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CIBERCRIME O nome do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) está a ser usado por piratas informáticos em mensagens de correio eletrónico cuja finalidade é roubar dados a quem…

DIVÓRCIOS SEM CONCILIAÇÃO

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PRESIDEN…

Proibir venda a estrangeiros é inconstitucional

Por Sónia Peres Pinto e Daniela Soares Ferreira

Medida inconstitucional e populista. É desta forma que vários especialistas contactados pelo Nascer do SOL reagem ao projeto de lei proposto pelo Bloco de Esquerda para proibir a venda de imóveis a cidadãos ou empresas com sede ou residência permanente no estrangeiro, como resposta ao aumento de preços no mercado imobiliário nacional. A ideia é seguir o exemplo do Canadá, onde, no início do ano, entrou em vigor uma nova lei que proíbe estrangeiros de comprar casas como investimento por dois anos.

Ao Nascer do SOL, o constitucionalista Paulo Otero diz que este projeto é inconstitucional por várias razões: «Em primeiro lugar porque traduz no âmbito do espaço europeu uma limitação às liberdades decorrentes da União Europeia, criando uma situação discriminatória entre os nacionais na aquisição de propriedade imobiliária e os cidadãos dos restantes estados membros da União Europeia». 

Já em relação aos cidadãos estrangeiros que não são membros da União Europeia, Otero lembra que a Constituição estabelece o principio geral da equiparação de direitos, mas também de deveres entre cidadãos nacionais e estrangeiros: «Os que se encontram ou que residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres dos cidadãos portugueses e os que querem vir também se aplicam os mesmos princípios, sobretudo no acesso à propriedade».

Também o politólogo José Filipe Pinto acena com o artigo 87 da Constituição, que prevê os investimentos por parte de pessoas singulares ou coletivas estrangeiras desde que contribuam para o desenvolvimento do país e defendam a independência nacional e os interesses dos trabalhadores. «Como tal, a proibição pura e simples é inconstitucional», diz ao Nascer do SOL. 

E diz que é uma proposta populista. «Este populismo sócio-económico do Bloco de Esquerda aponta para uma tentativa de proteger o interesse das classes mais desfavorecidas e da classe média baixa em relação ao grande capital». Questionado sobre se a proposta fosse apresentada pelo Chega, atira: «Seria uma manifestação de populismo cultural ou identitário e a justificação era não vender para não pôr em causa a independência nacional, para que sejam os portugueses os donos de Portugal».

De acordo com o politólogo, o que variava era o argumento, mas a posição de partida seria muito semelhante e se avançarmos «para a questão da proibição pura e simples temos um caso nitidamente de populismo e de demagogia».

‘Sem pés nem cabeça’

Também o presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP) dá cartão vermelho e este tipo de proposta, defendendo que é «um absurdo e que não tem pés nem cabeça». E acrescenta: «É dizer aos estrangeiros que não podem comprar mais casas em Portugal porque as casinhas que cá estão são para os portugueses». As criticas sobem de tom, com António Frias Marques a afirmar que «o passo seguinte é tirar as casas aos proprietários».

De acordo com o responsável, a solução para baixar os preços dos imóveis passa por uma aposta na construção. E lamenta que nos últimos sete anos o Governo não tenha feito nada para responder a estas necessidades. «O problema é que em sete anos deste Governo não foi construída uma casa então que as construam e que sejam atribuídas a quem delas realmente precisa. Ainda esta semana fiquei parvo com uma declaração de António Costa a dizer que vai sair mais legislação na habitação. Por dever de ofício tenho legislação da habitação e são caixas e caixas de leis, decretos de leis e portarias, etc. Ainda vai sair mais legislação? Mas a legislação não dá casa a ninguém. É um absurdo», refere. 

António Frias Marques admite ainda que, «numa análise empírica, as pessoas que querem comprar uma casa não querem aquelas que os estrangeiros querem. Não lhes interessa uma casona, nem querem imóveis de centenas de milhares de euros». Já os proprietários, «se conseguirem vender uma casa por dois milhões a um estrangeiro não vão vender por um milhão só porque o comprador é nacional. Não podem proibir as pessoas que têm uma casa para vender que não o possam fazer a estrangeiros, a não ser que queiramos transformar Portugal num gueto». 

E lamenta que o Bloco de Esquerda queira Portugaç a seguir o exemplo do Canadá, quando não são países comparáveis. «O Canadá é uma das maiores potências económicas do mundo. Tem indústria, comércio, agricultura, serviços, fabrica aviões, locomotivas, etc. A principal indústria em Portugal é o turismo e se acaba nem quero imaginar o que pode acontecer». 

Recorde-se que no Canadá a decisão teve como base o forte aumento dos preços das casas em 2020 e 2021, apesar de ter sido revertido no ano passado, antes desta lei entrar em vigor. Segundo os dados da Canadian Real Estate Association (CREA), os preços médios das casas no Canadá superaram os 800 mil dólares canadianos (quase 550 mil euros) em fevereiro passado mas desde essa altura baixaram cerca de 13%.

