É só inquéritos!

A Procuradoria-Geral da República, a este ritmo, não dá vazão a tantos processos de inquérito a magistrados da casa. Só nos últimos dias, já vão dois: um ao procurador Casimiro Nunes, denunciado por Manuel Pinho por comentários sobre a orientação sexua…

Proteção de dados – Processo de “adaptação a nova realidade vai prosseguir com nova liderança

POR JOÃO AMARAL SANTOS

Quatro anos depois de entrar em vigor a legislação europeia que regula a proteção de dados para pessoas singulares, instituições e organizações públicas e privadas continuam a caminhar para a “consolidação” da aplicação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD).

A própria entidade reguladora, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), mantém-se em processo de “adaptação” a uma realidade completamente nova (e, manifestamente, mais exigente), que também contribuiu para que o cidadão comum pudesse despertar para a importância da preservação e proteção dos seus dados pessoais (e o seu real valor), “despejados”, durante toda uma vida, no infinito e labiríntico universo digital.

Com este processo ainda em andamento, terminou, no início do mês de novembro, o mandato de Filipa Calvão na presidência da CNPD – cargo que ocupava desde 2012 -, cabendo agora aos deputados da Assembleia da República, em particular os que integram bloco central (PS e PSD), chegarem a um acordo tendo em vista a nomeação de um sucessor.

No entanto, apurou a VISÃO, o assunto não terá ainda sido sequer tema de conversa nos corredores e nas salas do Palácio de São Bento, devendo as reuniões ter início apenas a partir de janeiro do próximo ano para já, Filipa Calvão continua a ocupar uma cadeira que se tornou especialmente “quente”, por força da entrada em vigor da nova legislação europeia e nacional.

Em recente entrevista à Rádio Renascença, dada em abril passado, a presidente do CNPD lamentava, acima de tudo, “o problema de falta de meios” e “falta de capacidade” da entidade que dificultou a tarefa de “estar em todo o lado”, depois de um “significativo” aumento de atribuições e tarefas.

Ainda assim, nos últimos três anos (entre 2018 e 2021), a entidade liderada por Filipa Calvão aplicou um total de 181 coimas, no valor recorde de 2,63 milhões de euros, números que englobam coimas ao abrigo do RGPD, mas também da aplicação de outras legislações.

“CONSOLIDAÇÃO” DA LEI

Após muitos avanços e recuos, o Parlamento português aprovou, em junho de 2019, a lei nacional de proteção de dados, um ano depois da entrada em vigor do novo RGPD nos 27 Estados-membros da União Europeia (UE).

A nova lei revelou (e acentuou) problemas antigos na gestão e proteção de dados para pessoas singulares, tanto no setor privado como no público. À VISÃO, o deputado do PS Pedro Delgado Alves desdramatiza as “pedras no caminho”, encarando, “com naturalidade”, os obstáculos de “um setor que se encontra em transformação”. “Tivemos de nos adaptar a um novo enquadramento legislativo europeu, mas não me parece que as coisas tenham mudado assim tanto. A gestão e proteção de dados, em alguns setores, é um problema antigo, mas penso que a adaptação feita pelas organizações privadas e públicas está a decorrer com normalidade”, refere.

Em relação ao apelo “por mais meios”, feito por Filipa Calvão, para o CNPD, o parlamentar do PS destaca que “a entidade passou a ter tarefas e competências que não tinha”, considerando “natural” que ainda “exista um caminho que tem de ser feito, por via de uma legislação europeia e nacional”. “Todos tiveram de se adaptar a uma nova realidade e isso não exclui, naturalmente, a própria entidade reguladora. Também o CNPD continua a construir-se para poder ir ao encontro das novas exigências e, certamente, que o novo mandato desta entidade será de consolidação”, diz Pedro Delgado Alves.

