18/06/2020 | Imprensa, Notícias do dia
A QUEDA DE MEXIA
Para o MP, o pacto criminoso e corrupto com o ex-ministro Manuel Pinho começou antes de António Mexia mandar na EDP. Foi essa até a condição.
O esquema continuou com outros intervenientes e, agora, o gestor deve ser suspenso de funções pelo juiz Carlos Alexandre, por António josévueia
Com vista a delinear o mais cedo possível o plano de substituição de ]oão Talone pelo arguido António Mexia à frente da EDP. os arguidos Manuel Pinho e António Mexia reuniram-se logo a 16/9/2005 no Ministério da Economia”, diz o Ministério Público (MP) na indiciação por quatro crimes de corrupção ativa e um de participação económica em negócio do CEO da EDP. António Mexia. O documento a que a SÁBADO teve acesso, que mais parece uma miniacusação com quase 200 páginas, concretiza que foi há cerca de 15 anos que começou o alegado pacto criminoso entre os dois homens:”(…) acordaram entre si que a influência do primeiro [Pinho] na nomeação do segundo [Mexiaj como presidente da EDP, e a concessão de benefícios indevidos à EDP, através do exercício das suas funções públicas (…), teria como consequência o apoio da EDP à sua carreira profissional e académica após sair do Governo.”
Na indiciação que serviu de base ao recente pedido de alteração das medidas de coação de António Mexia, do administrador da EDP, João Manso Neto, e do antigo assessor governamental, João Conceição, os procuradores Carlos Casimira e Hugo Neto argumentam que terá sido montada uma autêntica teia que durante largos anos influenciou ou manobrou decisões técnicas e políticas que provocaram um rombo gigantesco nos cofres públicos (1,2 mil milhões de euros) e também na própria EDP. 0 MP chega a referir que foi esta teia que permitiu que Mexia chegasse e que se mantivesse na liderança da EDP até aos dias de hoje, permitindo-lhe “receber durante todos estes anos os inerentes salários, prémios e regalias de vários milhões de euros”.
O salário do gestor, o mais bem pago das empresas do PSI20, é realmente grande. Só entre 2012/19, Mexia ganhou cerca de 14,1 milhões de euros brutos – a partir de 2015 a remuneração quase duplicou para mais de 2 milhões de euros por ano, por causa de bónus e prémios pelo desempenho durante a crise da troika (no ano seguinte foi devido ao aumento de 25% na componente fixa do salário). Longe estão os tempos em que Mexia, o assistente universitário, com Jorge Braga de Macedo como mentor – que hoje está no Conselho Geral e de Supervisão da EDP -, foi ator de bata branca num anúncio ao detergente Xau para ganhar algum dinheiro extra.
O foco no que Mexia ganhou enquanto cometia os alegados crimes também consta no despacho de 47 páginas do pedido das novas medidas de coação (Mexia está com termo de identidade e residência desde que foi constituído arguido em 2017) que o MP fez ao juiz de instrução Carlos Alexandre:”(…) no caso de António Mexia e Manso Neto” estará em causa não o “recebimento de quantias pecuniárias, mas de se conseguirem movimentar em jogos de influência que lhes permitiram perpetuar nos lugares de governança corporativa das empresas em causa”.
A contrapartida disto foi, segundo o MP, um autêntico saque ao Estado.
As contas, em parcelas que se seguem, são dos procuradores: 339,5 milhões de euros devido à sobrevalorização do valor inicial dos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual) como compensação pelo fim dos 32 contratos celebrados em 1996 entre o Estado e a EDP; 882 milhões, que é o valor da extensão, sem concurso público, da concessão do Domínio Público Hídrico (DPH) que a EDP não pagou pela continuação da exploração de 27 barragens; e 55 milhões referentes à taxa de recursos hídricos que, por despacho governamental de Manuel Pinho, foi considerado pago no âmbito do procedimento do valor da extensão da concessão do DPH. O MP chega a garantir que, em 2006/07, “foi a própria EDP, em resultado da conjugação de esforços” de Mexia, Manso, Pinho, e outros, que “orientou o Credit Suisse na avaliação do domínio hídrico”. A EDP teve um “benefício indevido (…) de mais de 700 milhões de euros.”
