7:49 Hoje nas notícias: Efacec, SNS e solar

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A Sodecia regressou à corrida para a privatização da Efacec. A dívida aos fornecedores do SNS está em máximos desde os anos da troika . Conheça estas e o…

Manuel Pinho começou a receber do saco azul do GES a partir de 1994

“Um verdadeiro agente infiltrado do BES/GES no Governo da República”. Conheça os pontos essenciais da acusação contra Manuel Pinho, a sua mulher Alexandra e Ricardo Salgado.

Era uma acusação inevitável. Desde que o Observador revelou em exclusivo em abril de 2018 que Manuel Pinho tinha recebido uma avença mensal de 14.963,94 euros da sociedade offshore Espírito Santo Enterprises, o famoso saco azul do Grupo Espírito Santo (GES), enquanto foi ministro da Economia do Governo de José Sócrates, que era uma questão de tempo até o Ministério Público (MP) encontrar indícios de alegados favorecimentos do grupo liderado por Ricardo Salgado.

Mais do que um “mero informador” de Salgado, Pinho é classificado na acusação deduzida esta quinta-feira como “um verdadeiro agente infiltrado do BES/GES no Governo da República” que, como contrapartida, terá recebido cerca de 2,1 milhões de euros entre julho de 2002 e abril de 2014 do saco azul da ES Enterprises e outras alegadas contrapartidas que lhe foram concedidas a si e à sua mulher Alexandra.

Pior: Pinho, que era quadro do BES desde 1994, começou a receber do saco azul do GES precisamente a partir daquela altura. Tal como os membros da família Espírito Santo e os quadros de maior confiança, como demonstram estas investigações do Observador à origem dos “suplementos remuneratórios” do GES publicadas em 2016 e 2018.

No total, são mais de 5 milhões de euros que explicam o “pacto corruptivo” estabelecido entre Pinho e Salgado para beneficiar o GES em processos tão diferentes com a classificação de Projeto de Interesse Nacional (PIN) para as herdades da Comporta e do Pinheirinho, alterações legislativas que terão favorecido empresas como a Água do Vimeiro ou a ajuda a clientes do BES.

Pelo meio, Pinho e a sua mulher Alexandra foram ainda acusados dos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais por não terem declarado capitais totais de cerca de 179.567, 28 euros no ano fiscal de 2011. Enquanto que Salgado viu também o MP imputar-lhe um crime de branqueamento por ter alegadamente ajudado o ex-ministro a lavar dinheiro.

Projeto PIN da Herdade de Comporta: Pinho antecipou-se à aprovação da comissão
Uma das novidades do despacho do MP prende-se com o facto de serem imputados dois crimes de corrupção ativa e passiva a Ricardo Salgado e a Manuel Pinho. O primeiro grupo desses alegados benefícios tem a ver com os projetos PIN.

No dia 11 de maio de 2005, dois meses após a sua tomada de posse como ministro da Economia, Manuel Pinho apresentou no Centro Cultural de Belém (com a pompa e circunstância que rapidamente se tornou habitual no Governo de José Sócrates) o conceito PIN que tinha um propósito simples: “Facilitar o mais possível o investimento privado”, através de uma espécie de via verde de desburocratização para projetos escolhidos a dedo por uma Comissão de Avaliação e de Acompanhamento liderado pelos ministérios da Economia, Ambiente e Finanças.

O número total do investimento privado previsto anunciado por Pinho ascendia a “25 biliões de euros de novos projetos” e 15.000 empregos diretos. E só numa primeira fase.

Nesse mesmo dia 11 de maio de 2005 concretizou-se uma transferência entre duas contas bancárias. A conta da sociedade offshore ES Enterprises foi debitada em 500 mil euros, valor que foi transferido para a conta de outra empresa com sede num paraíso fiscal chamada Tartaruga Foundation.

Esta empresa secreta pertencia a Manuel Pinho e a à sua mulher e foi criada no mesmo mês em que o primeiro tomou posse como ministro da Economia. A partir de Março de 2005 e até junho de 2009, o período em que Pinho esteve no Executivo de Sócrates, foi transferido todos os meses o mesmo valor de 14.963,94 euros. O MP classifica este valor como uma avença mensal, enquanto que os 500 mil euros terão sido uma espécie de entrada.

Como alegada contrapartida, Manuel Pinho terá influenciado diretamente a aprovação do selo PIN para dois projetos turísticos do GES: as herdades da Comporta e do Pinheirinho.

