31/01/2023 | Imprensa, Notícias do dia
Enfermeiros
Caso das deslocações de automóvel usadas para justificar complementos de remuneração leva Ministério Público a acusar Ana Rita Cavaco e outras 13 pessoas
Sociedade, 15
Bastonária dos enfermeiros acusada de peculato e de falsificação de documentos
Ana Henriques
Caso das deslocações de automóvel usadas para justificar complementos de remuneração leva MP a acusar 14 pessoas
A bastonária dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco, foi acusada pelo Ministério Público (MP) de peculato e de falsificação de documentos num caso relacionado com pagamentos de deslocações de automóvel, noticiou a Visão e confirmou o PÚBLICO.
O caso teve origem numa denúncia de uma antiga vice-presidente da Ordem, Graça Machado, que confessou ter recebido os quilómetros que nunca fez como forma de complemento do ordenado que recebia pelo desempenho do cargo. Esta antiga dirigente foi igualmente acusada de peculato. Ao todo, são assacadas responsabilidades criminais neste esquema a 14 pessoas, num total de cerca de 61 mil euros que, se esta acusação se provar em julgamento, terão de ser devolvidos à Ordem.
No entanto, é a Graça Machado que o MP atribui o valor mais alto que poderá ter de ser devolvido, 14 mil euros. Enquanto à bastonária poderão ser reclamados 10.631 euros.
Segundo uma sindicância da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) enviada à Polícia Judiciária, os montantes pagos à bastonária atingiram “nos meses de Junho, Agosto e Setembro de 2016 o valor de 3265, 3366 e 3984, o que equivale a mais de 400 quilómetros por dia nos dois primeiros meses e 498 quilómetros em Setembro. Ainda segundo os inspectores da IGAS, a secretária do conselho directivo da Ordem, Catarina Figueiredo, recebeu entre Fevereiro e Agosto de 2016 a quantia mensal de 466,92, o que indiciou “um complemento de remuneração e não a realização efectiva de quilómetros”.
Refere a acusação do MP que ficou evidenciado que a bastonária apresentou “despesas de almoços e jantares nos dias em que declarou deslocações que não fez”. “Nos dias em que apresentava para pagamento deslocações para fora de Lisboa, apresentava, em simultâneo, despesas de refeições tituladas por facturas emitidas por diferentes restaurantes localizados em Lisboa”, lê-se.
Um dos casos mais flagrantes é de Luís Furtado, vice-presidente da secção regional da Ordem dos Enfermeiros da Região Autónoma dos Açores. De acordo com o MP, este arguido residia em Santo António (ilha de São Miguel) e trabalhava na secção regional, em Ponta Delgada. Entre as duas localidades distam 15,8km. A título de exemplo, o arguido escreveu no mapa de deslocações que percorreu, numa única viagem e num só dia, entre a sua casa e o trabalho, 672km.
A Luís Furtado são reclamados 2945 euros.
Para o MP, quiseram todos os arguidos, “enquanto trabalhadores de uma associação pública e no exercício da sua actividade pública, adulterar os mapas de reembolso de despesas em deslocações em viatura própria, inserindo percursos e quilómetros forjados, para causar prejuízos [à Ordem], como causaram, que se viu privada de quantias monetárias das quais os arguidos se apropriaram, assim logrando obter vantagens patrimoniais que não lhes eram devidas”.
Ana Rita Cavaco já reagiu no Facebook às suspeitas de que é alvo. “Passados sete anos de investigações, repito, sete anos, o Ministério Público concluiu que recebi indevidamente 10 mil euros por quilómetros, inclusivamente justificando que estaria fora do país quando o meu bilhete de avião prova o contrário”, declara. “Tudo o resto foi arquivado. Repito, arquivado! Para quem andava aí a ladrar que me vestia com o dinheiro da Ordem dos Enfermeiros.”
A bastonária afiança que o Ministério Público está enganado: “Acusa-me de ter recebido 10 mil euros por quilómetros que acredita que não fiz e fiz! Percorri este país de ponta a ponta, conforme os enfermeiros podem confirmar.”
“Se a ideia é vergar-me agora, logo agora a finalizar o segundo mandato daqui a 11 meses, desistam!”, aconselha a arguida. Em comunicado oficial, a Ordem dos Enfermeiros explica que já esperava que todos os seus dirigentes fossem acusados, “à excepção de um deputado regional do Partido Socialista”. E acrescenta que foram arquivadas todas as suspeitas sobre despesas de representação, contratos de arrendamento, contratação pública, pagamento de portagens, subsídios de alimentação, subsídios de função e ilícitos fiscais.
