19/12/2022 | Imprensa, Notícias do dia
CONVERSA CAPITAL
RUI BALEIRAS
Líder da UTAO diz que as rendas vão subir após travão de 2023
Não é possível domar inflação sem dor
RUI BALEIRAS COORDENADOR DA UTAO
SUSANA PAULA susanapaula@negocios.pt
ROSÁRIO LIRA
ANTENA 1
PEDRO CATARINO Fotografia
Para evitar que as expectativas de inflação se fixem acima dos 2%, o BCE deve ser mais rápido a atuar, defende Rui Baleiras. É “uma ilusão” defender a compensação total pela subida de preços e domar a inflação vai doer, diz coordenador da UTAO.
Para conseguir conter a inflação, os bancos centrais devem agir de forma mais robusta, mesmo que isso leve a uma recessão mais dura na Zona Euro. Esse é o entendimento de Rui Baleiras, o coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que insiste que os apoios devem ser atribuídos sobretudo às famílias carenciadas.
Há capacidade para sustentar esta subida da inflação? O Banco Central Europeu (BCE) prevê que a inflação média na área do euro permaneça em níveis acima do objetivo de médio prazo pelo menos até 2025. Não arrisca indicar um ano a partird o qual a inflação esteja na vizinhança dos 2%.
Para a economia nacional e para o nível de rendimento isso é preocupante?
Os contratos na economia ainda não incorporaram de uma forma abrangente expectativas de inflação como as que estamos a viver, de 6%, 7%, 8%, 9% ,10%. E, por isso, é muito importante que as autoridades monetárias na Europa e nos EUA atuem. Eu acho que deviam ter atuado mais cedo e com mais vigor do que até aqui. Porque quanto mais tempo deixarmos a inflação à solta, acima dos 3% ou 4 %, mais lento e doloroso será o processo de ajustamento.
Então concorda que é melhor uma forte subida das taxas de juro, mesmo que isso prejudique a economia?
Claro que vai prejudicar a economia.
Não é um contrassenso que os Estados injetem dinheiro na economia, quando o BCE aumenta a taxa de juro para travar o consumo?
Teoricamente, sim. Depende da escala da despesa pública que o Estado fizer com esses apoios. Por muito simpático que eu queira ser, faltaria à verdade se dissesse que é possível domar a inflação, e fazê-la regressar a um patamar entre 1,5% e 2,5%, sem dor, sem que as pessoas percam felicidade. Isso, lamento, não posso dizer porque não é verdade. Temos mesmo de reprimir a procura de bens e serviços e não há outra forma de o fazer que não seja aumentai’ o custo do crédito e com isso desviar recursos das famílias e das empresas de consumo para o pagamento dejuros ou tornar a poupança mais atraente.
Mas ao mesmo tempo estamos a falar de aumento de salários.
E uma ilusão as pessoas pensarem que os Estados devem compensar as empresas e as famílias no mesmo montante que o BCE lhes está a desviar, digamos, rendimentos dos mercados de bens e serviços para o setor [bancário].
Então não se pode compensar a inflação?
O Estado nunca pode compensar por inteiro, até porque se o fizer não combate a inflação. A única forma de combater a inflação é reduzir a procura e aumentar a oferta. E quando nós estamos a dar um subsídio às famílias e às empresas estamos, ao fim e ao cabo, a mitigar a diminuição nas suas compras. Se isto tiver dimensão suficiente para ter efeito macroeconómico estamos a prolongar o problema em vez de o reduzir. Por isso é que os apoios ao rendimento devem ser diretos: cheques enviados para as famílias verdadeiramente carenciadas, aquelas que estão a passar mal. Só em situações excecionais [deve haver apoios] para empresas.
Perante esta conjuntura, quão profunda tem de ser a contração económica na Zona Euro?
Essa é uma pergunta que ninguém quer responder. Na verdade, não se sabe. Há aqui um dilema entre a duração da crise e a severidade da crise. O BCE tem vindo a desvalorizar a duração da crise inflacionista e, por isso, em dois meses adiou em pelo menos mais um ano o regresso da inflação a patamares próximos dos 2%. Mas com isso reduz a severidade de uma eventual recessão nos próxi – mos três trimestres. Eu acho que, enquanto a economia real der sinais de resiliência e isso tem-se verificado tanto nos Estados Unidos e na Europa os bancos centrais devem atacar com muito mais força a inflação. Eu privilegio a velocidade na contenção da inflação, porque acho que é a meIhor forma de evitar a contaminação das expectativas de inflação, acima de 2%. ¦ As famílias mais ricas não têm forma de rentabilizar, nos bancos, as suas poupanças e, por isso, estão a consumir mais, alimentando também a inflação. O alerta é deixado por Rui Baleiras, que defende que uma outra medida que poderia ser adotada pelo BCE – mas que não tem sido falada – é a de obrigar os bancos a subir o peso dos depósitos nos seus balanços.
Há outra forma de combater a inflação?