Já sobre os prejuízos para a própria empresa, o MP aponta o caso da construção da barragem do Baixo Sabor. Cinco consórcios apresentaram propostas à EDP em 2008 e o MP detalha agora vários encontros de representantes da Odebrecht/ Grupo Lena no Ministério da Economia (segundo o MP, isso não aconteceu com outros concorrentes) enquanto estava a decorrer o prazo de avaliação das propostas. O MP acha que, antes da decisão formal, tudo foi combinado num almoço de 11 de abril de 2008 entre Pinho, Mexia e Manso Neto. “Nesse almoço (…) acertaram os termos e que a construção da barragem do Baixo Sabor ia ser adjudicada ao consórcio Odebrecht/Lena, bem sabendo que o montante da respetiva proposta seria, como foi, muito inferior ao do custo final, assim prejudicando os restantes concorrentes e a própria EDP”, refere o documento do MP.
Em junho desse ano, a construção da barragem foi adjudicada e já em 2016, a EDP pagou ao consórcio mais 13 milhões de euros por trabalhos a mais (o consórcio queria 20 milhões).
O investimento, inicialmente contabilizado em 490 milhões, segundo o MP, disparou para os 760 milhões os270 milhões a mais incluem os 13 milhões e outras compensações.
Este negócio está também a ser investigado num processo autónomo nascido de dados recebidos do Brasil relacionados com o caso Lava Jato. O que está em causa é apurar porque é que nos extratos bancários da “Conta Paulistinha” da construtora constam transferências de um total de cerca de 750 mil euros transferidos entre março e abril de 2015. E apenas assinalados assim: “Obras” e “Baixo-Baixo Sabor”.
O poder e a vida de Mexia
António Mexia é o último sobrevivente, numa posição de poder, de uma leva de gestores e de banqueiros que durante anos dominaram algumas das maiores empresas e bancos do País, cruzando participações, inclusive com empresas do Estado, e moldando o poder económico no topo da pirâmide. Como gestor “Mexia tem o cuidado de se rodear de pessoas inteligentes”, diz à SÁBADO uma fonte financeira, que prefere o anonimato. Na EDP estas pessoas incluem Manso Neto – um craque que o ex-presidente da empresa, João Talone, resgatara da prateleira do BCP. Sobre Mexia, a mesma fonte acrescenta: “É um gestor de powerpoints. um relações-públicas que gere influências, exímio na relação com políticos”, exemplificando com a forma como depende das consultoras como a McKinsey e a Roland Berger (liderada por António Bernardo, seu ex-sócio no hotel Aquapura, entretanto declarado insolvente).
A capacidade de estar sempre no sítio certo – próximo do poder e bem visível -, se lhe garantiu a sobrevivência a múltiplos governos, irritou alguns no início do que se poderia considerar uma carreira política: como (ovem economista, assessorou o então secretário de Estado do Comércio Externo Ferreira do Amaral a partir de 1986, e quando este passou a ministro das Obras Públicas, viria a ser vice-presidente do ICEP – Comércio e Turismo, onde encetou variadas e bem-sucedidas ações de promoção. “Era o chefe da propaganda de Ferreira do Amaral”, ironiza à SÁBADO Mira Amaral, então ministro da Indústria. O contido Cavaco Silva, confirmou a SÁBADO com um ex-colaborador do então primeiro-ministro, não simpatizava com o estilo. Mas isso não o prejudicou, admite ainda Mira Amaral: “É um homem de banda larga. Capturou-os a todos.” Todos, leia-se os partidos de poder e “o bloco central dos interesses”.
A transição para o guterrismo foi fácil. Mexia tornara-se amigo de António Moura Santos, cunhado de Guterres, um gestor de contactos e ligações que funcionava na orla da EDP e da Galp. Daí chegou a Pina Moura, braço-direito do primeiro-ministro eacabou nomeado presidente da Galp, ainda pública. Durante anos, deu aulas em duas das melhores faculdades de Economia (Nova e Católica, nesta última com o colega e amigo Manuel Pinho, de cuja filha mais nova é padrinho), fez parte de dois governos do PSD – no de Santana Lopes já como ministro das Obras Públicas. Mas durou pouco porque o Governo não foi longe. Eis que chega Sócrates e Mexia tomou a iniciativa de ir falar com o novo primeiro-ministro pouco depois de este ser eleito: a história foi contada ao jornal PiíMco em dezembro de 2017 por Moura Santos, que lhe deu precisamente esse conselho – e também que dissesse ao primeiro-ministro que queria ficar à frente da EDP.