O primeiro projeto, localizado numa zona histórica para a família Espírito Santo, estava orçamentado em cerca de 1,1 mil milhões de euros de investimento. O próprio Pinho, contudo, já tinha anunciado o projeto da Comporta como um projeto PIN a 30 de abril de 2005, numa cerimónia em Braga — muito tempo antes do mesmo ter sido aprovado.

“O representante do Instituto da Conservação da Natureza, como apoio do Instituto do Ambiente, (…)” afirmou que o projeto da Herdade da Comporta “não reunia condições para ser considerado suscetível de adequada sustentabilidade ambiental, pelo que não deveria ter sido considerado PIN.” De imediato, Fernando da Costa Lima recordou que Manuel Pinho já tinha anunciado o projeto como PIN.

Tal análise pela Comissão de Avaliação e Acompanhamento (CAA) dos PIN só foi feito numa reunião em dezembro de 2005, após a apresentação do projeto por parte de representantes do GES liderados por Manuel Fernando Espírito Santos Silva. Contudo, uma ata dessa reunião da CAA citada na acusação do MP, revela que “o representante do Instituto da Conservação da Natureza, com o apoio do Instituto do Ambiente”, garantiu que o projeto da Herdade da Comporta não reunia condições “para ser considerado suscetível de adequada sustentabilidade ambiental, pelo que não deveria ter sido considerado PIN.”

E porquê? Porque o mesmo tinha sido “apreciado pela CAA”. “De imediato”, lê-se na acusação, o líder da CAA, Fernando da Costa Lima, “esclareceu que a Agência Portuguesa do Investimento e a Direção-Geral do Turismo”, duas entidades então tuteladas por Manuel Pinho, entendiam que a Herdade da Comporta tinha sido anunciado claramente como PIN pelo próprio ministro Pinho na cerimónia pública de 30 de abril. E não se falou mais no assunto.

O MP considera que o anúncio público feito por Manuel Pinho condicionou a atuação da CAA e “foi decisivo” para a atribuição do estatuto PIN àquele projeto.

Só entre 2005 e 2006, Manuel Pinho recebeu do saco azul do GES na conta da Tartaruga Foundation um total de 860 mil euros. Ou seja cerca de 500 mil euros mais a transferência mensal de 14.963,94 euros. Isto quando o seu salário anual oficial (ou seja, declarado ao Fisco) como ministro da Economia foi apenas de 97.798, 15 euros líquidos.

O pedido de José Sócrates para um projeto de Luís Filipe Vieira
Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto consideram ainda que Manuel Pinho terá alegadamente favorecido alguns clientes do BES. Mais: que tal favorecimento de clientes do banco dos Espírito Santo integrava-se no alegado pacto corruptivo que terá sido acordado entre Salgado e Pinho.

Um desses clientes era o Grupo Pelicano que estava interessado em investir 167 milhões de euros no desenvolvimento de um projeto imobiliário na Herdade do Pinheirinho, em Melides (Grândola). O BES iria financiar cerca de 124 milhões de euros desse projeto.

Pinho terá, segundo o MP, despachado favoravelmente para o Ministério do Ambiente um parecer positivo para o loteamento do projeto, por reconhecer a “a alegada ausência de soluções alternativas e a alegada existência de razões imperativas de interesse público”. Um despacho que, segundo o MP, terá sido decisivo para o loteamento avançar em terrenos que faziam parte da Lista Nacional de Sítios da Rede Natura 2000.

Aliás, a via verde de desburocratização levaram mesmo a que não fossem feitos estudos prévios independentes de impactos ambientais, o que levou a Comissão Europeia a abrir um contencioso com Portugal por ter encontrado “falhas consideradas graves nas Avaliações de Impacto Ambiental de alguns empreendimentos turísticos, nomeadamente Herdade do Pinheirinho, Costa Terra e Herdade da Comporta”, lê-se na acusação.

Uma ata da comissão de avaliação dos projetos PIN, datada de 28 de fevereiro de 2008, revela que o promotor da Verdelado [Luís Filipe Vieira] “foi informada que, aparentemente, o sr. primeiro-ministro [José Sócrates] estará a planear uma visita ao Algarve em Julho e gostaria de lançar a primeira pedra do projeto Verdelago, pelo que, eventualmente, seria importante que a emissão do alvará ocorresse em Junho.”
Outros clientes do BES, como a Promovalor e a Inland de Luís Filipe Vieira (então presidente do Benfica), terão sido alegadamente beneficiadas pelo então ministro da Economia. Os empreendimentos algarvios de Benagil (investimento de 220 milhões, financiado em 48 milhões de euros), e do Verdelago (projeto de 259 milhões, financiado pelo BES em 18 milhões) terão sido esses projetos.