Com a inflação e como tem acontecido também na Europa, o Banco do Canadá tem aumentado os juros e as taxas de hipoteca no país estão a subir. O índice de preços do CREA cresceu 38% desde o final de 2019.

Medidas ‘precipitadas’

Nem as mediadoras percebem a sugestão do Bloco de Esquerda, considerando que não faz sentido. «Na sua maioria, os imóveis mais pretendidos pelo segmento internacional são distintos das habitações mais procuradas pelas famílias portuguesas, quer em termos de tipologias, dimensões, zonas, características e localização», começa por explicar ao Nascer do SOL Ricardo Sousa, CEO da Century21 Portugal, que defende que «não são medidas como esta, precipitadas e isoladas, que vão resolver o desafio do acesso à habitação», uma vez que existem «diferentes realidades no território nacional e não há uma solução que seja eficaz de forma transversal, nas diferentes regiões do país».

Questionado sobre se poderia ser uma solução para regular o preço das casas em Portugal, Ricardo Sousa diz que «é fundamental entender as políticas de habitação, enquanto parte integrante da estratégia de desenvolvimento sustentado da economia nacional» e considera que o Governo deverá «ser o elemento catalisador de uma nova estratégia integrada de desenvolvimento para o setor imobiliário, que incentive os operadores, públicos e privados, a trabalharem em conjunto na criação de uma maior oferta de habitação ajustada à classe média portuguesa».

E por isso defende ser «urgente» que se execute os programas ‘Primeiro Direito’ e a ‘Nova Geração de Políticas de Habitação’ «para se avaliar a sua eficácia e para começar a dar resposta a situações de urgência habitacional», lembrando que está também em curso uma medida de correção da atual conjuntura inflacionista, por parte dos bancos centrais, «através do aumento das taxas de juros –  que já está a impactar o mercado imobiliário e a provocar um arrefecimento no número de transações – que tem como objetivo travar a subida dos preços, também, na habitação». 

Preços sempre a subir e investimento estrangeiro

Os dados que dizem respeito aos preços das casas são um pouco díspares mas uma coisa é clara: os valores têm crescido muito nos últimos anos. A título de exemplo, os dados mais recentes da Confidencial Imobiliário mostram que em 2022, os preços de venda das casas em Portugal Continental cresceram 18,7%, «a valorização anual mais elevada dos últimos 30 anos». 

Já os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que no terceiro trimestre de 2022, o Índice de Preços da Habitação (IPHab) aumentou 13,1% em termos homólogos. Neste período, o aumento observado nos preços das habitações existentes (14,7%) superou o das habitações novas (8,4%).

E os estrangeiros não são o maior mercado, garantem as imobiliárias. O peso das vendas de clientes internacionais em Portugal «é marginal na maioria das nossas cidades», diz Ricardo Sousa, acrescentando que, em média, este investimento representa aproximadamente 6%, segundo o INE. «As transações imobiliárias com estrangeiros registam um peso e uma subida superior na região do Algarve, nas cidades de Lisboa e Porto, muito em consequência das operações suspensas do período da pandemia, tendo em conta as restrições de viagens internacionais».

Em entrevista à Luz., Beatriz Rubio, CEO da Remax, já tinha admitido que o investimento estrangeiro contribui para o aumento de preços mas apenas no mercado de luxo. «O nosso mercado continua a ser o português: 87%, seja ele alto, médio, médio-baixo».

Também em entrevista ao Nascer do SOL, Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), defendeu que «o investimento estrangeiro é bom para o nosso país».

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“A dor é tratável, o sofrimento não”

Sara Dias Oliveira

Nídia Macedo tem um glaucoma terminal, quase não vê, não quer ficar cega. Joana Silva tem Huntington e não quer acabar como o pai numa cama, sem andar, sem falar, sem respirar por si. Faz trails e quer viver junto ao mar. Tiago Antunes nasceu com uma doença degenerativa rara que lhe afeta os dois lados do corpo, nunca caminhou sozinho. Está a desenhar uma casa no campo com janelas do chão ao teto. Três pessoas (das poucas, muito poucas) que dão a cara pela eutanásia, pela sua liberdade de escolha, pelo direito a morrer com dignidade. Apaziguados com a vida, resolvidos com a morte. ‘ O terceiro envio da lei para o Tribunal Constitucional está-lhes atravessado na garganta.

Nídia, Joana e Tiago sofrem de doenças que os condenam. São, em Portugal, dos poucos que dão a cara pela eutanásia. A jornalista Sara Dias Oliveira conheceu-lhes as vidas, constatou como estão bem resolvidos com a morte e ainda conversou com quem os acompanha no dia a dia, sejam familiares ou amigos. Reinaldo Rodrigues fez as fotografias.

