26/12/2022 | Imprensa, Notícias do dia
Unidade especial do Fisco segue 4923 grandes fortunas, na maioria empresas Há 685 contribuintes que declaram rendimentos acima de 750 mil euros
Há cinco vezes mais ricos do que em 2014
Delfim Machado delfimjnachado@jn.pt
Unidade especial do Fisco acompanha quase cinco mil contribuintes. Só as grandes empresas pagaram 18 mil milhões de euros em impostos, 40% da receita total Albufeira é o concelho com maior proporção de cidadãos de baixos rendimentos. Os ricos estão mais no litoral
investigação A Unidade de Grandes Contribuintes (UGC) que fiscaliza as maiores fortunas e as empresas mais ricas está a acompanhar cinco vezes mais contribuintes do que em 2014, o primeiro ano completo de atividade desde a sua criação. Ao todo são 4923 contribuintes acompanhados, dos quais 3 321 são empresas e 1602 são cidadãos. Os grandes contribuintes representam 40% do total da receita fiscal proveniente das empresas sediadas em Portugal.
O quadro resumo do cadastro dos grandes contribuintes de Portugal consta do relatório sobre o combate à fraude e evasão fiscais e aduaneiras de 2021. A evolução anual demonstra que o maior salto no número de contribuintes acompanhados deu-se em 2018, ano em que a legislação foi alterada para incluir mais empresas na lista das que fazem parte do radar desta unidade especial das Finanças.
Até então, por exemplo, as empresas sob supervisão do Banco de Portugal só iam para a lista da UGC se tivessem um volume de negócios superior a 100 milhões de euros. A partir de 2018, passaram a figurar todas as que estão debaixo da supervisão do regulador bancário, independentemente da faturação.
RENDIMENTO DE 750 MIL
Entre os cidadãos acompanhados pela UGC, 685 fazem parte da lista porque têm um rendimento anual superior a 750 mil euros, ou 53 571 euros mensais. Há ainda 623 que têm relações jurídicas e económicas com as empresas que são consideradas grandes contribuintes, motivo pelo qual também integram a lista. A posse de património mobiliário e imobiliário superior a cinco milhões de euros é arazão pelaqual mais 340 pessoas constam da lista e, por fim, há sete pessoas com manifestações de fortuna congruentes com rendimentos elevados. Ao todo, isto dá 1655 pessoas seguidas pela UGC.
No que toca a empresas, das 3321 acompanhadas pela UGC, quase metade (1368) são firmas detidas por outras sociedades que, por sua vez, preenchem um dos critérios para a inclusão na lista. As entidades sob supervisão do Banco de Portugal (202), da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (344) e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (749) também representam uma parte significativa da lista. Há ainda 97 que apresentam um valor global de impostos pagos superior a 20 milhões de euros por ano, que é outro dos critérios.
18 MIL MILHÕES EM IMPOSTOS
Segundo Manuel Carvalho da Silva, coordenador do Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (CoLABOR), as desigualdades “não têm todas as mesmas características” e há, em Portugal, “sub-regiões com desigualdades muito cavadas”. Nestes casos, Manuel Carvalho da Silva considera importante “não esquecer que existe uma relação direta entre rendimento e nível de vida”.
O impacto da UGC nas contas do país é evidenciado no relatório do Ministério das Finanças que dá conta que a receita fiscal das empresas acompanhadas foi, em 2021, de 18 mil milhões de euros, o que representa “aproximadamente 40% do total da execução orçamental”. Durante o ano de 2021, foram concluídos 345 procedimentos de inspeção e “identificadas correções que ascendem a cerca de 620 milhões de euros de imposto potencialmente em falta”, acrescenta o relatório. As correções promovidas pela UGC tiveram um peso de 39% no total das correções de IRC, 49% de IVA e 3% de IRS.