Uma das atas da CAA dos projetos PIN, datada de 28 de fevereiro de 2008, revela que o promotor da Verdelado “foi informada que, aparentemente, o sr. primeiro-ministro [José Sócrates] estará a planear uma visita ao Algarve em Julho e gostaria de lançar a primeira pedra do projeto Verdelago, pelo que, eventualmente, seria importante que a emissão do alvará ocorresse em Junho.”

Outros alegados benefícios ao BES e ao GES passaram por uma revogação inédita do então ministro Manuel Pinho de uma decisão da Autoridade da Concorrência de proibir a aquisição da concessionária Auto-Estrada do Atlântico por parte da BRISA — a empresa do Grupo Melo que era um dos três maiores clientes do BES. Para essa decisão, Pinho contratou António Bernardo, sócio da consultora Roland Berger, que não só trabalharia com a Brisa naquele momento, como veio mais tarde a empregar Manuel Pinho.

E pela aprovação da concessão das Águas do Vimeiro a pedido expresso do irmão de Ricardo Salgado que era administrador na empresa do GES que detinha aquela marca de águas.

Durante o período em que foi ministro da Economia, Pinho recebeu secretamente na conta da Tartaruga Foundation e da Masete II (outra sociedade offshore) no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, cerca de 1,6 milhões de euros que derivaram das 52 transferência mensais de 14.963.94 euros, a que se soma os 500 mil euros pagos em 2005 e ainda dos cerca de 7 mil euros mensais que o BES pagava a Alexandra Pinho como curadora de arte.

O alegado favorecimento na Ryder Cup e o conselho da advogada
O segundo grupo de alegados benefícios prende-se já com um período em que Manuel Pinho está fora do governo de José Socrates, após o célebre episódio dos corninhos durante um debate na Assembleia da República que levou à sua demissão em julho de 2009.

Manuel Pinho veio a ser indicado para presidente da Comissão Executiva da organização da Ryder Cup através de um protocolo assinado pelo Turismo de Portugal (entidade anteriormente tutelada por si) e a Federação Portuguesa de Golf, que seria a entidade que se candidataria à organização daquela que é considerada uma das principais provas de golf a nível mundial.

De acordo com o MP, Manuel Pinho e Ricardo Salgado mantiveram o seu alegado pacto corruptivo mas desta vez o benefício de Pinho era mais simples: fazer com que os futuros campos de golfe da Herdade da Comporta fossem os escolhidos para ser o local do torneio da prova que reúne os melhores jogadores dos Estados Unidos e da Europa em duas seleções que se enfrentam durante vários dias.

Manuel Pinho e Ricardo Salgado mantiveram o seu alegado pacto corruptivo mas desta vez o benefício de Pinho era mais simples: fazer com que os futuros campos de golfe da Herdade da Comporta fossem os escolhidos para ser o local do torneio da Ryder Cup.
E assim foi. Pinho começou por se rodear de pessoas da sua estrita confiança, como Bernardo Sottomayor (ex-adjunto do Ministério da Economia que foi trabalhar com Pinho para o BES África) e a advogada Gabriela Martins, do escritório AAA Advogados.

Por exemplo, a Federação Portuguesa de Golfe pediu uma consulta ao escritório de Gabriela Martins para aferir se estava sujeita às regras da contratação pública para selecionar o campo de golfe que iria ser a base da Ryder Cup. A resposta, dada pela advogada Rita Gama Abreu, foi negativa por os atos da Federação Portuguesa de Golf serem de “natureza privada”.

O MP, contudo, considera que aquela instituição, tendo o estatuto de utilidade pública concedido pelo Estado (com os inerentes benefícios fiscais e outros), estava sujeita às regras da imparcialidade da contratação pública. A opção pelo escritório de advogados com quem trabalhava leva o MP a considerar que Manuel Pinho queria favorecer a Herdade da Comporta do GES.

“Como é óbvio, nem no setor privado um funcionário que escolha fornecedores da sua empresa pode receber dinheiro de um deles, quanto mais numa Comissão criada sob a égide de uma federação pública de utilidade pública desportiva, como era o caso da Federação Portuguesa de Golfe”, lê-se na acusação, numa referência aos 14.963.94 euros mensais que Manuel Pinho continuava a receber da ES Enterprises.