Para conseguir isso. no mundo da finança, Mexia teve outro apoio de peso: o banqueiro que o contratou para a banca de investimento nos anos 90 – Ricardo Salgado seria um aliado de Mexia daí para a frente (o BES entrou no capital da EDP praticamente no mesmo dia em que Mexia entrou para a presidência da elétrica). Mira Amaral faz notar que a proximidade a Salgado era então um bom cartão de visita. E é precisamente esta proximidade que o MP foi recuperar para integrar a teia de influências do processo-crime às rendas excessivas da EDP. A tónica da investigação é que houve uma conciliação criminosa entre Mexia, Pinho e Salgado – antes mesmo de Mexia ser escolhido para mandar na EDP.
“Nessa ocasião, os arguidos Manuel Pinho e Ricardo Salgado falaram sobre a indicação do amigo de ambos, António Mexia, para esse cargo e sobre como o primeiro iria beneficiar a EDP e o BES” – recorde-se que a investigação recolheu já dados sobre uma avença mensal de cerca de 15 mil euros que Pinho recebeu do BES/GES enquanto foi ministro da Economia (2005/09). No total, da EDP e GES, o MP acredita que Pinho recebeu 4,5 milhões de euros.
Ainda em 2007, quando a EDP estava a negociar a compra da empresa americana Horizon ã Goldman Sachs “foi reiterado e reforçado o pacto corruptivo”, referindo-se os investigadores à futura colocação de Pinho (pós-saída do Governo) como administrador da Horizon e um patrocínio de uma universidade nos EUA para o contratar como docente (Universidade de Colúmbia).
Nesta altura, a grande maioria do capital da EDP, cerca de 75%, estava já nas mãos de privados, mas era o Estado que mandava realmente. E é a partir da já citada primeira reunião de Pinho com Mexia, que o MP registou no despacho de indiciação um total de 74 encontros e almoços que o político e o gestor mantiveram, sozinhos ou em grupo mais alargado, no Ministério da Economia. O MP fá- -lo para tentar demonstrar que isso fez parte de um grande plano de “corrupção ao mais alto nível”, salientando que o último destes contactos ocorreu a 22 de junho de 2009, cerca de uma semana antes de Pinho se demitir do cargo depois de um inusitado gesto de “uns cornos”, em pleno debate do Estado da Nação, dirigido a um deputado do PCP.
A guerra com o juiz Alexandre
Na sede do Tribunal da Relação de Lisboa, o segurança ficou espantado com a figura que lhe apareceu à frente. Reconheceu-a, mas esta apresentou-se na mesma e disse ao que ia. Eram 9 horas da manhã de 2 de junho passado. O segurança chamou uma funcionária judicial e foi esta que recebeu do juiz Carlos Alexandre o envelope com as 92 páginas do incidente de recusa (incluindo a resposta do juiz, assinada às 15h46 do dia anterior) colocado pela defesa de Mexia, porque acha que o magistrado judicial não é imparcial. A entrega de documentos de processos em mãos pelo próprio juiz num tribunal superior não é nada habitual.
Por norma, o transporte é feito pela PSP, por oficiais de justiça ou por motoristas dos tribunais, mas Alexandre até nisso é singular e já o fez várias vezes ao longo dos anos.
Naquela manhã, tudo aconteceu em poucos minutos. Alexandre voltou ao carro, tomou a direção do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) e a história correu pelos corredores da Relação de Lisboa. Da Relação ao TCIC, sem trânsito, são pouco mais de 3 km que se fazem em cerca de 10 minutos. O ideal porque o juiz tinha uma agenda apertada. Às 9h30, iniciou-se o debate instrutório de um alegado burlão da segurança social.
