Assédio no futebol feminino Ministério Público arquiva queixa por falta de prova

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Assédio no futebol feminino. Ministério Público arquiva queixa por falta de prova

TEXTO ISAURA ALMEIDA

DESPACHO Única jogadora mencionada é menor e negou qualquer ato impróprio do treinador Miguel Afonso, afastado do futebol desde que foi revelado o caso. Investigação não detetou indícios de crime de importunação sexual, que é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

O Ministério Público (MP) já arquivou o inquérito ‘aberto na sequência das queixas de jogadoras do Rio Ave, nomeadamente uma menor, de alegado assédio sexual, por parte do treinador Miguel Afonso, na época2020-21. “Não se mostra minimamente indiciada a prática de crime de importunação sexual de menor por parte do denunciado no que à ofendida concerne, determino, sem necessidade de mais considerandos, o arquivamento dos presentes autos, porter sido recolhida prova bastante da inexistência de crime”, pode ler-se no despacho final assinado pela magistrada do MP da secção deVila do Conde enviado ao DN.

A atleta menor em causa tinha 16 anos quando prestou declarações ao MP e terá sido a única, de entre as jogadoras que denunciaram o então técnico do Famalicão à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e ao Sindicato de Jogadores, a aceitar falar durante o inquérito j udicial, que visava investigar a existência de crime de importunação sexual.

Segundo o documento, e face aos elementos constantes nos autos, ‘‘não só não foram recolhidos indícios suficientes da prática de crime por parte do denunciado como até foi recolhida prova suficiente da sua inexistência”, uma vez que a jogadora em causa declarou que “nunca o denunciado a abordou ou importunou sexualmente, nem nunca manteve consigo qualquer conversa de teor sexual”. A jogadora em questão disse ainda que Miguel Afonso “sempre a tratou bem e a respeitou”.

Contactado pelo DN, Miguel Afonso, respondeu por SMS que não tinha qualquer comentário a fazer: “Nunca fui notificado, nem constituído arguido em processo-crime”. Já a FPF e o Sindicato de Jogadores não reagiram por não terem conhecimento do despacho até à hora de fecho desta edição.

No despacho não fica claro se foram extraídas certidões para outros processo, sendo que a magistrada do MP define o dia 26 de março de 2026 como data para o alegado crime prescrever, o que significa que o caso pode ser reaberto, se entretanto surgirem novas provas ou testemunhos que obriguem e tal.

Em Portugal o assédio sexual é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, de acordo com o artigo 170.° do Código Penal, referente ao crime de importunação sexual.

Afastado por três anos

A investigação teve em consideração as mensagens de WhatsApp, Messenger e outras, bem como a deliberação do Conselho de Disciplina (CD) da FPF que, após instaurar procedimentos disciplinares, afastou o treinador Miguel Afonso e o diretor desportivo Samuel Costa por factos relacionados com eventual prática de comportamentos que poderiam configurar crimes de natureza sexual.

Segundo o comunicado do CD, de dia 3 de novembro, depois de ” 18 inquirições a vítimas ou testemunhas”, “inquirições dos arguidos” e “análise de mais de 60 documentos, para além dos suportes de áudio e vídeo das inquirições”, o órgão disciplinar da FPF condenou o técnico pela prática de cinco infrações disciplinares qualificadas como muito graves, afastando-o do futebol por 1050 dias (35 meses) , além de o multar em 5100.

Já o diretor desportivo do Famalicão, Samuel Costa, que, entre outras coisas, terá dito que gostaria de fazer “muito sexo oral” a umajogadora, foi sancionado com 18 meses (540 dias) de suspensão e uma multa de 3060 euros. O dirigente recorreu para oTribunal Arbitrai do Desporto, que manteve o castigo.

O caso foi tornado público em setembro de 2022 pelo jornal Público e deu origem a um verdadeiro terramoto no futebol feminino português. Segundo anotícia, o então técnico do Famalicão teria trocado mensagens íntimas com várias jovens entre os 16 e os 20 anos do plantei vila-condense. Comportamento que sempre negou, dizendo-se vítima de um “esquema”.

