democráticas, com dignidade e com responsabilidade institucional”.

O “normal funcionamento” também terá passado por um telefonema, segundo a SICNotícias, que António Costa fez para Marcelo Rebelo de Sousajá depois da longa reunião, na tarde de terça-feira, de quase duas horas, para o informar que não ia aceitar a demissão de João Galamba.

“E não obstante estarmos a passar por isso tudo, a verdade é que o emprego está no máximo, as empresas não fecharam, a economia está a crescer como há muitos anos não crescia, as empresas estão a exportar como nunca tinham exportado. E, portanto, só temos uma razão para dizer: venham os desafios e vamos vencer. E é isso que vamos fazer”, disse ontem, em Braga, António Costa.

0 silêncio

E Marcelo Rebelo de Sousa? O presidente só terá agenda pública a partir de sexta-feira [Londres, para a coroação de Carlos III, entre 05 e 06 de maio; Yuste, Espanha, entre 08 e 09 de maio; e Estrasburgo entre 09 e 10 de maio] e não deve, antes disso, “de momento” fazer qualquer declaração. Fica por esclarecer o que disse sobre “conclusões”, e se as haverá, quando, no início de janeiro, Costa anunciou João Galamba e Marina Gonçalves para substituir Pedro Nuno Santos.

“Se funcionar, é uma boa ideia. Se não funcionar, retiraremos daí as conclusões”, garantiu Marcelo.

Ontem prometeu esclarecimentos: “Certamente que eu terei oportunidade de dizer aos portugueses o que é que penso, mas não agora, não agora, hoje não.”

artur.cassiano@dn.pt

Queixa ao SIS e PJ foi articulada com gabinete do PM e ministra da justiça.

Conselho de Fiscalização das secretas não detetou “indícios” nem “atuação ilegal” do SIS

INVESTIGAÇÃO Diretor da PJ diz que após receber do SIS o computador “roubado” comunicou o caso ao DIAP de Lisboa

O Conselho de Fiscalização do SIRP disse ontem que os elementos que recolheu “não permitem concluir” que tenha havido uma atuação ilegal do Serviço de Informações de Segurança na recuperação do portátil do ex-adjunto do ministro João Galamba.

“Os elementos recolhidos não permitem concluir, pois, no sentido de ter havido uma atuação ilegal por parte do SIS, mormente qualquer violação de direitos, liberdades e garantias”, declaram Joaquim Ponte, ConstançaUrbano de Sousa e Mário Belo Morgado, que compõem o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP), em comunicado.

O CFSIRP assinala que “não existem indícios que sustentem ter sido adotada pelo SIS qualquer medida de polícia aquando da recuperação do computador em causa” e que “tudo aponta no sentido de o computador ter sido entregue voluntariamente por quem o detinha, na via pública” e, sublinha, “portanto, fora do contexto do seu domicílio, e sem recurso a qualquer meio coercivo ou legalmente vedado”.

O SIS entregou o computadorno mesmo dia em que o recolheu ao “CEGER, organismo que tem a seu cargo a segurança eletrónica do Estado e a prevenção da perda ou circulação indevida de informação”, acrescenta do Conselho de Fiscalização do SIRP O Conselho de Fiscalização das secretas portuguesas destacou que a atuação do SIS, “que é um serviço de segurança”, decorreu “num quadro de urgência” e “numa lógica de prevenção de riscos, movido pelo propósito exclusivo de, perante uma situação que se apresentava como uma ameaça de divulgação de informação classificada, preservar a sua integridade e confidencialidade”.

Para o CFSIRR o SIS observou, na sua atuação, as “exigência de necessidade e proporcionalidade que sempre balizam a atuação das forças e serviços de segurança”.

No comunicado, o CFSIRP reitera que fez esta averiguação “de imediato e por sua própria iniciativa” visando a “obtenção dos elementos necessários ao cumprimento das suas funções”.

O computadorportátil recuperado pelo SIS estava atribuído a Frederico Pinheiro, ex-adjunto do ministro João Galamba, que foi exonerado na semana passada.

O diretor nacional da PJ disse ontem que foi contactado por um membro do Governo sobre o alegado roubo do computador do ex-adjunto do ministro das Infraestruturas e que comunicou de imediato o sucedido ao Ministério Público.

Sem especificar quem foi o membro do Governo que o contactou, o diretor da PJ explicou que, no final da noite de quarta-feira da semana passada, foram comunicados à PJ “factos suscetíveis de constituírem a prática de um crime relativamente a um equipamento informático” que poderá ter “informação classificada e confidencial” sobre questões do Estado, designadamente sobre infraestruturas críticas.

“Com base nessa informação, registámos logo a situação como inquérito. Recuperámos o equipamento que já tinha sido recuperado por outra estrutura do Estado, pelo SIS. No dia seguinte estava na posse do CEGER [Centro de Gestão da Rede Informática do Governo]. O equipamento está connosco”, afirmou.

DN/LUSA