Nídia Macedo tem um glaucoma terminal, quase não vê, não quer ficar cega. Joana Silva tem Huntington e não quer acabar como o pai numa cama, sem andar, sem falar, sem respirar por si. Faz trails e quer viver junto ao mar. Tiago Antunes nasceu com uma doença degenerativa rara que lhe afeta os dois lados do corpo, nunca caminhou sozinho. Está a desenhar uma casa no campo com janelas do chão ao teto. Três pessoas (das poucas, muito poucas) que dão a cara pela eutanásia, pela sua liberdade de escolha, pelo direito a morrer com dignidade. Apaziguados com a vida, resolvidos com a morte. O terceiro envio da lei para o Tribunal Constitucional está-lhes atravessado na garganta.

Nídia Macedo tem um glaucoma terminal, irreversível, aos 75 anos resta-lhe 1% de visão. Vive sozinha num primeiro andar numa rua de sentido único no Porto, onde se movimenta sem bengala por ser chão que conhece, vai tendo ajuda nas tarefas de casa. Aos 59 anos, estava reformada por invalidez com 95% de incapacidade visual, depois de 34 anos a dar aulas de História, Ciências Sociais e Português. Nídia, ativista do 25 de Abril, mulher de luta, no movimento cívico Direito a Morrer com Dignidade desde o início, em 2015, é assertiva no que diz, convicta no que fala. Não quer ficar cega. “Quero morrer e ponto final.” Quando os seus olhos ainda permitiam, escreveu as letras garrafais, a maiúsculas, com marcador de tinta preta e grossa “Dossiê Doença Visual” numa folha que dá título aos seus relatórios médicos que junta em capas transparentes. Coloca-os em cima da mesa da sala de estar, como outros documentos que juntou ao longo dos anos, o livro “Ajudas-me a morrer?”, de Laura Santos, e o livro “Morrer com dignidade”, de João Semedo, companheiros de luta que já partiram. É como se ali estivesse a sua vida, como se ali contasse a sua morte. Pela casa, estantes com livros que já não pode ler, a biblioteca que o pai lhe deixou, a bengala branca junto à entrada. “Ainda estou viva e não queria.” Tentou morrer, engoliu 49 comprimidos de uma vez, foi para o hospital, resistiu.

Joana Silva fez 42 anos há dias, não comemorou os 40, não celebrou os 41, a pandemia não deixou, decidiu que os 42 seriam festa rija – e assim foi. Fim de semana esticado que começou numa sexta de manhã cedo, sozinha numa caminhada de casa em Vila das Aves, Santo Tirso, até Santa Rita, em Ermesinde, 30 quilómetros, cinco horas nas pernas, avistou dois milhafres, diz, comprou foguetes nos chineses para o bolo do jantar com as amigas. A festa acabou num domingo de sol na romaria de São Gonçalo, em Covelas, Trofa, com surpresa de bolo e champanhe. Na véspera, fez madeixas louras, deixou o cabelo escuro, vai-se habituando ao novo visual.

No almoço do dia do seu aniversário, na baixa do Porto, com francesinhas e finos na mesa, conta-nos a sua história. “Aquela expressão ‘não tenho onde cair morta’ a mim não se aplica.” Doou o corpo à Faculdade de Medicina do Porto e o cérebro ao Banco Português de Cérebros do Hospital de Santo António. “Eu tenho onde cair morta.”

Em abril de 2012, num teste genético que fez questão de fazer, Joana soube que tinha a doença de Huntington, tal como o pai, que morreu em maio de 2014. “Perdemos a capacidade de andar, de falar, de deglutir, de comer. Perdemos tudo”, descreve. Joana não quer chegar a esse ponto. Deixou de conduzir, não sente dor, tem movimentos involuntários. Está desempregada e quer voltar a trabalhar. “Ando à procura de viver à beira-mar, gosto de correr na praia, ver o pôr do sol. A minha neurologista recomenda.”

Tiago Antunes marca o encontro no castelo de Torres Novas. É fim de semana, almoço de sábado com os sogros, visita aos pais em Ferreira do Zêzere, regresso a Oeiras, onde vive, no domingo. O castelo tem significado, lugar do segundo encontro com Maria Reis, com quem casou em maio do ano passado. No primeiro, houve passeio à beira-rio e pôr do sol no alto da serra de Alvaiázere.

Aqui trocaram juras de amor. “O castelo é a nossa monarquia, estamos a construir a nossa monarquia.” Ele é o rei, ela a rainha, brincam. Ele diz mata, ela diz esfola nos diálogos a dois com constantes trocas de piada. Tiago tem 35 anos, uma doença degenerativa rara, artogripose congénita dupla, que lhe afeta os dois lados do corpo, o segundo caso diagnosticado em Portugal, o primeiro a dar feedback aos médicos. Nasceu assim, deram-lhe três dias de vida, nunca caminhou sozinho, cresceu numa aldeia de Ferreira do Zêzere, licenciou-se em Arquitetura, é deputado municipal no seu concelho. Em 2021, escreveu o livro “Joana” para falar sobre a eutanásia. Um romance sobre uma mulher com cancro terminal, 300 exemplares vendidos numa semana. “Não chorem por mim porque eu morri, sorriam porque eu tive a oportunidade de viver.” Esta frase na capa do livro diz muito de si. Tiago tem sido voz e corpo que defende a morte assistida. “É a minha luta, é o meu destino”, garante. É maior do que tudo.