MULTAS “MILIONÁRIAS”

Com base na nova legislação, entre 2018 e 2021, o CNPD aplicou multas no valor recorde de 2,63 milhões de euros. Em destaque, a coima de 1,25 milhões aplicada à Câmara Municipal de Lisboa, na sequência do caso que ficaria conhecido como

Russiagate. Esta multa ainda referente ao mandato do atual ministro das Finanças, Fernando Medina, à frente da autarquia da capital – foi, neste período, a terceira mais elevada no setor público europeu, apenas superada pelos exemplos das coimas aplicadas ao Ministério das Finanças dos Países Baixos (multado em 2,75 milhões, em 2021) e da Autoridade Tributária da Bulgária (multada em 2,6 milhões, em 2019).

Já este ano, a Câmara Municipal de Setúbal foi multada em 170 mil euros por recolha indevida de dados de refugiados ucranianos, decisão que a autarquia setubalense já decidiu impugnar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

METADADOS: DOR DE CABEÇA

Sobre proteção de dados, tornou-se ainda mediático, no último ano, o chumbo do Tribunal Constitucional da chamada “lei dos metadados” – que determina a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, para eventual utilização na investigação criminal. A decisão fez soar os alarmes nos setores policial e judicial, com milhares de processos em risco…

O acesso a estes dados pelos serviços de informação e segurança passou mesmo a ser um dos principais temas da oitava revisão constitucional, que se prevê avançar no início de 2023, como explica, à VISÃO, Maria Paula Cardoso, deputada do PSD, membro da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

“Esta revisão constitucional terá, naturalmente, repercussão na gestão e na possibilidade de estes serviços terem acesso aos dados para investigação criminal. Já existem propostas, mas só saberemos como ficará o texto final quando a discussão terminar. O objetivo, é claro, passará sempre por esta matéria ir ao encontro dos normativos constitucionais”, sublinha.

UMA NOVA ERA

Legislação europeia de proteção de dados revolucionou o setor

Lei 28/2019

O Parlamento português aprovou, em junho de 2019, a lei nacional de proteção de dados, um ano depois da entrada em vigor do novo RGPD nos 27 Estados-membros da União Europeia.

CNPD

Entre 2018 e 2021, a CNPD aplicou 181 coimas, no valor de 2,63 milhões de euros. Filipa Calvão terminou mandato na presidência do organismo em novembro. Assembleia da República vai nomear substituto.

€1,25 M

A maior multa da CNPD (no valor de 1,25 milhões de euros) foi aplicada à Câmara de Lisboa, na

sequência da polémica

Russiagate – foi a terceira maior coima no setor público europeu nos últimos quatro anos.

Metadados

O chumbo do Tribunal Constitucional da “lei dos metadados” fez soar os alarmes. O acesso a estes dados pelos serviços de informação e segurança passou a ser prioridade na oitava revisão constitucional (prevista para 2023).

Filipa Calvão ocupou a presidência da CNPD entre 2012 e 2022. Ainda não há sucessor escolhido e o seu mandato terminou em novembro, no ano cm que a Câmara de Lisboa foi multada em 1,25 milhões de euros

Dados A nova legislação europeia “obrigou” setores público e privado portugueses a processo de adaptação. Câmara de Lisboa não escapou a multa recorde

O CONTRATO DUVIDOSO ANULADO EM DOIS MESES

Maria Henrique Espada

GOVERNO. MAIS UM CASO DE IMPEDIMENTOS

Marido da secretaria de Estado fez ajuste de 74.500 euros com a câmara de Leiria. Teresa Coelho garante que é legal, mas a autarquia e a empresa do marido têm dúvidas -e revogaram o contrato…

ISABEL DOS SANTOS, A FORAGIDA TRANQUILA

JUSTIÇA

ISASEL DOS SANTOS A PROCURADA TRANQUILA

POR CARLOS RODRIGUES LIMA

Estará a empresária segura no Dubai? A lei do emirado dá-lhe margem para contestar o pedido de prisão preventiva e a posterior extradição. Em Portugal, o juiz Ivo Rosa já considerou transparentes pagamentos leitos pela Sonangol e colocados solo suspeita pelas autoridades angolanas