Por exemplo, uma que não tem sido falada e eu acho que se devia ponderar é a subida no rácio mínimo dos depósitos re1 ativamente a créditos. Uma das formas de nós acelerarmos a secagem de liquidez nos mercados de bens e serviços, ou retirar fulgor que existe ainda em muita procura, é tornar a poupança mais atraente. [Só que] as pessoas que têm capacidade de poupar não encontram nos depósitos bancários uma alternativa.
Está a dizer que os bancos não estão a fazer a sua parte para controlar a inflação? Os bancos centrais. Os bancos comerciais, nomeadamente em Portugal, estão cheios de liquidez. Eles não precisam de captar depósitos.
Mas deviam fazê-lo? Mas deviam fazê-lo. Então têm de ser estimulados pela autoridade monetária, que, por exemplo, podia dizer “vocês têm de ter um rácio de depósitos em relação a créditos, se calhar, 20 pontos percentuais mais elevado do que é agora”. E uma regra prudencial que é fixada pelo BCE e que está fixajá há bastante tempo, creio eu. E, portanto, este rácio dos depósitos sobre os créditos devia ser aumentado. Como é que os bancos conseguem aumentar o volume de depósitos por volume de crédito concedido? De duas maneiras: ou tornando o crédito mais caro subindo taxas de juro, que é o que do ponto de vista coletivo deve ser feito para enxugar essa liquidez excessiva que existe, ou captando mais depósitos. Contudo, para isso têm de subir a taxa de juro que os remunera, que é o que também nós precisamos para dar aos aforradores uma alternativa de poupança. Nesta conjuntura, o quevaleapenaéconsumirbense serviços, ou então comprar ativos imobiliários.
Em relação à política do BCE, o Governo contrapõe que a inflação vem da oferta e não da procura.
Nós temos vários choques da procura e da oferta a causar a inflação no mundo e em Portugal. Eu sou capaz de identificar dois choques na procura e seis choques do lado da oferta que vão provocar inflação. Os da procura estimulam o emprego, a produção e a subida de preços. Os da oferta reprimem a produção, o emprego e também estimulam a subida de preços. Da procura temos um choque expansionista ligado ao consumo privado. As pessoas, de uma maneira geral, pouparam recursos em 2020 e 2021 tiveram taxas de poupança historicamente elevadas, Mas já estão a recorrer a essas poupanças.
Estão a recorrer a essas poupanças. Mas durante o ano de 2022, uma parte da inflação foi criada por um crescimento muito rápido do consumo privado – alimentado pelas poupanças acumuladasduranteaqueles dois anos da pandemia. Por outro lado, nós temos um segundo choque do lado da procura, este da responsabilidade dos Estados: o Plano de Recuperação e Resiliência está a estimular a procura. Depois do lado da oferta, temos seis choques: o encarecimento progressivo dos custos da energia associados à transição climática, quebras nas cadeias de produção provocadas pelacovid, a diminuição da oferta de trabalho, os choques nos fertilizantes… E agora a guerra na Ucrânia, que reforça todos estes choques de oferta que referi. ¦
“Quanto mais deixarmos a inflação à solta, mais lento será o ajustamento»”
“É uma ilusão achar que o Estado deve compensar no mesmo montante o que o BCE está a desviar/’
Quem pode poupar não encontra nos
depósitos bancários uma alternativa
“Uma forma de retirar fulgor à procura é tornar a poupança mais atraente.”
“[Senão], nesta conjuntura, o que vale a pena é consumir bens e serviços. Ou comprar imobiliário/’
“Não faz muito sentido dar subsídios a preços, sobretudo, de bens cujo consumo queremos desincentivar.
PERFIL
O crítico do processo orçamental
Rui Nuno Baleiras nasceu em 1963 em Lisboa e coordena a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), grupo de peritos em finanças púbicas que apoia os deputados na Assembleia de República, desde julho de 2018, depois de ter cofundado o Conselho das Finanças Públicas. Doutorado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, é também professor associado na Universidade do Minho e membro do Núcleo de
Investigação em Políticas Económicas da mesma instituição. Entre 2005 e 2009 foi secretário de Estado do Desenvolvimento Regional num governo liderado por António Guterres, tendo coordenado a estratégia de utilização do financiamento estrutural da União Europeia (QREN) e a implementação do seu modelo de governação. Na UTAO tem sido muito critico do processo
orçamental, pela falta de transparência do Governo em algumas matérias. As críticas alargam-se ao Parlamento, sobretudo pela forma como é feita a discussão das propostas de alteração aos orçamentos.
RUI SALEIRAS C©©F W
Governo quis fugir às críticas de nriquecer à custa dos contribuintes
Com a receita fiscal a subir muito além do esperado, o Governo podia fechar 2022 com um “superbrilharete”, admite coordenador da UTAO. Mais apoios servem também para evitar críticas da oposição, acrescenta.
SUSANA PAULA
susanapaula@negocios.pt
ROSÁRIO LIRA, ANTENA 1 PEDRO CATARINO
Fotografia .