“Os titulares dos órgãos da Ordem justificaram uma a uma, mesmo apesar do tempo decorrido desde 2016, todas as deslocações com que foram confrontados. Juntaram dezenas de documentos e indicaram várias testemunhas como prova do que afirmavam, tendo grande parte dos documentos sido completamente ignorados”, lamentam os dirigentes, insinuando que o Ministério Público prossegue interesses obscuros com uma acusação baseada em “cenários fantasiosos”: “Este processo faz parte de uma estratégia que não é nova e que serve interesses específicos, sendo que todos os detalhes sobre os ataques de que a Ordem tem sido vítima, perante a passividade de diversos responsáveis públicos, bem como os seus autores, serão tornados públicos a seu tempo.”
NUNO FERREIRA SANTOS
Bastonária apresentou despesas de deslocações que não fez, diz MP
30/01/2023 | Imprensa, Notícias do dia
Grande Lisboa é o território dos confrontos
P.4 e 5
Jovens em gangues veem violência como “sentido único na vida”
Rogério Maios justica@jn.pt
Quatro homicídios num ano em guerras de grupos de “drill”. Música
e série violentas inspiram.
Referenciados 700 jovens na Grande Lisboa
CRIMINALIDADE Quatro jovens foram mortos no ano passado, na Grande Lisboa, em confrontos e ajustes de contas entre grupos juvenis, numa onda de violência que só no outono começou a abrandar.
Copiam comportamentos inspirados nas redes sociais e em séries da televisão para se afirmarem, mas o que os move é sobretudo o “drill”, um estilo musical que glorifica os confrontos violentos entre grupos rivais. A Polícia Judiciária (PJ) está a monitorizar 27 destes grupos, envolvendo cerca de 700 jovens, apenas na Grande Lisboa. Para muitos, defendem especialistas, “a violência traz o sentido único na vida”.
“Marcelo chinada na chest, 3 na barriga puto eliminado”, é a letra da música dos PKA 45, um grupo de “drill” de Queluz que tinha um desafio pendente (“beef’) com o grupo MDM, de Cheias. Marcelo Correia, 16 anos, foi morto com três facadas na estação da Reboleira, em 2020, numa luta entre estes dois grupos. Nas suas músicas, gabam-se das mortes, de cara tapada. “No face, no case” (sem cara não há processo), apregoam, e até identificam próximas vítimas.
Nas zonas limítrofes da capital, alguns dos jovens autointitulam-se de “Sully”, “Duschane” e “Jamie”, três dos protagonistas mais violentos da série “Top boy”, da Netflix, que retrata de forma brutal e muito realista a violência entre gangues juvenis de Londres em luta pelo domínio do tráfico de drogas. A série tem dividido opiniões, entre os que apoiam a denúncia de uma realidade incómoda e os que temem a cópia de comportamentos violentos. Os grupos de Lisboa, Amadora, Sintra e Loures têm em comum as lutas combinadas e a vida sempre em risco. Alguns (ver texto ao lado) são também “frios”, “calculistas” e “muitíssimo perigosos”.
Os confrontos são marcados nas redes sociais, mas também há ajustes de contas e emboscadas em pleno dia e na via pública. O JN ouviu ainda relatos sobre elementos de grupos de “drill” de outros países que vêm a Portugal fazer ataques violentos, a pedido, e depois fogem, dificultando a investigação.
“BOOM”DESENCADEIAREAÇÃO
O pico de casos atingido no ano passado marcou um ponto de viragem relativamente à forma como este tipo de delinquência juvenil grave e violenta passou a ser encarado. Em 75 situações de homicídio consumado ou tentado registadas pela PJ nos primeiros seis meses, 16 envolviam estes grupos. Até setembro, quatro jovens foram assassinados.
No primeiro semestre de 2019, o único comparável com 2022, por estarem ambos fora da influência da pandemia, tinham sido registados apenas sete casos. Até ao final do ano passado, a PJ tinha em curso perto de centena e meia de inquéritos, envolvendo principalmente jovens de 18 a 21 anos, mas onde surgem outros cada vez mais novos, nalguns casos com apenas 14.