É na zona de AI Twar, num dos edifícios que compõem um vasto complexo da polícia do Dubai, que inclui o quartel-general, o departamento de investigação criminal e até um health center, que se encontra o gabinete local da Interpol, organização internacional de cooperação entre polícias. Tal como nas restantes 180 delegações espalhadas pelos países que fazem parte da instituição policial internacional, à caixa de correio dos agentes do emirado também chegou um email com o mandado de captura internacional emitido por Angola contra Isabel dos Santos, filha do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, a quem a Justiça angolana imputa crimes de peculato, fraude qualificada, participação ilegal em negócios, associação criminosa e tráfico de influências. Ao cerco montado pelas autoridades angolanas, a empresária responde com publicações no Instagram e no Twitter, assim como entrevistas e dois trunfos: a lei federal do Dubai e a cidadania russa.

No mundo das aparências, designado por redes sociais, a antiga “princesa” de Angola, que também usa o nome de Izabel Dosovna Kukanova, devido à sua segunda nacionalidade, move-se com toda a tranquilidade pelas ruas e desfruta do que de melhor o emirado tem para oferecer. De acordo com uma fonte ligada à sua defesa, Isabel dos Santos encontra-se neste país ao abrigo de um “visto gold”, que lhe dá direito a residência entre cinco a dez anos. Uma semana antes de a emissão do mandado de captura emitido por Angola ter sido conhecida, a empresária recorreu ao Instagram, para reagir a declarações do procurador-geral (PGR) de Angola, Heldér Pitta Gróz, que afirmou ter-lhe dado “oportunidade” para se “apresentar às autoridades”, mas isso foi recusado. “Sempre estive disponível e representada pelos meus advogados. (…) Em altura alguma neguei prestar esclarecimentos e sempre estive disponível”, escreveu a empresária, talvez, por indicação dos advogados, percebendo que, perante a declaração do PGR, o próximo passo seria a emissão do mandado de captura internacional.

O cerco montado pela procuradoria angolana à filha do antigo Presidente começou com pedidos de cooperação internacional para Portugal e os Países Baixos, solicitando o congelamento de contas e a apreensão de ativos e, depois, como no início de 2022, a sua notificação como arguida no processo de Angola, através da realização do respetivo interrogatório, no qual seria confrontada com os factos. Porém, segundo adiantou o PGR angolano, a empresária recusou participar nesta última diligência nos Países Baixos, regressando ao Dubai.

Nos Emirados, ao contrário de qualquer suspeito de crimes procurado pelo respetivo país de origem, Isabel dos Santos não se escondeu. Partilhou até vários momentos do seu quotidiano, como os passeios de bicicleta e as aulas de kickboxing, movendo-se com aparente tranquilidade, apesar de estar a par da existência de um processo-crime em Angola e outro em Portugal e da insistência das autoridades angolanas na sua captura. “Não há motivo para a sua captura. Ela não se está a esconder, as autoridades angolanas conhecem a sua morada, que até indicou, no processo em Portugal, para receber notificações”, refere fonte ligada à sua defesa.

Este comportamento encaixa numa estratégia para evitar uma eventual futura detenção e a consequente extradição: é que a empresária sempre poderá alegar ter estado disponível para ser ouvida, o que invalidaria um eventual argumento de fuga aos tribunais. É certo que Angola poderia pedir a extradição da filha do ex-Presidente diretamente ao Dubai, mas preferiu, como salientou uma fonte judicial à VISÃO, usar o canal da Interpol: “Desta forma, o mandado tem uma difusão internacional, isto é, toda a gente sabe que Angola a quer prender, o que pode colocar alguma pressão internacional no governo do Dubai.”