A UGC teve, no ano passado, dois inspetores que desenvolveram atividade no Departamento Central de Investigação e Ação Penal “no âmbito de processos de inquérito” espoletados por esta unidade especial do Fisco, detalha o relatório.
Entidades públicas são abrangidas
A lista de empresas acompanhadas pela Unidade de Grandes Contribuintes é maioritariamente composta por entidades privadas, mas também há empresas detidas pelo Estado, como a Parpública, a RTP ou a Caixa Geral de Depósitos. São ainda acompanhados institutos públicos, como o ICNFouoIMT.
Bancos e fundos de pensões em maioria
Os bancos e os fundos de pensões a operar em Portugal constam todos da lista dos grandes contribuintes. A integração destas áreas de negócio no radar da UGC é obrigatória e concretizou-se com a alteração legislativa de 2018.
Duas novas divisões criadas em novembro
A UGC tem, desde o mês passado, duas novas divisões. São elas a divisão de tributação e a divisão de preços de transferência, a última destinada a acompanhar as entidades que tenham em vigor acordo prévio sobre preços de transferência. Estas empresas só passaram a integrar a lista da UGC este ano, na sequência de uma mudança legislativa.
Lei manda publicar nomes das empresas
A lei que rege a UGC obriga o Governo a publicar, todos os anos, o despacho com a lista das empresas acompanhadas. O mesmo já não acontece para os cidadãos por motivos de proteção de dados pessoais.
desigualdade As regiões do Algarve e de Trás-os-Montes são as que têm maior proporção de população mais pobre, demonstram os dados do Gabinete de Estudos do Ministério das Finanças, que elaborou recentemente um relatório relativo às desigualdades de rendimento e IRS. A análise usa microdados relativos às notas de IRS de 2020. ‘
De acordo com o relatório, os 1096 mais pobres de Portugal têm um rendimento anual inferior a 3 370 euros e estão distribuídos de maneira disforme pelo território. O concelho com maior proporção de cidadãos nesta lista é Albufeira. Segundo o documento, 1796 dos residentes neste concelho estão no grupo dos 1096 mais pobres do país. A seguir vem Lagos e Tavira, ambos com 1696, e Lagoa e Valpaços, com 1596.
Frederico Cantante, professor do ISCTE e investigador do Observatório das Desigualdades, explica que a sazonalidade dos rendimentos ligados ao turismo do Algarve “podem contribuir para baixar a média” dos rendimentos e, além disso, “há atividades económicas que orbitam em torno do turismo que tendem a praticar salários mais baixos”. Outra razão é “a existência de algum trabalho informal”, acrescenta o investigador, sendo que esta informalidade também está associada “ao setor do turismo”.
EmTrás-os-Montes as causas serão diferentes. Segundo Frederico Cantante, a maior incidência de uma economia ligada à agricultura que “é pouco remunerada e onde a economia informal também tende a ser mais marcada” pode ajudar a explicar o fenómeno. Por outro lado, os bens de auto-Rendimento
Proporção de pobres face à população total de cada concelho consumo relacionados com a alimentação são, na prática, “rendimento não monetário” que, por isso, não é traduzido nas declarações de IRS nas quais se baseiam os dados do Governo. E em Trás-os-Montes a proporção de bens de autoconsumo – “tende a ser mais elevada, sobretudo nas aldeias”, afirma Frederico Cantante. Em sentido inverso, a maior proporção de ricos verifica-se em concelhos do litoral que não estão na região do Algarve, com destaque para as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
RICOS ESTÃO NO LITORAL
A lista dos 0,196 mais ricos de Portugal é monopolizada por habitantes de seis concelhos. Lisboa, com 1941 pessoas entre os mais ricos, lidera. Segue-se Cascais (510), Porto (413), Oeiras (272), Sintra (155) e Vila Nova de Gaia (120).