Vive com dor constante, no corpo, nas costas, meia escoliose, anda com ajuda de órteses. Fez 17 cirurgias: “16 da cintura para baixo, uma no braço partido a andar de moto-quatro”. A cadeira de rodas é recente para recuperar de uma inflamação que lhe entrou numa fissura entre os dedos. “O bicho entrou cá para dentro.” Não quer habituar-se à cadeira de rodas, quanto mais tarde, melhor. Quer viver e morrer com dignidade. Defende a liberdade de escolher como morrer. “A morte é um tabu, sobretudo num país predominantemente católico. No entanto, eutanasiamos animais ao mínimo sinal de doença terminal”, comenta.

“VIVER E ESTAR VIVO SÃO DUAS COISAS DIFERENTES”

A doença nos olhos de Nídia é uma herança pesada, sobretudo do lado do pai, médico, bacteriologista, morreu cego de um olho, já o bisavô tinha cegado com um glaucoma. “É fortissimamente genético e eu apanhei a carga toda, já nasci míope.” Aos nove anos, nove dioptrias, a professora chamou o pai à escola, avisou que a filha, sentada na primeira fila, franzia os olhos a olhar para o quadro. Aos 41, eram 17 dioptrias. Depois cataratas precoces, operação, aos 55 o glaucoma que assegura não ter sido diagnosticado. Aos 59, a invalidez e o tanto que lhe custou deixar de ensinar. “Já não conseguia distinguir o rosto dos alunos nem corrigir os testes.” Manteve-se na escola, na biblioteca, a ajudar os alunos a estudar durante três anos na EB 2,3 de Augusto Gil.

Nídia está a piorar. “O glaucoma vai comendo o nervo ótico, é uma doença silenciosa.” Gotas duas vezes de manhã, duas vezes à noite. “São fortes, as gotas.” Mais antidepressivos e calmantes que a vão aguentando. Sai de casa de vez em quando, encontra-se com algumas amigas na baixa do Porto, não há um ritual, é quando apetece. Escuta os debates na TSF, a música na Antena 1. Aprecia pessoas com opiniões fortes, firmes, seguras. “Gosto de sentir o pulsar da população.”

Adélia Pinto, amiga de longa data de Nídia, respeita a sua última vontade. “É uma mulher de luta, uma intelectual, uma contestatária, uma grande senhora. Na cabeça dela, está mais do que esclarecido que quer a morte assistida, ter uma morte com dignidade.” Entende-lhe os desgostos, não ler, não ver, aquela frase tantas vezes repetida: “Não quero morrer cega, não quero morrer cega”. Lembra-se da sua paixão, do seu amor maior. “Enquanto conseguia ler, devorava livros, mastigava-os, comentava-os.” Já não pode, já não consegue. “Queria partir em paz, está cheia de tentar e não consegue”, diz Adélia.

Joana faz trails, caminha no grupo “Andar a pé cansa”, restaura móveis e pinta em acrílico como passatempo. Meteu na cabeça que este ano vai aprender a tocar bateria. A sua cabeça, garante, é como o amigo de Tom Sawyer e seus pés que quase não tocam no chão. “É como a minha cabeça, corre descalça por ali fora e ninguém a pára.” No pé direito, tem duas pequenas tatuagens: um coração feito num Dia da Mãe e uma joaninha que lhe lembra um acidente de bicicleta em 2008. Os travões falharam numa descida, partiu-se toda, levou dez pontos na cabeça.

“A dor é tratável, o sofrimento não”, atira Joana que viu o pai com mau feitio, viu o pai violento, viu o pai vegetar, viu o pai morrer. Tinha 20 anos quando foi com ele a um neurologista pela primeira vez, falaram de uma doença degenerativa do sistema nervoso central, doença hereditária. Falaram em internar o pai, que recusou. “Desde os meus 20 anos que queria saber se tinha a doença do meu pai.”

Sílvia Machado é amiga e advogada de Joana, primeiro amiga, depois advogada, tratou-lhe do testamento vital, sabe desse medo. “O maior receio é ver-se na mesma situação do pai. Soube o que tinha, bem ou mal interiorizou, tem consciência da doença que tem.” E não adianta dizerem-lhe que com ela pode ser diferente, colocar paninhos quentes não funciona. “Não dá espaço para romantizar a vida dela.” De resto, bastante prática, quer música e vinho no seu funeral, anda a tentar convencer o agente funerário. “Encara a doença de uma maneira muito prática, não se vitimiza.” E onde está, nota-se. “É muito frontal, muito bem-disposta, muito sociável, tem muita energia, não se importa com o que as pessoas pensam, é muito livre nesse sentido”, adianta Sílvia Machado.