E continuava a receber por ordens de Ricardo Salgado, que continuava em contacto estreito com Pinho e a acompanhar de perto as movimentações que culminaram com a escolha da Herdade da Comporta como a sede da candidatura portuguesa à Ryder Cup, em detrimento de outros campos no Algarve.

E só após essa escolha é que Manuel Pinho voltou a ser contratado pelo GES para ser administrador do BES África, em troca de uma remuneração mensal de 39 mil euros. De acordo com a acusação, Pinho nunca desempenhou qualquer função no BES África, sendo tal remuneração vista pelos procuradores como mais uma contrapartida alegadamente paga por Ricardo Salgado.

Na alegada e igualmente famosa confissão que foi apreendida a Manuel Pinho recentemente nas buscas que foram feitas à casa em Braga onde se encontra em prisão domiciliária, o ex-ministro diz que a Federação Portuguesa de Golfe “via com muito bons olhos” o ex-ministro ser “oriundo do BES e ter fácil acesso a RS [Ricardo Salgado] porque a candidatura iria exigir um forte compromisso financeiro do candidato escolhido e uma equipa muito competente, o que não estava ao alcance da maioria dos candidatos.”

De acordo com o MP, a advogada Gabriela Martins sugeriu que fosse eliminada essa parte porque quando “o concurso” foi aberto pela comissão liderada por Pinho, ainda “não se sabia se era a HC [Herdade da Comporta] que ia ganhar.”

A entrada em cena de Paulo Murta, o homem do GES que foi extraditado para os EUA
Além de ter sido a advogada preferida de Américo Amorim, o principal acionista da Galp Energia desde o final de 2005, Gabriela Martins foi também a advogada de Manuel Pinho, o ministro da Economia que tutelava a área da energia.

Foi precisamente enquanto advogada de Manuel Pinho que Gabriela Martins tratou da criação de uma nova sociedade offshore chamada Blackwade Holding Limited, com sede no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, e que serviu para Pinho adquiri um apartamento em Nova Iorque, perto da famosa praça de Times Square, com um parte dos fundos que recebeu do saco azul do GES.

De acordo com a acusação, Manuel Pinho e Gabriela Martins começaram a conversar sobre a criação da Blackwade em 2010 para “ir viver com a sua mulher Alexandra para Nova Iorque”, sendo certo que terá sido Pinho a contactar Paulo Murta, um ex-quadro da Gestar (empresa de gestão de fortunas do GES).

Quem é Paulo Murta? Tal como o Observador noticiou em 2018, Murta está ligado a um esquema de corrupção de diversos políticos venezuelanos, administradores e diretores da Petróleos da Venezuela (PDVSA) fomentado pelo GES de Ricardo Salgado. Tal esquema terá levado ao desvio de 3,5 mil milhões de euros da PDVSA.

E levou mesmo à extradição de Paulo Murta para os Estados Unidos em 2021 para ser julgado pela justiça norte-americana — onde começou a ser julgado este verão de 2022.

Terá sido Gabriela Martins quem começou a tratar com Murta da criação da Blackwade a 8 de julho de 2010, após precisamente indicação de Manuel Pinho.

A criação da Blackwade verifica-se ao mesmo tempo que a empresa Pilar Jardim, do casal Pinho, vende a um fundo de investimento imobiliário do BES duas das quatro frações de um prédio remodelado e sito na rua Saraiva Carvalho por cera de 1,5 milhões de euros. Pouco tempo antes de ter entrado para o Governo, em 2005, a Pilar Jardim tinha adquirido o prédio em ruínas a outro fundo do BES por cerca de 800 mil euros.

A 14 de julho de 2010, Manuel Pinho assume-se como beneficiário efetivo da Blackwade através da aquisição do capital da sociedade pela Tartatura Foundation. O apartamento perto de Times Square veio a ser adquirido mais tarde por cerca de 1,2 milhões de euros.

Resumindo e concluindo: o MP não tem dúvidas de que Manuel Pinho começou a receber do saco azul do GES desde 1994, quando entrou para vogal do conselho de administração do BES, através da sociedade offshore Espírito Santo International BVI — como acontecia com os membros da família Espírito Santo e outros administradores.

A continuidade desses pagamentos após a sua tomada de posse como ministro da Economia constituem, por parte de Pinho, “um mercadejar dos cargos públicos que ocupou, violando os deveres de isenção e probidade a que se encontrava vinculado em manifesto abuso de função pública em benefício privado”, lê-se na acusação.