Menos de uma hora depois, às 10h26, o juiz ficou despachado e pronto a começar outro interrogatório, agora no processo EDP. Acompanhado pelos advogados, António Mexia, foi pontual. Os dois procuradores do processo, Carlos Casimira e Hugo Neto, não. Teve de ser um funcionário do tribunal a ligar-lhes para se apressarem. Os magistrados do MP julgaram que o gestor não iria comparecer devido ao incidente de recusa colocado ao juiz e assinado pelos advogados ]oão Medeiros, Inês Almeida Costa e Rui Costa Pereira (filho de um procurador jubilado). Os procuradores não teriam sequer a documentação da indiciação pronta, pois Mexia esteve várias horas no TCIC (ainda saiu para almoçar) a aguardar a identificação e o documento que só lhe foi entregue eram quase 15h. Recusou prestar declarações a conselho dos advogados por causa do incidente de recusa e a defesa do CEO entregou um novo requerimento no TCIC dirigido à Relação de Lisboa. Foram mais 13 páginas, a que a SÁBADO acedeu, a reiterar as críticas a Carlos Alexandre, dizendo, em súmula, que a sua intervenção “seria de facto para rir, se não fosse trágico…” Para a defesa de Mexia, Alexandre demonstrou “um interesse pessoal” no interrogatório sem que o incidente de recusa tenha sido decidido na Relação de Lisboa (o juiz relator Calheiros da Gama tem 30 dias fazer o acórdão).
Na semana anterior, a 28 de maio. a defesa dos administradores da EDP já entregara no TCIC (para ser remetido à Relação de Lisboa) um documento com 68 páginas muito critico sobre a atuação de Carlos Alexandre, o juiz que só em fevereiro passado ficou com o processo por ordem do Conselho Superior da Magistratura.
Na exposição a que a SÁBADO acedeu, a defesa de Mexia dá a entender que terá havido uma jogada de bastidores feita por Alexandre – não dos membros do CSM, como frisam os advogados – que levou à retirada de duas juízas substitutas do Tição, concentrando os processos do juiz Ivo Rosa (em exclusividade na instrução na Operação Marquês) nas mãos de Alexandre. Os advogados dizem que Alexandre revogou até decisões da anterior juíza do processo e iniciou uma sanha anti-Mexia e outros arguidos – marcando até os interrogatórios como atos urgentes em violação das normas de saúde pública.
A defesa escreveu ainda no incidente de recusa que Alexandre se “arrima acriticamente”, que está concertado com as decisões do MP (argumento já usado em outros incidentes de recusa do juiz que caíram por terra) e que o MP só agora avançou para colocar Mexia com novas medidas de coação por causa de Carlos Alexandre, quando o processo já passou pelas mãos de três outros juizes. “Em nenhum momento, ao longo de 8 anos. o MP sequer tentou submeter os aqui requerentes a interrogatório não judicial (…) e, de repente, da noite para o dia, não só passa a pretender que os mesmos sejam ouvidos, não por si, mas por juiz de instrução criminal, como passa a entender crucial a aplicação de medidas de coação mais pesadas”, diz o documento concluindo que o MP “pretendeu ‘acertar o passo’ dos arguidos, mostrando ‘mão pesada’ sem qualquer justificação”.
O juiz Alexandre respondeu ao incidente em 24 páginas, algumas delas em tom também bastante contundente. Diz que todas as decisões que tomou foram “claras, conscienciosas, todas sindicáveis”. Que nunca agiu de forma parcial e que tomou as decisões “sozinho (a negro e sublinhado), não acefalamente nem em seguidismos de quem quer que seja”.
Mas “não enjeita a responsabilidade pelos despachos que já proferiu neste inquérito, como nos milhares de outros”. Também criticou os advogados por alegarem “considerações genéricas sobre imparcialidade”, dando a entender que não estão é contentes com a forma como “se acha estruturado o CPP”, mas que ele, juiz, não é quem faz as leis, que só as cumpre.
Para concluir, vinca que não “refeiçoa com advogados”, que foi convocado pelo CSM para uma reunião a 4 de fevereiro deste ano, às 18h, com dois vogais e o chefe de gabinete do presidente do CSM. Que lhe perguntaram se tinha disponibilidade para assegurar a substituição de Ivo Rosa em todos os processos e confirma que concordou. Como de resto já estava a fazer de forma avulsa em vários atos por indisponibilidade de uma juíza do Tição. Já sobre o facto de os advogados levantarem suspeitas sobre a atuação de Alexandre, deixando de fora o CSM, o juiz escreve apenas que “tomou boa nota (…) a doutos punhos escritos”.
No dia seguinte ao conturbado interrogatório de Mexia, a 3 de junho, os mesmos advogados acompanharam o administrador da EDP Manso Neto ao TCIC e tudo foi bem mais simples e rápido. A sessão demorou 15 minutos. Invocando o mesmo princípio, o administrador da EDP recusou falar até estar decidido o incidente de recusa, foi-lhe entregue a indiciação e o juiz desabafou:
“Vamos ver como isto vai acabar com serenidade.”