Nídia é ateia, não acredita em nenhum deus. “Estendia o bracinho e ficava em paz e em libertação porque não ando em paz.” “Não quero ficar cega, já mal consigo ver a carinha dos meus sobrinhos-netos. Qual o sentido que tem a vida, que horizonte, que futuro?”, pergunta, pergunta-se. Custa-lhe ter visto e já quase não ver. “Adorava viajar e não posso viajar, adorava ler e não posso ler, queria manter-me ativa em movimentos sociais e não posso.” A paixão pelo teatro, pelo cinema, pelas exposições, pela escultura. “A minha vida cultural ficou reduzida a zero.” É uma sensação de perda irremediável. Adélia, a amiga, sabe que os dias de inverno lhe custam a passar, que os comprimidos a ajudam a dormir, a encurtar o tempo acordada. Sabe das cartas que escreveu a deputados. Não ficará triste se Nídia for antes de si. “O dia em que souber que ela partiu ficarei feliz porque é o desejo dela.”

Tiago apresenta-se no Facebook com uma expressão que a avó lhe dizia: “Armado em carapau de corrida.” Conduz um carro adaptado, tem pensão de invalidez desde sempre, trabalhou na Câmara de Ferreira do Zêzere, numa empresa de construção em Ourém, numa multinacional de pré-fabricados, agora diz que é “desempregado profissional”.

Tem os dois braços tatuados. O símbolo do infinito que se contorce numa chave e tem a palavra coragem. “A coragem é a chave de tudo”, explica. Uma coroa real portuguesa inspirada na canção de Johnny Cash que fala de um rei de um pedaço de terra, uma outra com “não desistas, não te rendas” em latim. “Viver é criar memórias, estar com a família, gargalhar, discutir.” Quer que se lembrem dele como um homem que consegue brincar, sorrir. Um homem que consegue fazer. “Viver e estar vivo são duas coisas diferentes, pelo menos para mim”, afirma.

Casou-se com Maria Reis, Ana Maria, 12 anos, é sua enteada, filha de coração. Querem viver no campo, têm saudades da terra, Tiago está a desenhar a planta da casa que vão construir em forma de U, três quartos, cozinha, sala, janelas do teto ao chão, três alçados estão feitos, falta um, depois impressão 3D, ainda anda a matutar a maneira de colocar uma claraboia no teto do quarto, como pediu Maria, que quer ver as estrelas na cama.

ABALAR CONSCIÊNCIAS POR UM DIREITO

Maria Reis, bombeira, tem orgulho do marido Tiago, por dar a cara por esta causa. “É um tema complexo, é um tema tabu, as pessoas ainda são um bocado retrógradas, vivemos numa sociedade de hipocrisia, hipocrisia da Igreja que matou tanta gente na Inquisição.” Questiona-se porque é que os médicos podem fazer abortos, em determinadas circunstâncias, e não podem praticar eutanásia, em condições específicas. Maria esteve internada em pneumologia 12 dias, ao lado de uma mulher com um cancro terminal que morreu ali. “Os rins deixaram de funcionar, os órgãos começaram a desligar-se, dizia coisas sem nexo, os gritos à noite eram horríveis. Vi com os meus próprios olhos a hipocrisia.” Não concorda com um corpo a vegetar numa cama a olhar para o teto não se sabe por quanto tempo. “Estamos a viver num mundo cruel, onde falta empatia e humanidade, principalmente humanidade.”

Joana é devota de Santa Rita, padroeira das causas impossíveis. Começou na faculdade, uma colega falou-lhe que pedia ajuda à santa na altura dos exames, Joana começou a fazer o mesmo, foi atendida algumas vezes. Ficou-lhe a devoção. “Sou católica não praticante, rezo outro credo.”

Cristina Ferreira e Joana conheceram-se em 2007, no centro de emprego do Porto, onde trabalhavam, passaram o último Natal juntas, 60 pessoas à mesa em casa da tia de Cristina, são família de coração. Dias depois do resultado do teste genético, Cristina ligou-lhe, queria saber de si, o que tinha feito. “Tenho comido arroz, gosto tanto de arroz, e um dia sei que não vou poder comer arroz”, ouviu como resposta. “A Joana é uma pessoa feliz, apesar dos atropelos, que sabe viver, que valoriza a amizade.” Mulher de abraços, de gargalhadas, divertida, animada. “Uma guerreira, uma pessoa determinada.”

Joana, licenciada em Gestão de Recursos Humanos, que foi técnica superior de emprego no Centro de Emprego do Porto, trabalhou na Ordem da Trindade, vai continuar a dar a cara, a “fazer barulho”, como diz. “Dou a cara pela legalização da eutanásia, para abalar consciências para que seja um direito reconhecido e a lei aprovada. Faz sentido dar a cara. Acredito mesmo que é um direito que custa a ser reconhecido, mas que não acontecerá num curto espaço de tempo”, partilha.