Resumindo e concluindo: o MP não tem dúvidas de que Manuel Pinho começou a receber do saco azul do GES desde 1994, quando entrou para vogal do conselho de administração do BES, através da sociedade offshore Espírito Santo International BVI — como acontecia com os membros da família Espírito Santo e outros administradores.

Acresce que, no âmbito dos procedimentos administrativos que levaram às decisões que tomou enquanto ministro da Economia e como presidente da Comissão Executiva da candidatura portuguesa à Ryder Cup, “o arguido Manuel Pinho “nunca referiu que recebeu meio milhão de euros do GES logo no início do seu mandato como ministro da Economia e cerca de €15.000,00 mensais do BES durante todo esses período (ou seja, que era avençado do GES/BES)”, o que impedia que “pudesse participar, fosse de que forma fosse, e muito menos decidir nos mesmos”, conclui o MP.

Defesa de Salgado invoca “defeito cognitivo” mas MP continua com processo
O MP tentou ouvir Ricardo Salgado em sede interrogatório complementar antes do encerramento do inquérito. Contudo, os advogados do ex-líder do BES alegaram “impossibilidade” de Salgado “prestar declarações” devido a “um defeito cognitivo”.

A informação médica enviada para os autos da defesa de Salgado alega, segundo se lê no despacho de encerramento de inquérito, tal “defeito cognitivo” afeta a memória do arguido e “limita a sua capacidade para prestar declarac¸o~es em pleno uso das suas faculdades cognitivas”, sendo que o stress emocional pode agravar a condição do arguido.

As duas patologias desse quadro clínica sugeridas pela defesa, com base em informação médica, são duas: deme^ncia e Alzheimer.

Daí que a defesa de Salgado requeresse uma “peri´cia me´dica da especialidade do foro neurolo´gico ao arguido, a realizar por servic¸o oficial de sau´de.”

Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto seguiram o raciocínio do tribunal de julgamento que condenou Ricardo Salgado a uma pena de prisão efetiva de seis anos de prisão por abuso de confiança e recusação.

Ou seja, a perícia foi indeferida por não constituir uma “diligência indispensável à descoberta da verdade” dos factos que estão em causa nos autos. Porquê? Porque “à data da prática dos factos que lhe são imputados”, Salgado estava no pleno uso das suas faculdades mentais. Assim, a questão da saúde mental de Ricardo Salgado terá de ser apreciado noutra fase processual.

Ouça aqui A História do Dia sobre este caso na Rádio Observador.

MP culpa Pinho de favorecer Salgado

BES

Pinho e Salgado acusados de corrupção

Alexandre Panda e lnês Banha

Ministério Público está convicto que ex-ministro e mulher terão recebido 5 milhões de euros para favorecer o BES

justiça. O Ministério Público garante que Manuel Pinho e a mulhe…

Ricardo Salgado. Relatório médico revela “perda de autonomia nas tarefas do dia a dia”

Defesa responde a MP: Médico de Salgado fala em “agravamento do defeito cognitivo, maior lentificação motora, agravamento da marcha e do desequilíbrio”.

Passados nove meses do último relatório, o médico neurologista de Ricardo Salgado confirma, neste período, “um agravamento do seu estado de saúde global com um agravamento do defeito cognitivo, maior lentificação motora, agravamento da marcha e do desequilíbrio e uma perda de autonomia progressiva para a realização de atividades da vida diária”.

O relatório foi feito em junho deste ano, depois do último em outubro do ano passado, e é um dos principais trunfos da defesa do ex-homem forte do BES, numa resposta de 75 páginas , a que o ECO teve acesso, que já chegou ao Tribunal da Relação, em reação ao recurso do Ministério Público que pediu o agravamento da pena da primeira instância de seis para dez anos de prisão efetiva.

Paralelamente – no âmbito do caso EDP – a defesa de Ricardo Salgado pediu o arquivamento do processo EDP no que diz respeito ao antigo presidente do BES, que justificou com o diagnóstico de doença de Alzheimer atribuído ao ex-banqueiro e com o seu “estado demencial”.

“O quadro clínico de defeito cognitivo que apresenta atualmente, nomeadamente o defeito de memória, limita a sua capacidade para prestar declarações em pleno uso das suas faculdades cognitivas”, pode ler-se no requerimento, que acrescenta: “A situação clínica do arguido impõe o arquivamento do presente processo. A causa de arquivamento deste inquérito quanto ao arguido impõe-se num plano prévio de inviabilidade de exercício pleno do direito de defesa”.