Este “boom” motivou uma resposta quase imediata das autoridades, com o aumento da vigilância e da pressão sobre estes grupos, com várias detenções. Fonte da PJ disse ao JN que os resultados desta estratégia começaram a notar-se em setembro passado, com uma acalmia que se mantém até agora. No entanto, garante, a criminalidade violenta relacionada com estes grupos é bastante volátil, podendo recrudescer a qualquer momento. “O problema está diagnosticado e os envolvidos monitorizados”, garante a fonte, explicando que a adesão dos jovens a estes grupos u exponencia os resultados das suas ações nas redes sociais”, mas também ‘‘permite a disseminação da responsabilidade e dificulta o trabalho de investigação”.
Maria João Leote de Carvalho, investigadora de delinquência juvenil na Universidade Nova e membro da Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta, criada pelo Governo no ano passado, considera que “os jovens encontram nos grupos de ‘drill’ a possibilidade de afirmação, de ter um público nas redes sociais e na darkweb, e conseguem-no mostrando um desvalor total pela vida humana”. “Muitos nem têm receio da prisão, é o caminho natural que percorrem para atingir o estatuto que procuram e, para estes, a violência traz o sentido único na vida”, afirma. O nível de adesão também é preocupante “Antes, eram seis ou sete que se encontravam para ajustar contas, hoje vemos dezenas ou centenas”, nota.
O fenómeno não é exclusivo de Portugal, nem resulta unicamente de “mimetismos”.
‘Julgo ser o uso da Internet e das plataformas sociais sem supervisão o principal motivo da escalada da violência, mais do que a imitação daquilo a que assistem noutros países”, refere a especialista.*
segurança
Fenómeno no topo da agenda das autoridades
O fenómeno mantém-se, no topo da agenda das Equipas Mistas de Prevenção da Criminalidade, criadas no âmbitos do Sistema de Segurança Interna , onde pontificam vários ministérios e as polícias, incluindo a PJ. Aliás, o tema fez parte de duas reuniões ocorridas na semana passada.
Gangues “muitíssimo perigosos” ameaçam testemunhas
MP alerta em acusação de homicídio a tiro
processo O Ministério Público (MP) de Loures acusou seis jovens do gangue PDS, do Lumiar, pelo homicídio de Manilson Novais, 19
anos, de um grupo rival de Loures, os K26, morto a tiro numa emboscada, em fevereiro do ano passado. Tratou-se de um ajuste de contas, após um elemento dos PDS ter sido esfaqueado numa luta com os K26.
No despacho de acusação, o procurador diz temer pela segurança das testemunhas e da população, visto os arguidos, com idades entre 18 e 20 anos e em prisão domiciliária, terem “personalidade fria, calculista e muitíssimo perigosa”. Com a dedução da acusação e o fim do segredo de justiça, ficam a saber a identidade das testemunhas e, por isso, o MP pediu a sua prisão preventiva.
O facto de estarem em prisão domiciliária não diminui os perigos para a ordem e a tranquilidade pública. Os cidadãos do concelho de Loures veem esta atuação cada vez mais reiterada dos jovens grupos, agravando-se o sentimento de insegurança já existente”, justifica o magistrado, exigindo também que as testemunhas sejam ouvidas sem a presença dos arguidos.
TRÊS TIROS DE CAÇADEIRA
No dia do crime, Manilson estava na rua com um amigo, do mesmo grupo. Uma carrinha parou. A porta traseira abriu e foram disparados três tiros, provocando a sua morte e ferindo a mãe do amigo. Segundo 0 MP, o crime foi gizado para vingar o esfaqueamento de um elemento do seu grupo. A caçadeira foi arranjada por um amigo, que responde por posse de arma ilegal.
A Polícia Judiciária de Lisboa deteve os jovens. Dois estavam em França e na Suíça e foram extraditados, e os restantes foram detidos no Bairro da Ameixoeira.
Quatro mortes em 2022
Manilson Novais, 17 anos, membro dos K26, de Loures, foi morto a tiro em Camarate, por quatro jovens do grupo PDS, do Lumiar, como retaliação pelo esfaqueamento de um dos seus elementos. Seis suspeitos foram detidos e aguardam julgamento.
António Teixeira foi baleado no peito a 25 de maio e acabou por morrer no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, onde foi largado pelos ocupantes de uma viatura que fugiram. A morte terá sido retaliação ao esfaqueamento de um rival na Amadora. A PJ investiga.
• “Jboogz’ (nome artístico) • 24 anos • Sacavém
“Jboogz”, cantor de hip-hop, de 24 anos e natural de Odivelas, foi atingido por tiros e morreu, a 4 de setembro, um domingo, no bairro da Quinta do Mocho, em Sacavém. Decorria uma festa designada “White Party”. Os suspeitos estão a ser procurados.