Quando não existe um tratado entre dois países, os governos negoceiam diretamente. E aí entra o princípio da reciprocidade”, explicou à VISÃO um advogado. Em resumo, Angola tentará convencer o emirado a entregar Isabel dos Santos, garantindo um tratamento semelhante para o futuro, quando esteja em causa uma situação em que alguém procurado pela Justiça do Dubai se encontre em Angola. No dia que foi conhecida a emissão do mandado, Isabel dos Santos recorreu ao Instagram e ao Twitter para se mostrar novamente no Dubai, comentando: “La vida no se trata de logros, se trata de superar esas cosas que te hacen másfuerte.”

EXTRADIÇÃO E UM PRECEDENTE ÚTIL

Uma das linhas de defesa que deverão ser usadas pelos advogados daquela que já foi considerada a “mulher mais rica de África” pela revista Forbes passará pelo precedente do caso Carlos Panzo, um ex-assessor de José Eduardo dos Santos, suspeito de corrupção, em Angola, num processo que também envolve a construtora brasileira Odebrecht. Detido em Espanha, em 2019, ao abrigo de um pedido das autoridades angolanas, o Tribunal Constitucional recusaria, três anos depois, a sua extradição para Angola, considerando não existirem garantias suficientes de que o suspeito teria um julgamento justo. Isto porque, de acordo com os juízes, o pedido feito pelas autoridades angolanas não satisfazia a exigência de um “poder judicial independente”, dado que o mesmo apenas foi assinado por um procurador, sem “aval judicial”.

Foi precisamente este argumento que Isabel dos Santos fez questão de passar, numa última entrevista à Deutsche Welle (DW), a emissora pública alemã: “O nosso país não é um Estado democrático de direito. É um país em que as leis não são cumpridas. O sistema judicial em Angola não é independente.” Mas Angola já A expressão entrou no vocabulário quotidiano no Brasil após os vários desenvolvimentos do caso Lava-Jato, que terminaram com a absolvição de Lula da Silva, entretanto eleito Presidente. Por lawfare (que resulta da conjugação de law, o direito, e warfare, atividade na guerra) entende-se como a utilização da Justiça para perseguir politicamente os inimigos, através do envolvimento destes em processoscrime que destruam a sua reputação e imagem. Foi este o argumento usado pelo PT de Lula da Silva para descrever o caso Lava-Jato. A ideia ganhou ainda mais força com a nomeação do juiz Sérgio Moro como ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, após as eleições de 2018, algo que, para o PT, confirmaria a tese de que o processo apenas teve uma motivação: afastar Lula daquela corrida presidencial. A reboque do caso do Brasil, José Sócrates também se manifestou como vítima: “Eu realmente considero o meu caso como lawfare. Não havia a intenção de buscar justiça, mas de abater um inimigo, de criminalizar as políticas de esquerda adotadas durante o meu mandato de primeiro-ministro”, declarou, em abril de 2021, à Carta Capital. Isabel dos Santos recuperou o argumento, considerando que o Luanda Leaks foi uma manobra do poder angolano, liderada por João Lourenço, para a perseguir. A empresária tem declarado (ver texto nestas páginas) que o sistema judicial do seu país não é independente do poder político, daí estar a ser usado para outros fins que não o da realização da Justiça.deu sinais de que está a tomar várias cautelas formais: por agora, apenas pediu a “detenção provisória” da empresária, referindo que, após esta diligência, se seguirá um o pedido de extradição, “em conformidade com as leis nacionais e/ou os tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis”. E, esta terça-feira, voltou a insistir no tema, numa segunda entrevista, desta vez à CNN/Portugal, afirmando que o que espoletou todas as investigações, o caso Luanda Leaks, foi uma manobra política do poder angolano liderado por João Lourenço. Ou seja, afirma, está a ser vítima de “lawfare” (ver caixa).