Segundo o requerimento a que o ECO teve acesso, datado de 25 de novembro, os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce juntam vários documentos clínicos e o parecer do neurologista Joaquim Ferreira, que atestou “um diagnóstico final e definitivo”, confirmando que o antigo líder do Grupo Espírito Santo (GES) tem Doença de Alzheimer, “apresentando um agravamento progressivo das limitações cognitivas e motoras”.

Ricardo Salgado, que foi esta quinta acusado pelo Ministério Público (MP) no caso EDP de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, outro de corrupção ativa e um de branqueamento , tinha sido notificado para esclarecer se queria prestar declarações relativamente a factos descritos no despacho do juiz de instrução Carlos Alexandre que colocou (em dezembro de 2021) Manuel Pinho em prisão domiciliária.

Mas a resposta do Departamento Central de Investigação e Ação Penal do MP foi negativa quanto às pretensões dos advogados do ex-banqueiro, indeferindo o requerimento. “O MP entende que, neste momento processual, afigura-se desnecessária a realização de perícia psiquiátrica”, indicaram os procuradores Carlos Casimiro Nunes e Hugo Neto, que assinaram o despacho de acusação deste processo da EDP.

Quanto ao relatório elaborado no Verão, Ricardo Salgado repetiu no dia 8 de Junho de 2022 “a avaliação neuropsicológica que documentou um defeito na capacidade de atenção e iniciativa verbal, na capacidade de evocação de palavras isoladas e no desenho por abstração; apresentou também um defeito na capacidade de memória remota e visual e desorientação temporal”, pode ler-se no relatório do médico Joaquim Ferreira, a que o ECO teve acesso. “Este agravamento era expectável no contexto da progressão do quadro clínico da Doença de Alzheimer”.

O MP pediu este agravamento de pena de prisão efetiva, de seis para dez anos, em maio deste ano, mesmo tendo o tribunal em primeira instância dado como provada a doença de Alzheimer de que sofre Salgado. Um dos pontos que mais curiosidade suscitava neste processo em concreto era o de saber até que ponto a doença de Alzheimer de Salgado seria ponderada para a aplicação da pena. No acórdão da primeira instância, de março deste ano, o juiz Francisco Henriques considerou que ficou provado que o ex-banqueiro sofre desta doença neurológica mas não referiu esse mesmo estado de saúde ao aplicar a pena de prisão efetiva de seis anos. Por um lado, admitiu que existia mas, por outro não ponderou esse fator para a aplicação da pena. Esse facto parece também ter sido ignorado pelo MP.

“A posição populista do Ministério Público tem propósitos e efeitos muito claros: espezinhar a dignidade humana do ora Arguido, acelerar o seu falecimento numa prisão e, ainda, diminuir a doença de Alzheimer, em total desconsideração por todos aqueles que têm esta doença e pelas suas famílias”

E é precisamente nesse ponto que a defesa se vale para discordar do recurso da acusação .” A posição do MP é uma posição populista, inadmissível e chocante, em arrepio a elementares critérios de estrita aplicação da lei. No recurso do Ministério Público, não há uma única referência expressa à doença de Alzheimer do arguido” . Acrescentando que o “único propósito do Ministério Público neste processo é colocar na cadeia um doente de Alzheimer, atualmente com 78 anos, para aí o ver morrer”. E acusa o MP de ir contra o senso comum no que toca ao agravamento e irreversibilidade da doença em causa e contra as evidências médicas e científicas .

Tudo isto é revelador do caráter obstinado, populista, manifestamente desumano e mesmo grotesco com que o Ministério Público atua neste processo”, acusa a defesa, concluindo que “a posição populista do Ministério Público tem propósitos e efeitos muito claros: espezinhar a dignidade humana do arguido, acelerar o seu falecimento numa prisão e, ainda, diminuir a doença de Alzheimer, em total desconsideração por todos aqueles que têm esta doença e pelas suas famílias”.

“Pretenderá o Ministério Público defender que as necessidades de prevenção exigem que se coloque na prisão alguém com 78 anos e doença de Alzheimer, que nem sequer tem capacidade para, de forma autónoma, recordar e tomar medicação e realizar tarefas básicas do dia-a-dia?”, questionam os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce.

Que sublinham ainda que o recurso do Ministério Público neste caso concreto significaria que, em Portugal, um arguido com 78 anos e que sofre de doença de Alzheimer, ” a quem é imputada a prática de três crimes de natureza exclusivamente patrimonial, em que a vítima é uma sociedade offshore, deveria ser punido com uma pena muito mais grave do que os arguidos que praticam crimes contra a vida, integridade física, liberdade pessoal e liberdade sexual”, referindo-se a casos concretos de crimes de tráfico de pessoas, violência doméstica, crimes de abuso sexual, violação agravada e, ainda, crimes de tráfico de estupefacientes, todos eles com menos inferiores a seis anos de prisão.