Filipa Martins, amiga de Joana, reconhece-lhe esse sentido, essa entrega, a desconstrução constante da doença. Conhece-a antes e depois de Huntington. “Acompanhei o processo de querer descobrir a doença e, de forma surpreendente, não alterou muito a personalidade dela. Foi uma aceitação muito natural da doença, da condição”, recorda. “Tentou, muito cedo, dar-lhe um significado”, acrescenta. Filipa vê em Joana uma “verdadeira inspiração” e a maneira como fala disso ajuda. “Fala com naturalidade, com alguma crueza, mas com muita verdade. Sentiu que esta luta pela eutanásia é uma espécie de missão.” Joana vive o presente, alimenta-se da energia dos amigos, os amigos alimentam-se da sua energia e boa disposição. “Quer tirar partido o máximo partido dos prazeres da vida e ela sabe fazê-lo. Quer criar momentos”, conclui Filipa.

A autoavaliação de Nídia é lúcida, desarmante até. Fez o testamento vital, a família direta respeita a sua visão (duas irmãs, quatro sobrinhos, seis sobrinhos-netos), não chega a ser assunto de conversa. Nídia tem muitos documentos desta sua luta, cartas que escreveu, palavras que ditou para um amigo que as passava a computador. Mandou um caixote para Pacheco Pereira. E a fronteira dilui-se. “Morte assistida com dignidade e eutanásia, a diferença é muito ténue, não faço diferença nenhuma. Os cuidados paliativos não levam a nada e a eutanásia já se pratica em Portugal há muitos anos, carregam na morfina e partem. A libertação é a morte para quem está doente”, atira Nídia. “Sou contra o sofrimento, venho de uma família de médicos, de parte do meu pai, não aceito o sofrimento humano de maneira nenhuma”, sublinha.

Nídia assegura que reúne as condições para morrer com dignidade em Portugal, segundo a lei, glaucoma terminal, incurável, irreversível. A papelada está arrumada. “Tenho tudo muito organizado, atestados que nunca mais acabam, é um festival de atestados.” Sobretudo um relatório de um hospital público de 2020. “Este relatório é lapidar, reúno as condições.”

Aqui ao lado, em Espanha, a eutanásia não é crime, tal como na Holanda, Bélgica e Luxemburgo na Europa, bem como no Canadá, Uruguai, Colômbia e em cinco estados dos Estados Unidos no continente americano. A Suíça aceita o suicídio assistido.

VOLTAR À ESTACA ZERO, O EXCESSO DE VÍRGULAS

“Marcelo enviou diploma para o Constitucional por excesso de vírgulas “, escreveu Joana no seu Facebook a 5 de janeiro. Tiago também reagiu nas redes sociais: “Mais uma vez voltamos à estaca zero (ou perto disso) em relação à eutanásia”. “Eu li o projeto de lei, eu guardei o projeto de lei e como leigo percebi todos os termos, todas as condições e etapas do processo. Que mais é preciso esclarecer??”, acrescentou.

Joana acompanha o processo desde o início, assistiu à primeira e segunda votações no Parlamento – lei chumbada na primeira, aprovada na segunda. Na primeira, não ficou surpreendida. “Pela aragem vê-se logo quem vem na carruagem, pelo som dos aplausos nas galerias do Parlamento, percebia-se que ia ser chumbada, as tias com as suas saias azul-marinho e os cordões da Nossa Senhora da Conceição, Assunção Cristas ainda estava no Governo.” Na segunda vez, há três anos, lei aprovada no Parlamento, pediu para a beliscarem, ficou em êxtase. Depois o chumbo, o benefício da dúvida dessa vez, à segunda não entendeu, à terceira é difícil digerir. “É a infantilização do processo. A única certeza que temos quando nascemos é que vamos morrer. Porque não podemos morrer com dignidade? Porque temos de prolongar o sofrimento? Já que vamos morrer porque não podemos antecipar o momento e morrer com dignidade?”, insiste.

Em 2018, a lei da morte medicamente assistida era chumbada pela maioria de Direita na Assembleia da República. Em dezembro de 2020, aprovada pela maioria de Esquerda, mas rejeitada pelo Tribunal Constitucional. Em novembro de 2021, novamente aprovada pelos deputados, vetada por Marcelo Rebelo de Sousa. Novamente aprovada em dezembro de 2022, enviada para o Tribunal Constitucional que ainda não se pronunciou.

Na primeira versão da lei, Tiago escreveu ao presidente da República, queria falar-lhe da eutanásia, explicou-lhe os seus motivos, recebeu em resposta que o senhor presidente se pronunciaria quando tomasse uma decisão. “Dias depois, recebeu todos os líderes religiosos. Doeu. Porque não ouve os doentes? Não somos uns palerminhas que não possamos ajudar.” A lei parece-lhe tão clara, leu-a várias vezes. “Só quem quer é que vai pedir a eutanásia, só quem está no limite.” A esperança esvai-se. “Quando mudarem a geração de políticos, talvez”, talvez seja aprovada. “Espero ainda estar vivo.”

A lei aprovada no final do ano passado, agora no Constitucional, clarifica o que é doença grave e incurável: “Doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade”. O pedido é livre e consciente. “Por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”, lê-se.