Os casos terão ocorrido no Rio Ave, apartir de maio de 2020 atéjunho de2021, quando MiguelAfonso saiu do clube deVila do Conde e foi treinar o Famalicão. Depois de o caso ser tomado público, o Rio Ave admitiu ter conhecimento de “abordagens despropositadas” do técnico, justificando que não avançou com uma queixa por vontade dasprópriasjogadoras, quesentiam vergonha pela exposição pública e medo de represálias, enquanto o presidente do Famalicão ignorou as informações sobre o alegado comportamento incorreto do técnico na altura em que o contratou.

isaura.almeida@dn.pt

Técnico foi denunciado por alegado assédio sexual, junto da Federação e afastando do futebol

por 1050 dias – três anos.

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Futura Comissão Executiva da TAP não está fechada

Anabela Campos

Haverá mais saídas na gestão, dando margem ao novo presidente para fazer mudanças. Convite para sair surpreendeu CEO A decisão sobre a saída de Christine Ourmières-Widener da liderança da TAP já estava tomada há algum tempo, mas só foi comunicada à gestora francesa pelo ministro das Infraestruturas, João Galamba, na segunda-feira de manhã, e por telefone, apurou o Expresso. Fê-lo poucas horas antes da apresentação das conclusões do relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) ao processo de saída de Alexandra Reis, onde seria anunciada a sua exoneração.

A presidente da TAP (CEO) foi apanhada de surpresa com a decisão do Executivo, pois estava convencida de que iria continuar, porque a aplicação do plano de reestruturação está a correr bem e há uma privatização à porta. Christine Ourmières-Widener acreditava que o relatório da IGF iria fazer apenas uma baixa na gestão, a do presidente do Conselho de Administração, Manuel Beja, a quem cabe institucionalmente gerir as questões de governação corporativa. Estava tudo preparado para que fosse ele o bode expiatório de um processo que se iniciou com o despedimento (encapotado de renúncia) de Alexandra Reis e culminou com a demissão do ministro e do secretário de Estado da tutela: Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes.

O capítulo das mudanças na Comissão Executiva (CE) da TAP não deverá ficar por aqui. O ministro das Infraestruturas, sabe o Expresso, vai abordar cada um dos membros da CE — os administradores Gonçalo Pires (financeiro), Ramiro Sequeira, Sílvia Mosquero e Sofia Lufinha — para asseverar da sua vontade em continuar na equipa de Luís Rodrigues, o novo presidente.

Novo CEO poderá mexer na equipa

A tensão é grande no órgão de cúpula da TAP, apesar de no relatório da IGF ter ficado claro que a decisão e a negociação de saída de Alexandra Reis não passaram pela CE nem pelo Conselho de Administração. Não obstante, o administrador financeiro, Gonçalo Pires, sai fragilizado deste processo, uma vez que não comunicou a informação sobre a indemnização de €500 mil às Finanças, como alguns defendem que deveria ter feito. Politicamente poderá haver consequências, e tudo aponta para que esteja na mira dos partidos na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da TAP. Há outra questão que leva a acreditar que poderá ser aberto espaço na CE da companhia para que Luís Rodrigues possa contar com alguém escolhido por si na equipa de gestão. Estar apenas com administradores herdados da anterior CE e sem pessoas por si escolhidas foi uma das limitações que Christine Widener teve de enfrentar — um risco que o novo CEO, defendem fontes do sector, não devia correr.

Para já, Luís Rodrigues, o ex-presidente da SATA que deverá assumir a liderança da TAP em abril — a sua nomeação ainda tem de ir a Assembleia-Geral —, mantém o silêncio. Mas admite-se que possa chamar para mais perto de si Mário Chaves, o atual diretor-geral da Portugália, que assumiu funções a 1 de março e que era na SATA o braço direito de Luís Rodrigues, com funções operacionais. Foram uma dupla que funcionou bem na SATA, onde conseguiram recuperar receitas, clientes e implementar, sem agitação social, o plano de reestruturação a que a companhia açoriana também tem estado sujeita nos últimos anos. Mário Chaves, tal como Luís Rodrigues, já trabalhou na TAP.

Medina e Galamba mantêm distância

São cordiais, mas distantes, as relações entre os gabinetes do ministro das Finanças, Fernando Medina, e do ministro das Infraestruturas, João Galamba, e a informação trocada é a estritamente necessária. O relatório com as conclusões da IGF, sabe o Expresso, só chegou às mãos do ministro das Infraestruturas na segunda-feira de manhã. E era visível o incómodo de João Galamba na conferência de imprensa de apresentação do relatório. Galamba quer estar associado ao “virar da página” na TAP e tem argumentos para isso, uma vez que todo o processo de saída de Alexandra Reis e passagem pela NAV foi feito antes do seu mandato nas Infraestruturas.