Em outubro de 2021, a defesa de Salgado alegou que o seu cliente sofre de Alzheimer. Juntou um relatório médico, assinado pelo neurologista Joaquim Ferreira, depois do juiz ter recusado uma perícia médica independente, que seria pedida pelo tribunal. Perante este diagnóstico, a defesa decidiu então fazer um requerimento para pedir a suspensão do julgamento ou, pelo menos, a haver condenação, que fosse a uma pena suspensa. Mas sem sucesso.

Salgado faz parte de um ensaio clínico

A defesa diz ainda que atualmente, estão em curso ensaios clínicos sobre pacientes diagnosticados com Doença de Alzheimer com vista a aprofundar o estudo desta doença e, consequentemente, tentar retardar ou estancar a progressão desta doença e, como objetivo último, encontrar uma solução para a sua reversão (o que, hoje, ainda não é possível). Ensaios esses de que o arguido faz parte.

Por isso, o cumprimento da pena efetiva de prisão tornaria “inviável a participação do arguido num ensaio clínico, em que este foi admitido e que se iniciou após o recurso interposto pelo ora Arguido, em 16 de Maio de 2022”, explica a mesma resposta dos sócios da Uría Menéndez-Proença de Carvalho.

“Como em todos os ensaios clínicos, o ensaio clínico em que o arguido está a participar pressupõe consultas, medicação apropriada e seguimento médico periódico aos pacientes que neles intervêm. Ora, a execução de uma qualquer pena de prisão efetiva (seja a pena pugnada no recurso do Ministério Público, seja a pena determinada no próprio Acórdão recorrido) inviabilizará e dificultará a participação do ora Arguido neste ensaio clínico, que se estende por diversos anos”.

E vai mais longe ao dizer que a saída de Salgado destes estudos clínicos que “visam benefícios médicos não só para o próprio participante, mas para todos aqueles que são diagnosticados com a patologia” iria “inviabilizar os esforços médicos e científicos que estão a ser realizados no âmbito do aludido ensaio clínico, em prol de todos os doentes de Alzheimer”.

Que argumentos usou o recurso do Ministério Público?

Entregue em maio deste ano, o recurso da acusação alegava um rol de motivos para o agravamento da pena por mais quatro anos. Como os “elevadíssimos montantes de que o arguido se apropriou – montantes que oscilaram entre os 2.750.000€ e os 4.000.000€ em cada um dos crimes, quantias, cada uma delas, que 95% ou mais da população portuguesa não conseguirá auferir durante toda uma vida de trabalho”, a “muito acentuada gravidade da violação dos deveres a cargo do arguido, vista a especial obrigação que o mesmo tinha de não cometer estes crimes, dada a sua posição de administrador do GES, a quem competia defender os interesses deste Grupo e não lesá-los” e a “elevada condição económica do arguido, que gozava de uma situação financeira absolutamente desafogada , com rendimentos mensais da ordem das dezenas de milhares de euros, estando confortavelmente instalado na vida enquanto CEO do GES”;

E uma ausência de arrependimento , “que a negação da prática dos crimes e a ausência de reparação dos danos causados claramente evidencia”, bem como o “escasso valor atenuativo da idade, pois também foi já com uma idade relativamente avançada que o arguido cometeu os crimes em causa, o que não pode deixar de ser aqui ponderado”.

Condenação a seis anos de pena de prisão efetiva

A 7 de março deste ano, o ex-líder do Banco Espírito Santo (BES), Ricardo Salgado, foi condenado a uma pena de seis anos pelos três crimes de abuso de confiança que saíram da Operação Marquês.

O tribunal considerou como provados “quase todos os factos constantes da acusação”, segundo explicou o juiz Francisco Henriques. Mas o magistrado diz que “não ficou provado a questão da gestão centralizada do BES”. Quanto à doença de Alzheimer, o magistrado diz que ficou provada essa condição física de Ricardo Salgado, bem como as condições socioeconómicas do arguido.

A leitura da decisão durou cerca de dez minutos, num processo que começou em 2014, com a detenção do ex-primeiro ministro José Sócrates. O Ministério Público pediu ainda que a medida de coação fosse agravada para a proibição de se ausentar do país e de apreensão de passaporte. ?

TC promete Transparência

A nomeação dos membros da Entidade para a Transparência “será para breve”, respondeu o Tribunal Constitucional ao Expresso.