Nídia conhece a lei, está indignada com o envio para o Constitucional, sente, confessa, “uma ansiedade desesperante”. “Sinto-me uma equilibrista que está a perder o equilíbrio”, desabafa. A sua revolta tem o nome de Marcelo Rebelo de Sousa. “Quem tem levantado problemas mesquinhos é o presidente da República. Responsabilizo-o, com a sua atitude rígida, absolutamente inflexível em relação à morte assistida, por manter centenas de portugueses num sofrimento físico ou emocional anos e anos.” E continua.

“A eutanásia é uma decisão livre e consciente e o presidente da República não respeita a liberdade, está a manter-nos prisioneiros de nós mesmos.” E continua. “No fundo, ele está a trair todos os doentes que estavam com uma esperança enorme de que a eutanásia fosse aprovada agora. Com este presidente não acredito que a lei seja promulgada, está sempre a arranjar minudências.” Uma vez chumbada, três vezes aprovada no Parlamento.

“O presidente da República que pare de falar sobre aquilo que não sabe porque cada doença é única, individual e intransmissível”, pede Nídia que, por vezes, sente que está a perder as pontas à eutanásia, o fio da meada. “Lá limaram, lá limaram, tiraram a palavra fatal.” Nídia recorda uma frase de Daniel Oliveira que ouviu no “Eixo do Mal” da SIC Notícias. “A última fronteira de liberdade do nosso corpo é a morte escolhida por nós”, repete.

A vida segue e Tiago tem planos. Gostava de ser pai, pai biológico, providenciar um final de vida feliz aos pais, reconstruir-lhes parte da casa, voltar para o campo, criar uma empresa de impressão 3D para captar jovens para a sua terra, fazer maquetas para ajudar os arquitetos a reduzir custos, fugir ao stress da cidade, estar com a família. Querem criar memórias juntos e que elas perdurem. Maria Reis quer que o marido viva e sinta e parta quando achar que tem de partir. No próximo verão, querem ir para o rio, os três, levar o cão Simba. “Cheirar o musgo, cheirar eucaliptos, sentir a água do rio.” É isso que Maria Reis quer para Tiago. Viver e sentir um dia de cada vez.

António José Vilela Mesmo nacionalizado branqueava dinheiro

O BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL (BANIF), FUNDADO EM 1988 E EXTINTO EM 2015, FOI COBIÇADO PELO PODER ANGOLANO. POR ALI TAMBÉM TERÃO PASSADO 1,4 MIL MILHÕES DE EUROS CLANDESTINOS’ DE UMA GRANDE CONSTRUTORA BRASILEIRA DESTINADOS A PAGAR A CORRUPCÃO DE POLÍTICOS DE TRÊS CONTINENTES

0 livro ‘A Teia do Banif – Dos Negócios da Elite Angolana à Lava Jato’ (ed. Casa das Letras), que chegou esta semana às livrarias, em 300 páginas cheias de documentos inéditos (incluindo escutas telefónicas e e-mails confidenciais) e registando os nomes de muitos dos intervenientes, revela “os planos secretos de um banco maldito”.

Como começou este interesse pelo Banif?

Desde a queixa-crime apresentada, em 2008, pelo Governo de Angola à Procuradoria-Geral da República de Portugal para tentar recuperar o dinheiro de uma alegada burla com ações do Banif, em que teria desaparecido um montante entre 100 e 170 milhões de euros. Os angolanos teriam disponibilizado verbas a intermediários portugueses para entrarem no capital do banco, mas esses ‘testas de ferro’ não terão concretizado o negócio. Altos quadre>s do regime, incluindo o governador do Banco Nacional de Angola, vêm, então, a Lisboa para prestar declarações às autoridades portuguesas, tentando conseguir a devolução do dinheiro. O Ministério Público quebra o sigilo bancário e descobre um conjunto de negócios estranhos. Entretanto, o executivo de Luanda rapidamente estabeleceu com os interlocutores iniciais um acordo confidencial (a que tive acesso), concorda ser ressarcido apenas em 20 miIhões, e retira a queixa.

Angola já queria entrar no nosso sistema financeiro?

Muito antes do interesse pelo BCP ou pelo BCI, houve essa tentativa de conseguir uma participação de 49% no Banif, ainda na década de 90. De forma discreta, para não assustar os portugueses, procuravam controlar um pequeno banco para fazer vários negócios, incluindo a compra de armas – pois, nessa época, havia a guerra civil com a UNITA. E, ainda hoje, há muito dinheiro de Angola na banca portuguesa – que não é só o de Isabel dos Santos. Na altura, escrevi vários artigos sobre o tema e muitas daquelas personagens iriam tornar-se conhecidas, poucos anos depois, da nossa Justiça, que os começa a investigar em vários processos: Manuel Vicente, Álvaro Sobrinho, Higino Carneiro, ‘Kopelipa’, Carlos Feijó.

Passamos para os bastidores das investigações.