Toda esta narrativa de Isabel dos Santos parece estar alinhada com a Lei Federal nfi 36 dos Emirados Árabes Unidos, que regula os pedidos de extradição. Segundo o artigo 92, o emirado pode recusar a entrega de uma pessoa a um país estrangeiro quando existam “motivos sérios para acreditar” que, por detrás do pedido, estejam razões religiosas, étnicas ou políticas para perseguir essa pessoa ou que a mera existência de uma dessas situações pode prejudicar a pessoa em causa. Caso Isabel dos Santos viaje para a Rússia, o tratado de extradição assinado entre este país e Angola, em outubro de 2006, é claro: nenhuma das partes extradita os seus cidadãos.

Tendo em conta os dados conhecidos do mandado de captura internacional e as próprias declarações de Isabel dos Santos à DW, os factos do processo em Angola estarão circunscritos à sua passagem pela Sonangol, como presidente do conselho de administração da empresa, cujo mandato começou em junho de 2016, terminando em novembro de 2017, após ter sido exonerada do cargo pelo Presidente angolano, João Lourenço. Todas a eventuais suspeitas que as autoridades judiciais angolanas possam ter e que digam respeito a crimes com pena até 12 anos de prisão, cometidos até 11 de novembro de 201S, estão amnistiados pela Lei 11/16, aprovada pela Assembleia Nacional para assinalar os 40 anos de independência do país.

Ora, no que diz respeito à Sonangol, a Justiça angolana investiga um alegado desvio de fundos da petrolífera para a própria Isabel dos Santos, colocando em causa várias transferências de dinheiro para entidades, como a Matter Business Solutions, detida pela amiga Paula Oliveira, as consultoras Boston Consulting e Pricewaters Coopers e a sociedade de advogados Vieira de Almeida. As transferências foram justificadas como despesas relativas ao processo de reestruturação da companhia petrolífera angolana.

Como o rasto do dinheiro também passou por Portugal, esta é uma das suspeitas de um dos vários processos abertos pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) contra a empresária. Só que, em novembro de 2021, o juiz Ivo Rosa, depois de os advogados entregarem vários comprovativos bancários, em como o dinheiro chegou, efetivamente, àquelas sociedades, considerou que os mesmos eram legais e transparentes, questionando até por que motivo o Ministério Público, já que tem suspeitas sobre a origem dos montantes, não ordenou o bloqueio das contas bancárias das sociedades que os receberam. Na sequência desta decisão do magistrado judicial, alguns arrestos a contas bancárias foram levantados. Só há um mês, o Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.

‘LUANDA LEAKS’, O PRINCÍPIO DO FIM

O universo de investigações a Isabel dos Santos, em Portugal, não se circunscreve ao alegado desvio de fundos da Sonangol. Porém, apenas após a divulgação pública do Luanda Leaks, um vasto acervo de informação que foi disponibilizada ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação pelo hacker Rui Pinto, o Ministério Público desencadeou várias investigações ao património e aos negócios da empresária em Portugal. Além do dinheiro da Sonangol, há ainda investigações em curso relativas à cirulação de dinheiro entre a operadora de telecomunicações angolana, a Unitel, e contas de Isabel dos Santos; a movimentação de fundos que permitiram à empresária comprar 40% de uma sociedade detida pela Sonangol para o comércio de petróleo na Europa, a Esperaza (acordo, entretanto, declarado nulo por um tribunal arbitrai em Amesterdão); a compra de uma moradia de luxo, no Algarve, e de um prédio, em Lisboa; e movimentos de milhões de dólares por sociedades offshore.

Em relação à Esperaza, esta sociedade detinha 45% do capital da Amorim Energia, do empresário Américo Amorim – um aliado histórico de Isabel dos Santos -, que ainda é a principal acionista da Galp Energia. A investigação portuguesa sustenta que, durante vários anos, a Sonangol não recebeu dividendos relativos à participação na empresa portuguesa, tendo estes sido canalizados exclusivamente para a Exem, a sociedade detida por Isabel dos Santos que comprou 40% do capital da Esperaza. O dinheiro terá sido, então, canalizado para empresas controladas pela empresária, pelo seu ex-marido, Sindika Dokolo, num esquema que terá passado pela Terra Peregrin S.A, Keiko Investments and Properties SA e por Robert Daniel Stryk, um lobista norte-americano com ligações à primeira campanha de Donald Trump.