• Rúben Cissé , 21 anos, foi assassinado a tiro numa emboscada na Serra das Minas, Sintra, a 6 de agosto. O crime está a ser investigado pela PJ e aconteceu durante a tarde. A vítima foi atingida nas costas com dois disparos quando se encontrava na Rua Barbosa du Bocage.
Duas mortes punidas com mais de 15 anos de cadeia
Homicídios em Lisboa e na Amadora
JULGAMENTOS Rafael Lopes, 19 anos, foi assassinado na estação de metro das Laranjeiras, em Lisboa, em outubro de 2021, por rivalidades entre elementos do grupo ITF, da Quinta da Mira, Amadora, e do 200 Niggaz, da Cova da Moura, ao qual pertencia a vítima. Os quatro autores do homicídio, com idades entre 17 e 18 anos, foram condenados a penas de prisão entre os 14 e 17 anos, pela emboscada fatal. Queriam vingar um dos seus, esfaqueado por Rafael semanas antes.
Em fevereiro do ano passado, o Tribunal de Sintra condenou a 16 anos de prisão um jovem de 17 anos pelo homicídio qualificado de Marcelo Correia, na estação de comboios da Amadora, em outubro de 2020. O arguido, Wilson Gonçalves, fazia parte de um grupo que emboscou 0 rival.»
Governo criou comissão para estudar solução
VIOLÊNCIA – Governo criou em junho passado a Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta, como resposta ao “boom” no fenómeno do crime violento e grave associado a jovens. A Comissão deverá apresentar propostas que para a diminuição da delinquência juvenil e da criminalidade violenta a ela associada. As conclusões finais serão conhecidas em junho.
O grupo de trabalho integra os ministérios da Justiça, da Educação, do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Saúde. Segundo 0 Relatório Anual de Segurança Interna de 2021, foram detidos 832 indivíduos no ano passado no contexto de criminalidade grupai em todo o país.»
Música, videojogos e séries servem de catalisadores
Rogério Matos
justica@jn.pt
Ana Vasconcelos Pedopsiquiatra
A pedopsiquiatra Ana Vasconcelos entende que se os jovens agem com violência é por estarem perturbados emocionalmente. E que a pandemia e a guerra pioraram a situação.
Qual o papel que o “drill”, as séries violentas e os jogos têm na delinquência juvenil?
A música, o “drill”, pode criar um fenómeno de excitação coletiva no qual os jovens entram num descarrilar emocional que os leva a agir de forma violenta. Quando estão em grupos, perdem a consciência moral, contaminam-se uns aos outros. As séries violentas levam-nos a querer imitar 0 que veem, mas o maior problema são os videojogos. Quando algum dos jovens que acompanho joga Fortnite [um jogo de sobrevivência] durante uma hora, tem de se acalmar porque fica em êxtase, a querer imitar o que viu… se me matas eu mato-te.
O que está por trás deste comportamento?
Tudo o que é a generalização dos comportamentos desviantes tem de ser desmontado para cada jovem, que tem a sua própria história pessoal. Muitos estão em sofrimento, sentem-se ameaçados e estão com medo. Assim, se sentem isto dentro de um grupo, ameaçados por elementos rivais, agem para acabar com a fonte desse medo. Em casa, muitos pertencem a famílias disfuncionais e, durante a pandemia, tiveram de conviver mais com os seus pais, assistindo a discussões ou pior, 0 que lhes causou mais medo e os levou a sentir-se ainda mais ameaçados. Muitas vezes, agem para pedir ajuda.
Alguns são descritos como ‘frios, calculistas e perigosos”. Concorda?
Se são frios é porque estão a esconder o sofrimento, é um mecanismo de segurança dentro deles que os inibe de mostrar 0 que lhes causa sofrimento. O isolamento pela pandemia, as constantes greves dos professores que os levam a perder interesse pela escola, a guerra que aumenta a pobreza, são todos fatores que agudizam o sofrimento do jovem que ainda não tem construída uma consciência moral do certo e errado.
O que pode ser feito para travar esta onda?
Temos de dar tudo o que pudermos para levar os jovens a confiar nos adultos. Há muitos sinais que não compreendemos e que eles mostram como pedidos de ajuda.
Exemplo é um dos jovens que vandalizou uma escola em Carnaxide, foi um pedido de ajuda. Temos, como adultos, de compreender os sinais.»
Homicídio de Rafael, no metro das Laranjeiras, Lisboa, foi filmado por passageiros