Uma teia de influências
No processo são muitos os indícios apontados pelo MP e as personagens suspeitas de crimes. Por exemplo, 15 dias depois da chegada de Mexia ao topo da EDP, Rui Cartaxo (antigo colega de Mexia na administração da Gás de Portugal e da Petrogal) passou a “colaborar com o arguido Manuel Pinho no gabinete ministerial na execução do aludido acordo” criminoso. Para o MP, Cartaxo violou as regras de isenção e confidencialidade (dando alegadamente informações privilegiadas a EDP) porque Pinho lhe assegurou que entraria noutra grande empresa controlada pelo Estado, a REN. E depois chegaria a administrador. O MP chega a dizer que a nomeação de Cartaxo para a empresa, em abril de 2007, foi também uma forma de “tentar colocar um travão aos obstáculos” que a REN (então ainda 100% pública) “vinha levantando aos interesses da EDP”, nomeadamente porque defenderia um pagamento muito maior pela EDP ao Estado pela extensão do domínio hídrico.
A partir de janeiro de 2007, o alegado pacto de favorecimento à EDP formado por Pinho, Mexia, Manso Neto e Cartaxo ter-se-á estendido a João Conceição. O percurso deste último é o seguinte: Conceição começou por ser requisitado à consultora Boston Consulting Group (BCG) em 2003 para adjunto do secretário de Estado Adjunto do ministro da Economia, Franquelim Alves. O convite foi conseguido devido à intermediação de outro homem da BCG que estava também a trabalhar com o governante, Ricardo Ferreira, que coordenou a preparação do processo legislativo dos CMEC e, com o fim do curto governo de Santana Lopes, foi trabalhar para a EDP (onde ainda está).
Por seu lado, Conceição regressou à BCG e passou a liderar a equipa da consultora ao serviço da EDP na preparação de propostas para a nova legislação do mercado ibérico de eletricidade. Em abril de 2007, já estava no Ministério da Economia como assessor de Manuel Pinho, com os salários a serem pagos não pelo Governo, mas, primeiro até agosto de 2008, através da Boston Consulting Group. O MP sustenta que o líder da BCG declarou no processo que a EDP, Mexia e Manso Neto foram consultados e aprovaram a ida de João Conceição para o gabinete do ministro Manuel Pinho. E que sem essa aprovação, Conceição “não teria sido cedido gratuitamente pela BCG.”
Depois, até abril de 2009, os pagamentos ao assessor do Governo já são feitos através do Millennium bcp, acionista da EDP e do qual a elétrica também era acionista – desde janeiro de 2008, Mexia era membro do Conselho Geral e de Supervisão do banco. O MP chega a apontar uma data para o acordo que levou à alegada “contratação de fachada” de Conceição pelo BCP: um almoço de Mexia e Pinho, a 21 de julho de 2008.
Dias depois do almoço, já Conceição estava a enviar emails para Manso Neto a dizer o dinheiro que queria ganhar, Num deles, reencaminhado a 29 de julho por Manso para Mexia, o administrador da EDP escreveu: “Nesta fase no BCP teriam de lhe pagar 10.000 euros/mês (14 meses) e os seguros de vida e de saúde. O resto seria regularizado depois na solução final.” Mexia mandou depois as condições salariais e o currículo de Conceição ao CEO do banco, Carlos Santos Ferreira, pedindo-lhe para o contratar “inicialmente a expensas do BCP, o qual seria posteriormente reembolsado pela EDP”, frisa o MP.
Num email encontrado nas buscas, dois colaboradores dos recursos humanos do BCP escreveram isto aquando da rescisão do contrato de Conceição com o banco: “Este encontro de contas será efetuado entre BCP e a EDP por outras vias – acordado entre o Sr. Dr. Paulo Macedo e o Sr. Dr. Manso Neto.”