Até ao início de 2020, nada parece ter suscitado a mínima suspeita, apesar de os investimentos da angolana recuarem ao ano de 2006 (ver caixa). Nem mesmo, aliás, escutas telefónicas recolhidas na Operação Monte Branco, durante o ano de 2012, entre o presidente do EuroBIC, Fernando Teles, e um administrador, Jaime Pereira, que iniciavam avultadas movimentações de dinheiro. Ainda naquele ano, a empresária, juntamente com outras personalidades de Angola, foi denunciada ao DCIAP por um antigo embaixador, Adriano Parreira, por desvio de fundos públicos e o consequente branqueamento de capitais em Portugal, mas tudo seria arquivado, No mesmo ano, numa informação policial, a Polícia Judiciária informou o Ministério Público de que nunca tinha recebido qualquer informação dos bancos de suspeitas de branqueamento de capitais imputáveis à empresária. Entre 2006 e 2009, o DCIAP monitorizou as atividades económicas e financeiras de Isabel dos Santos, em Portugal, abrindo, pelo menos, dois processos administrativos, o primeiro foi etiquetado como “Processo Administrativo 611/2006″ e terá nascido na sequência de uma busca realizada na Operação Furacão, na qual foram encontrados documentos sobre um offshore da filha do Presidente de Angola. Um segundo caso foi aberto com o nome ‘Averiguação Preventiva 22/2009”. Ambos acabariam arquivados, sem dar origem a qualquer inquérito-crime.

Após o Luanda Leaks, e já com Isabel dos Santos com uma estrutura empresarial consolidada em Portugal (que ia desde o EuroBic à Efacec), o cenário foi outro: “Está em causa a utilização do sistema financeiro nacional, em particular do banco BIC Português (EuroBic) para o desenvolvimento de desvio de fundos da empresa pública angolana Sonangol EP, a sua circulação por contas no exterior, em particular no Dubai, e o seu posterior regresso a contas nacionais controladas pela suspeita Isabel José dos Santos (…) para benefício pessoal desta e de pessoas que lhe são próximas”, escreveu o procurador Rosário Teixeira, nos mandados que justificaram uma operação de buscas, levada a cabo em junho de 2020. Além da empresária, os alvos do Ministério Público foram os advogados Jorge Brito Pereira e o gestor Mário Leite da Silva. Na sequência da divulgação dos Luanda Leaks, o gestor de conta de Isabel dos Santos no EuroBic, Nuno Ribeiro da Cunha, suicidou-se. 1’1 clima@visao.pt

Lula, Sócrates e Isabel dos Santos. O que é o ‘lawfare’?

A expressão entrou no vocabulário quotidiano no Brasil após os vários desenvolvimentos do caso Lava-Jato, que terminaram com a absolvição de Lula da Silva, entretanto eleito Presidente. Por lawfare (que resulta da conjugação de law, o direito, e warfare, atividade na guerra) entende-se como a utilização da Justiça para perseguir politicamente os inimigos, através do envolvimento destes em processos-crime que destruam a sua reputação e imagem. Foi este o argumento usado pelo PT de Lula da Silva para descrever o caso Lava-Jato. A ideia ganhou ainda mais força com a nomeação do juiz Sérgio Moro como ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, após as eleições de 2018, algo que, para o PT, confirmaria a tese de que o processo apenas teve uma motivação: afastar Lula daquela corrida presidencial. A reboque do caso do Brasil, José Sócrates também se manifestou como vítima: “Eu realmente considero o meu caso como lawfare.