A partir deste primeiro escândalo, outros se sucedem, até à condenação do procurador Orlando Figueira – que arquivou os processos do ‘Caso Banif’ e do ‘BES Angola’, tendo destruído vários documentos dos processos, com o acordo da diretora do DCIAP -, acusado de ter sido subornado por Manuel Vicente, em troca de favorecer, nas acusações que estavam a correr nos tribunais portugueses, o ex-vice-presidente de Angola e antigo presidente da Sonangol. Ou o duplo papel do procurador-geral da República de Angola, João Maria de Sousa, que era o interlocutor das autoridades portuguesas no acionar daquela queixa-crime e, ao mesmo tempo, andava a negociar, na sombra, os honorários dos advogados para defender os seus amigos, que passavam a ser investigados no nosso país.

“Na altura, escrevi vários artigos sobre o tema e muitas daquelas personagens iriam tornar-se conhecidas poucos anos depois” no circuito mundial de lavagem de dinheiro criado pela construtora brasileira Odebrecht [em 2020, passou a chamar-se Novonor]?

Entre 2005 e 2015, só por cinco contas principais, terão passado 1,5 mil milhões de dólares (1,4 mil milhões de euros) para pagamentos alegadamente corruptos dessa multinacional brasileira, com atividade em 21 países e que se dedica a obras públicas gigantescas (barragens, aeroportos, hospitais). Ao contrário do estipulado nas obrigações para a prevenção do branqueamento de capitais, o banco nunca alertou a UIF [Unidade de Informação Financeira] nem o DCIAP [Departamento Central de Investigação e Ação Penal] para movimentações que, de um dia para o outro dia, eram transferidas para sociedades instrumentais sediadas em paraísos fiscais. Mas, em junho de 2014, quando já havia notícias a associar o Banif com o escândalo de corrupção brasileiro da Lava Jato, comunicou à UIF três operações sus- peitas, cujas contas foram bloqueadas. A partir daí, os peritos da PJ encontraram outras, por onde teriam passado valores elevadíssimos e, sendo questionado sobre essas descobertas, o banco não deu qualquer explicação. Naquela altura, em quatro das contas principais, havia um remanescente de menos de 5 milhões. E a Judiciária só em 2020 é que obteve a informação de que, logo no início de 2015, quando a rede internacional de bancos e de entidades-fantasma dos ‘offshore’ começaram a ser conhecidos, houve uma ordem dos responsáveis da Odebrecht para os seus operacionais retirarem aquelas verbas para o Brasil ou esconderem-nas em contas na Suíça.

E depois?

O processo foi remetido para o procurador Rosário Teixeira, que logo associou aqueles dados com um dos processos que estava a investigar, o caso Monte Branco, em que a Odebrecht Portugal já tinha sido alvo de buscas, em 2012, por fuga ao fisco – havendo ainda a suspeita de que teria recebido dinheiro vivo, proveniente de ‘offshores’, entre 2007 e 2012, destinado a eventuais pagamentos de “luvas”. Entretanto, chegara um pedido de colaboração internacional do juiz Sérgio Moro, que estava à frente da investigação Lava Jato, sobre o papel do banco lisboeta no complexo esquema da corrupção brasileira.

O Banif acumulou prejuízos e implodiu, mas foi intervencionado, em 2013, para se evitar a falência (tendo sido ali injetados 3 000 milhões de euros) e acabaria por ser vendido, em dezembro de 2015, ao Santander, por 150 milhões. Mas, mesmo quando já estava nacionalizado, através de um pacto de silêncio interno, continuava a branquear dinheiro.

Qual foi o papel do Banif nos procedimentos ilícitos da Odebrecht?

As duas cartas rogatórias brasileiras apontavam para uma denúncia que indiciava que teria havido movimentações feitas a partir da instituição financeira que o Banif tinha nas Ilhas Caimão para pagar, em 2012, subornos a políticos e gestores públicos brasileiros. Além das verbas que teriam saído de Lisboa para facilitar contratos em Portugal e noutros países, nomeada- mente em Angola.

Em que países houve subornos?

No Acordo Judicial assinado pela Odebrecht com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos – para conseguir baixar a multa que lhe foi aplicada – foi admitido que era uma dúzia. Além do Brasil, Portugal, Angola e Moçambique, o procedimento repetiu-se na América Latina: Argentina, Venezuela, Colômbia, México e Peru (onde o presidente Alan García, por ter aceitado receber dinheiro, acabaria por se suicidar).

Há suspeitas sobre adjudicações em Portugal?

Num relatório confidencial, a PJ coloca a hipótese de alguns pagamentos poderem estar associados a “favores” em relação a empreitadas da Odebrecht que, desde 2009, construiu a Ponte Vasco da Gama, as novas linhas do Metropolitano de Lisboa, o Aproveitamento Hidroelétrico do Baixo Sabor, além de obras em barragens, ferrovias, autoestradas, portos, aeroportos e estações de tratamento de esgotos. Mas as investigações ainda estão em curso. Interessava apurar quem, no Banif, conhecia e autorizou estas operações e quais foram os verdadeiros beneficiários.

“Mesmo quando já estava nacionalizado, através de um pacto de silêncio interno, continuava a branquear dinheiro”

“As investigações ainda estão em curso. Interessava apurar quem, no Banif, conhecia e autorizou estas operações e quais foram os verdadeiros beneficiários”

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