Para os pagamentos serem feitos no BCP, o MP diz que Mexia teve a “conivência” de Santos Ferreira e do então administrador Paulo Macedo (atual presidente da CGD). Conceição terá recebido mais de 150 mil euros e, até ser descoberta esta situação, não constava a ligação ao BCP no currículo do antigo assessor de Pinho disponível no site da REN, para onde o gestor acabou por ser nomeado por acionistas privados para a administração em 2009 e onde ainda hoje se mantém. O MP acredita que esta era a “solução final”. No testemunho feito no processo, Filipe de Botton, acionista e administrador da REN, revelou que sugeriu o nome de Conceição para administrador “porque lhe foi pedido” por Manuel Pinho, apesar de não reconhecer que Conceição tivesse currículo para o cargo.
O jogo de bastidores de Mexia para alegadamente conseguir “informação confidencial do governo relativa aos dossiês que envolvessem a EDP” estava lançado ao mais alto nível.
Para provar isto, o MP juntou ao processo diversos emails, pessoais e profissionais (alguns deles de empresas) alegadamente comprometedores sobre a partilha de informações reservadas, chegando a incluir uma “contraproposta de decreto-lei” para a qual foram pedidos comentários para incluir e depois “entregar ao Ministério da Economia” – chamava-se “Propostas de alteração ao DL da água”. Num outro caso, a EDP enviou até um “dra/de RCM [Resolução do Conselho de Ministros]” proposta ao Governo. “Sei que os drs. Miguel Barreto [outro ex-quadro da BCG nomeado diretor-geral de Energia que atribuiu ã elétrica uma licença vitalícia para a exploração da central de Sines, sem contrapartida financeira para o Estado] e Rui Cartaxo estão a fazer-lhes alguns ajustes formais”, escreveu Manso Neto a Mexia num email de 15 de novembro de 2006.
Dias depois, segundo o MP, João Conceição “comprometeu-se” a incluir no decreto-lei, juntamente com Barreto, “o que a EDP pretendia”.
O fim do gestor Mexia?
O MP quer agora que o juiz Alexandre autorize que Mexia seja suspenso de funções no grupo EDP ou em empresas por este controladas, em Portugal e no estrangeiro. Deve ainda ser proibido de entrar em todos os edifícios da EDP, solicitando os investigadores que sejam avisadas as empresas de segurança para lhe bloquearem o acesso. Uma medida complementar à proibição de contactos com os arguidos Manso Neto, João Conceição, Ricardo Salgado e Manuel Pinho. E também com todas as testemunhas já ouvidas ou referidas nos emails apreendidos pelos investigadores. Uma dessas pessoas é Sérgio Figueiredo, ex-quadro da EDP e atual diretor da TVI. Mexia deve ainda entregar o passaporte para o impedir, por exemplo, de se “deslocar aos EUA ou à China para se reunir com o seu amigo (e compadre) Manuel Pinho” ou com outros arguidos.
Tudo isto servirá para “atenuar o perigo de condicionamento das testemunhas da EDP que o MP se encontra a ouvir”, ou que terá de inquirir pela primeira vez ou ouvir de novo. Ou seja, para “evitar que as mencionadas testemunhas possam ficar atemorizadas por terem de vir prestar declarações ao DCIAP sobre as pessoas que dirigem os destinos da EDP há bem mais de uma década”. Porque, garantem, já detetaram condicionamentos na “maioria dos elementos da EDP inquiridos”.
No requerimento, o MP lembra ao juiz que este já decretou a prisão preventiva ou proibiu o exercício de funções em outros processos e por bem menos do que aquilo que o MP aponta agora a Mexia. Lembra ainda que o caso EDP deve também ser um sinal à comunidade, sob pena de ser visto como “o crime compensa quando é cometido ao mais alto nível (e com benefícios milionários)”. E concluem: “Se o conjunto dos elementos descritos não é o bastante para reconhecer o perigo de continuação criminosa mais vale eliminar essa medida de coação do CPP.”
É um facto: o juiz já o fez por bem menos. Mesmo na defesa de Mexia teme-se o pior, mas a suspensão de funções só pode durar até 8 meses se não existir acusação. Por agora, Alexandre aguarda que as defesas se pronunciem. O prazo acaba na sexta-feira, dia 19. Para a semana, a decisão deverá ser conhecida e é quase certo que as medidas de coação de Mexia vão ser agravadas. O MP pede também que o tribunal aplique ao gestor uma caução nunca inferior a 2 milhões de euros. A defesa de Mexia diz que o processo EDP é uma mão cheia de nada, uma “bola de neve” (…) agigantada em termos mediáticos para justificar “o atraso ostensivo da investigação”. O