Não havia a intenção de buscar justiça, mas de abater um inimigo, de criminalizar as políticas de esquerda adotadas durante o meu mandato de primeiro-ministro”, declarou, em abril de 2021, à Carta Capital. Isabel dos Santos recuperou o argumento, considerando que o Luanda Leaks foi uma manobra do poder angolano, liderada por João Lourenço, para a perseguir. A empresária tem declarado (ver texto nestas páginas) que o sistema judicial do seu país não é independente do poder político, daí estar a ser usado para outros fins que não o da realização da Justiça.

INVESTIMENTOS

A parceria com Américo Amorim abriu a Isabel dos Santos as portas da economia portuguesa. Começou na Galp, passou pela banca e telecomunicações, terminando na Efacec

DEZEMBRO DE 2006 Entrada indireta na companhia portuguesa através da compra de 40% da Esperaza – sociedade holandesa – que, por sua vez, detinha 45% da Amorim Energia, que controlava 33,34% da Galp. A parceria com Américo Amorim levou-a ainda a investir na criação de um banco, em Angola, e a comprar, através da Ciminvest, 49% do capital que a Cimpor detinha na Nova Cimangola, empresa de cimentos.

DEZEMBRO DE 2008 O Banco BCP, do qual a Sonangol já detinha 5% do capital, anuncia a venda de 9,69% do capital social do BPI à Santoro Financial Holdings de Isabel dos Santos. Três meses antes, em Angola, a Unitel, controlada por Isabel dos Santos, tinha comprado 49,9% do Banco de Fomento de Angola (BFA) ao BPI.

DEZEMBRO DE 2009 Através da Kento Holding Lda, Isabel dos Santos ficou com 10% da Zon Multimédia. Em maio de 2012, através da Unitel International Holdings, reforçou a sua posição para 19,24%. Até que, no final deste ano, a Sonae e a empresária anunciaram a fusão da Zon e da Optimus, que viria dar lugar à NOS.

SETEMBRO DE 2014 Em parceria com Fernando Teles, a empresária comprou as posições de Américo Amorim no Banco BIC Angola e BIC Portugal, que deu origem ao EuroBic, tornando-se a maior acionista do grupo financeiro.

JUNHO DE 2015 Com Portugal a sair do programa da Troika, o dinheiro da empresária angolana foi a tábua de salvação para a Efacec, que se encontrava em falência. Os bancos e o Estado angolano emprestaram os cerca de 200 milhões de euros investidos na compra de 66,1% do capital, que pertencia ao Grupo José de Mello e à Têxtil Manuel Gonçalves. Na sequência do caso Luanda Leaks, a empresária saiu da empresa e o governo português nacionalizou-a.

v Processos Apesar das várias investigações em curso em Angola e Portugal, a empresária fez questão de partilhar o seu quotidiano no Dubai

v Defesa Em entrevista à TVI e CNN/Portugal, a empresária rejeitou ter sido ajudada pelo poder político português

v Processos Afastadas as suspeitas do processo Lava-Jato, Lula da Silva concorreu e, na segunda volta, ganhou as presidenciais do Brasil

v Redes Isabel dos Santos tem exposto a sua vida no Dubai: praia, passeios de bicicleta e jantares, eis como tem ocupado o tempo

v Família Ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, com as três filhas: Isabel, Tchizé e Joseana dos Santos

Operação Prolongamento falhou um alvo

Por António José Vilela

FUTEBOL. INVESTIGAÇÃO SEGUE RASTO DO DINHEIRO SUSPEITO

Antecipada por receio de que fosse reavaliada pelo juiz, as ações de busca não encontraram um dos dois advogados que eram prioritários.

Estava tudo montado para a sigilos…

A cartilha da vítima

Director-geral editorial adjunto Eduardo Dâmaso

CADERNODE SIGNIFICADOS

Seria bom que todos percebessem que são estes os caminhos crepusculares da própria democracia. Seé por aí que querem ir, tenham, ao menos, o decoro de nos poupar à cantilena do po…