A escolha de Luís Rodrigues para a liderança da TAP faz parte dessa mudança. O novo presidente conhece bem os cantos à casa — esteve cinco anos na transportadora, na equipa de Fernando Pinto, com dossiês difíceis como a manutenção do Brasil e a Groundforce, e foi administrador financeiro. E será quem irá liderar a preparação da TAP para a privatização. Missão que acumulará com a difícil tarefa de apaziguar trabalhadores empenhados em reverter os cortes e disponíveis para avançar com greves, numa operação de verão que terá de enfrentar com escassez de meios num aeroporto sobrelotado.

Privatização divide Governo

A venda da companhia é outro dos dossiês onde Medina e Galamba têm visões distintas, sabe o Expresso. As Finanças estão mais inclinadas para privatizar a totalidade do capital, enquanto as Infraestruturas defendem que, por razões estratégicas (e ideológicas), o Estado deverá ficar com uma posição com algum relevo — pelo menos um terço. A divergência face aos montantes a privatizar já vem de trás — em agosto, quando o Expresso noticiou que o Estado queria acelerar a venda da TAP, já havia membros do Governo a defender a venda de 100%, e Medina ainda não era ministro das Finanças. Será o Tesouro a liderar o processo de privatização, aliás o caderno de encargos está a ser desenhado nas Finanças e em circuito fechado.

acampos@expresso.impresa.pt

Saídas na gestão da TAP ainda não acabaram

Galamba só conheceu as conclusões do relatório na segunda-feira. Relações com Medina são distantes

IGF arrasa advogados, clientes estudam o que fazer

Relatório diz que figura jurídica usada para a saída de Alexandra Reis não existe. Advogados não foram ouvidos

O relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) vê indícios de infrações financeiras cometidas por Manuel Beja e Christine Ourmières-Widener, presidente do Conselho de Administração e da Comissão Executiva da TAP, respetivamente, mas, no caminho que percorre até essas conclusões, elenca falhas jurídicas ao processo de saída de Alexandra Reis da administração da transportadora aérea.

“Nulo” é como a IGF classifica a quase totalidade do acordo que levou à indemnização de €500 mil a Alexandra Reis, assinado em fevereiro de 2022, e que foi promovido pela Morais Leitão, que esteve ao lado da então administradora da TAP, e pela SRS Legal, que assessorou juridicamente a transportadora neste processo.

Desde logo, o organismo — que é autónomo mas integra a esfera do Ministério das Finanças — diz que o acordo utiliza uma figura jurídica (“renúncia por acordo”) que não existe no Estatuto do Gestor Público, o que se aplica aos administradores de empresas de capitais públicos, como é o caso da TAP.

Até os benefícios atribuídos à ex-gestora, como seguros e uso da viatura, foram mal decididos, diz a IGF. O relatório defende que alguns seriam admissíveis se fossem associados à cessação do contrato de trabalho, mas foram alocados à cessação do contrato de administradora.

Não é só a IGF que critica os advogados, já que tanto a presidente executiva da TAP como Alexandra Reis lhes apontam falhas, dizendo ambas que nunca foram alertadas para quaisquer desconformidades legais — não se sabe se procurarão ser ressarcidas pelo aconselhamento jurídico agora questionado e que poderá levar até a multas, mas a porta não foi fechada. Christine Widener já contratou uma advogada pessoal em Portugal, Inês Arruda. Alexandra Reis ainda equaciona como irá reagir.

Ainda que sejam personagens relevantes na indemnização, os advogados não foram chamados ao contraditório neste trabalho de auditoria da IGF. Os escritórios de advogados que patrocinaram as gestoras não se querem comprometer com grandes comentários. “A SRS Legal mantém-se convicta de ter aconselhado o seu cliente nos termos estritos da lei”, responde o escritório de Pedro Rebelo de Sousa. A Morais Leitão não faz comentários. Dentro das sociedades vai-se dizendo que o relatório da IGF é apenas um “parecer”, não é lei, e que pode ser contestado — mas nem a Morais Leitão nem a SRS responderam se irão atuar nesse campo.