As regiões do Algarve e de Trás-os-Montes também são as que apresentam maiores disparidades de rendimentos. Em Lagos, a diferença entre o grupo de 196 mais ricos e 1096 mais pobres é de 11 646 euros, mais do dobro do que Tavira (5032 euros), que está em segundo lugar, e oito vezes mais do que Valpaços (1421,69 euros), terceiro. •
Cadastro dos grandes contribuintes
— Total 4923
J Empresas 4508 P
Cidadãos
3367 3493 3321 2906 2735 2080 2609
1061 1211 1322 988 1602 1602 988 1061 1211 758 758 758 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 Contribuintes singulares
Rendimento > 750 mil ) 539 539 539 685 685 Património mobiliário e imobiliário > 5 milhões 215 215 215 340 340
Manifestações de fortuna congruentes com rendimentos ou património constantes nas linhas anteriores 7 7
Com relações jurídicas e económicas com sociedades
qualificadas como grandes contribuintes que integram o CGC das pessoas coletivas 42 42 42 623 623
A soma das categorias de contribuintes singulares não corresponde ao total pois 53 pessoas singulares preenchem mais do que um critério FONTE: RELATÓRIO SOBRE O COMBATE À FRAUDE E EVASÃO FISCAIS E ADUANEIRAS 2021
Na lista dos super-ricos
1
O que é a Unidade de Grandes Contribuintes?
A Unidade de Grandes Contribuintes (UGC) é o ser
viço da Autoridade Tributária que acompanha as maiores empresas e fortunas dos cidadãos, desde que tenham sede ou domicílio fiscal em Portugal.
–(2)-—–—-
Que contribuintes acompanha?
Todos os cidadãos cujo rendimento anual seja superior a 750 mil euros, ou cujo património mobiliário e imobiliário seja superior a cinco milhões de euros. Aqueles que tiverem manifestações de fortuna congruentes com estes rendimentos também entram na lista, tal como os que tiverem relação jurídica com as empresas acompanhadas.
Que empresas são acompanhadas?
Todas as que estão sob supervisão do Banco de Por
tugal, da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ou da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Estão ainda abrangidas as empresas que têm um volume de negócios superior a 200 milhões de euros, as que pagam mais de 20 milhões de euros de impostos por ano e as sociedades gestoras de participações sociais.
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Por quanto tempo são acompanhados?
As empresas são acompanhadas por quatro anos e mantêm-se enquanto constarem da relação alfabética que o Ministério das Finanças publica todos os anos. Os cidadãos também são acompanhados por quatro anos, mesmo que deixem de preencher o critério que os levou à inclusão na lista. As Finanças notificam todos os contribuintes acompanhados.
Como é feito o acompanhamento?
É feito através da análise formal da coerência dos elementos declarados, bem como da monitorização e análise da informação constante das bases de dados. Também são realizadas inspeções à contabilidade dos contribuintes, com recurso a técnicas de au
ditoria, confirmando a veracidade das declarações efetuadas.
6
Quanto foi cobrado em 2021?
A receita fiscal das empresas acompanhadas pela UGC foi de 18 mil milhões de euros, no ano passado, 0 que representa cerca de 40% do total da execução orçamental. O JN questionou 0 Governo sobre a receita fiscal resultante das pessoas na lista dos grandes contribuintes, mas não obteve resposta.
-(7)-
Que outras competências tem a UGC?
A UGC também é responsável por instruir processos de inquérito, prestar assistência pré-declarativa, avaliar e propor acordos prévios de preços de transferência e desenvolver modelos de gestão do risco.
Trás-os-Montes e Algarve concentram maioria dos pobres
10,1% a 12% 12,1% a 15% 15,1% a 20% 20,1 % ou mais
FONTE: MINISTÉRIO DAS FINANÇAS/NOTAS DE LIQUIDAÇÃO DO IRS DE 2020
mil euros por ano é quanto ganharam, em média, os 0,196 mais ricos em 2020. Dividindo por 14 meses, dá 18 928 euros por mês.
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