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Falta fiscalização e prudência

Investigador Luís de Sousa aponta erros na forma como os políticos lidam com a corrupção

“Falta a prudência que recomendavam os clássicos gregos e do Renascimento. Tantos pensadores políticos recomendaram prudência e algum controlo na soberba, porque o poder geralmente leva a alguns exageros.” É simples, o principal conselho que o investigador Luís de Sousa, do Instituto de Ciências Sociais (ICS), dá aos políticos.

Sem querer pronunciar-se sobre o caso Tempestade Perfeita, por só conhecer o que tem sido divulgado pela comunicação social, Luís de Sousa defende uma verificação prévia de idoneidade quando se trata de nomeações políticas. “Fizemos uma análise dos mecanismos de regulação da ética política ao nível dos governos, assim como das práticas de verificação da idoneidade das nomeações políticas, incluindo ao mais alto nível como secretários de Estado e ministros, e esta é praticamente inexistente numa série de democracias”, diz o professor que este mês divulgou o estudo “Ética e integridade na política: perceções, controlo e impacto”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, feito em conjunto com Susana Coroado.

Essa verificação prévia de idoneidade “é extremamente necessária, e cada vez mais, para evitar males maiores ou ter de lidar com isso já no exercício de funções”, insiste Luís de Sousa, alertando para uma discussão que muitas vezes se sente entre ética e competência e que leva, por exemplo, a “manter um ministro porque é competente, mesmo não tendo cumprido tudo o que é recomendável do ponto de vista da ética política”.

O investigador considera que Portugal tem “o arsenal legal todo de regulação na ética na política”, mas “tem ficado mais descuidada a parte de monitorização e fiscalização da aplicação dessas normas e a sanção de comportamentos desviantes”. Uma necessidade tanto maior quanto se sabe que cada caso de corrupção tem “danos reputacionais que vão para lá do indivíduo e afetam a confiança nas instituições políticas”. Para breve está o início do Menac (Mecanismo Anticorrupção), criado no âmbito da Estratégia Nacional contra a Corrupção, lançada por Francisca Van Dunem. “Parece-me que vai funcionar. Vai ser uma espécie de supercompliance [monitorização], uma compliance geral para o país inteiro, tanto para o sector público como para o sector privado, exceto entidades que tenham um número muito reduzido”, diz Luís de Sousa. Mas representa uma “abordagem muito formal aos problemas de integridade” e deixa de fora a esfera política.

As entidades vão ter de criar mecanismos de prevenção e de participação de casos. “Muitos organismos não terão capacidade própria para criar plataformas de denúncia, vão recorrer a empresas externas”, o que levará a ultrapassar os €2 milhões de investimento previsto no combate à corrupção — já dez vezes mais do que o orçamento anual do Conselho de Prevenção da Corrupção, que existe desde 2008 no Tribunal de Contas.

Os €200 mil que o Conselho de Prevenção tinha seria o adequado para lidar com um município da dimensão de Lisboa, nas não com o país inteiro, ilhas incluídas. “Os meios não eram suficientes e a estratégia não era adequada”, diz o professor do ICS, para quem esta entidade devia ter escolhido áreas de risco como a contratação pública, o uso de solos e urbanismo.

Tem faltado “muita autocrítica a estas entidades”, diz Luís de Sousa, lembrando que a Entidade das Contas tem dito que funciona bem e antevendo que o mesmo será dito sobre a nova Entidade da Transparência — aquela que, passados três anos da lei que a criou, ainda não existe Depois de anos à procura de instalações, o Tribunal Constitucional (TC) anunciou que vai arrendar um espaço. “As diligências para celebração do contrato de arrendamento estão em curso”, respondeu o TC ao Expresso, adiantando que a nomeação dos membros desta entidade “será para breve”.

Entidade das Contas

Fiscaliza as contas dos partidos e das campanhas eleitorais. Funciona na dependência do TC.

Entidade da Transparência

Criada por uma lei de 2019, ainda não existe. Deve fiscalizar as declarações de interesses e de rendimentos dos políticos e funcionará na dependência do TC.

Conselho de Prevenção

Criado em 2008 no âmbito do Tribunal de Contas, tem como missão colaborar na elaboração de códigos de conduta de entidades públicas, dar formação e acompanhar as medidas administrativas adotadas pela Administração Pública e sector público empresarial.

INSTITUIÇÕES

Eunice Lourenço e Liliana Coelho

elourenco@expresso.impresa.pt