O trabalho dos dois escritórios foi concentrado entre o final de janeiro e início de fevereiro, num período muito reduzido de tempo que, um ano depois, foi arrasado pela IGF.

SRS e TAP separam-se

Se a Morais Leitão e Alexandra Reis já selaram o fim da sua ligação há meses, como o Expresso noticiou em janeiro, a TAP vai deixar de trabalhar com a SRS Legal, que a assessorou na saída de Alexandra Reis e no plano de reestruturação. O contrato termina a 31 de maio. Nessa altura ainda deverá decorrer a comissão parlamentar de inquérito, onde o afastamento da ex-administradora está sob escrutínio.

Entretanto, a transportadora aérea conta com o apoio jurídico de outro escritório, a Sérvulo — que não quis confirmar ao Expresso. A TAP também não.

Diogo Cavaleiro com A.C.

dcavaleiro@expresso.impresa.pt

A razia à TAP em 193 páginas

O relatório da IGF e os seus anexos, pelos quais Fernando Medina, ao lado de João Galamba, deu a cara, trazem 193 novas páginas para a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP. A principal conclusão aponta para a “nulidade do acordo” de cessação de funções de Alexandra Reis na transportadora, validando apenas a parcela que diz respeito ao fim do contrato enquanto trabalhadora. A forma de “renúncia por acordo” não existe no Estatuto do Gestor Público, e a renúncia que está prevista nesse regime “não confere direito a indemnização”. Mas mesmo que a gestora tivesse sido afastada por “demissão por mera conveniência”, não havia direito à indemnização paga. Daí que seja pedida a devolução de €450 mil, com Medina a mandatar a TAP para pedir o reembolso — Alexandra Reis já disse que o fará. A IGF vê indícios de “responsabilidade financeira reintegratória e sancionatória” da CEO e do chairman da TAP. D.C.

NÚMERO

500

mil euros foi a indemnização com que Alexandra Reis saiu da transportadora em fevereiro de 2022. A IGF considera que a forma como se procedeu ao afastamento não dá direito a indemnização e por isso pede a devolução. Ainda assim, não vê razão para a devolução de todo o montante, pois valida os €56,5 mil pagos para cancelar o contrato de trabalho; já os restantes €443,5 mil devem ser reembolsados à TAP. Mas não só: há €6,6 mil em benefícios que foram mantidos, como seguros e uso da viatura, que a IGF contesta. Assim, o relatório aponta para a devolução de €450 mil à TAP. Só que há dúvidas, dizem várias fontes com quem o Expresso falou, porque a IGF nota que há montantes que são conforme a lei e que podem levar a uma redução do valor total a devolver: €17,5 mil pela remuneração de fevereiro e a retribuição pelas férias não gozadas (129 dias) e proporcionais de subsídios — que terão de ser reduzidos face aos €107,5 mil avançados, porque a TAP calculou-as sem o corte imposto aos gestores

CONHEÇA O O PERFIL DO NOVO PRESIDENTE DA TAP, LUÍS RODRIGUES, EM EXPRESSO.PT

IGF pode insistir em julgamento

As dúvidas levantadas pela IGF são relativas ao pagamento de €443 mil a Alexandra Reis para deixar de ser administradora da TAP e a €6,6 mil de benefícios que manteve. O organismo de auditoria viu indícios de infrações e o Tribunal de Contas (TdC) vai agora analisar se há mesmo razão para apurar “responsabilidades financeiras”, e enviar o caso para o Ministério Público, que, por sua vez, pode requerer julgamento na 3.ª secção do TdC. E poderá haver multas de €2500 a €18.360. A IGF vê indícios de responsabilidade financeira nos dois “autores” que assinaram pela TAP o acordo para a saída de Alexandra Reis — Manuel Beja e Christine Ourmières-Widener; mas também coloca os membros da administração como “responsáveis”. Mas mesmo que o Tribunal de Contas considere não haver razão para julgamento, a IGF — autónoma, mas que integra o Ministério das Finanças — poderá insistir e pedir, diretamente, o julgamento na 3ª secção do TdC. A.C. e D.C.

E6

Fernando Medina (à esq.) apresentou um relatório sobre a ilegalidade na saída de Alexandra Reis. João Galamba (à dir.) pretende virar a página com a nomeação de Luís Reis para a liderança da TAP FOTO NUNO FOX

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Lições de impunidade

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