Perante a possibilidade de fechar este ano com um “superbrilharete”, o Governo decidiu voltar a apoiar as famílias também para evitar as críticas de que estaria a engordar as receitas do Estado à custa da inflação, entende Rui Baleiras. Para o próximo ano, o coordenador da UTAO avisa que serão necessários mais apoios, mas assegura que o Governo deixou margem para isso no OE. Não saber qual é, parajá, positivo.
0 facto de o défice vir a ser de 1,5%, inferior ao previsto, é uma má notícia?
Não é uma má-notícia. Aí, essencialmente, o resultado tem a ver com o comportamento da receita fiscal. Entre outubro de 2021 e outubro de 2022, a receita fiscal subiu 7,5 mil milhões de euros.
Isso significa que a economia podia ter sido mais ajudada? Essa leitura pode ser feita. E uma opção de escolha política e técnica. Do ponto de vista técnico, diria que ajudas sim, depende como. Faz sentido tomar medidas de apoio direto ao rendimento das famílias, sobretudo as mais carenciadas, para mitigar a perda de poder de compra. Não faz muito sentido dar, de maneira geral, subsídios a preços, sobretudo, de bens cujo consumo nós queremos desincentivar.
A conjuntura económica também não tem sido fácil… Também acho prudente, do ponto de vista financeiro, que o Governo não ponha a carne toda no assador. Isto é, não tenha já anunciado no OE para 2023 até quanto está disponível para gastar em apoios, porque o futuro é muito incerto. Estou convencido de
que o Governo sabe, no seu interior, que vai ter de colocar mais dinheiro nos próximos meses.
Há uma almofada no Orçamento para esse efeito. Claro, há alguma capacidade para isso. Não se sabe dizer quanto e acho bem que publicamente o Governo não o diga, porque tem de gerir as expectativas.
Há a possibilidade de um OE retificativo?
Neste momento creio que não, porque o Orçamento está feito com prudência. Há alguns riscos descendentes, alguns pressupostos macroeconómicos são um
pouco otimistas. Mas como sempre, nos últimos anos, a receita fiscal e contributiva está orçamentada para surpreender pela positiva.
É daí que virá a margem? Vem daí e vem da diminuição da despesa com a covid.
Relativamente ao brilharete, o ministro das Finanças disse que esse não era o objetivo, mas parece que vai mesmo acontecer.
O Governo chega a novembro, percebe que as contas estão a correr muito melhor do que esperava e entende que vai conseguir cumprir a meta do défice com facilidade. E, portanto, tem aqui duas opções: faz um superbrilharete apresentando um excedente
orçamental, ou próximo disso, ou aproveita para pagar passivos financeiros (como amortizar a dívida dos hospitais), o que ainda não sabemos, e para apoiar os rendimentos das famílias, que foi o que fez. Faz isso para não se expor à crítica das oposições de que está a enriquecer, entre aspas, as contas do Estado à custa dos contribuintes.
Após travão, inquilinos vão ser
penalizados
Apesar de o travão às rendas impedir uma subida elevada (em torno de 8%) no curto prazo, Rui Baleiras avisa que medida terá impacto perverso no futuro. Nos novos contratos, senhorios vão ante
cipar custos, admite. Isto porque deixaram de confiar no Estado.
Concorda com a opção de antecipar despesa e não atualizar, por exemplo, as pensões em linha com inflação? São duas coisas diferentes. Em
relação também às rendas, os ativos imobiliários, acho que se negligenciou os efeitos perversos que estas medidas têm. Quando estabelecemos um tecto, isso significa que os inquilinos vão pagar menos não são só os inquilinos pobres, são os ricos e as empresas. Agora ponham-se no papel de um proprietário: os senhorios não vão mais acreditar no Estado nos próximos anos. O Estado mostrou que não é uma pessoa fiável.
Essa regra vai desaparecer? A medida que os contratos que estão em vigor forem sendo renovados ou substituídos, os inquilinos vão sentir no bolso os efeitos perversos desta medida, porque vão pagar rendas mais elevadas logo no primeiro ano. Os senhorios vão querer antecipar para o primeiro ano do contrato aqueles acréscimos que a inflação lhes poderia trazer. Ou vão querer fazer contratos de curta duração. Ou introduzir cláusulas de atualização nos próprios contratos. Portanto, no fim do dia, os prejudicados vão ser os inquilinos.
Havia outra solução? Havia. Porque é que se não se deu um subsídio direto ao rendimento, um cheque aos inquilinos que se pretende proteger? E sempre preferível, do ponto de vista económico, um subsídio direto que o beneficiário do que subsidiar preços ou limitar preços. Quando subsidia preços ou limita preços, o que vai criar é racionamento no mercado.
Respostas rápidas
RIGOR .
Faz parte de uma vida saudável.
DISCIPLINA
Torna-nos mais responsáveis.
FERNANDO MEDINA
Alguém que é inteligente, politicamente hábil e que já deu provas de perceber quais são as prioridades macroeconómicas na gestão financeira pública. Espero que também dê provas de perceber os custos de ineficiência da forma como o Estado há décadas gere as contas públicas.
MARCELO DE REBELO DE SOUSA
É uma personalidade que eu admiro pela sua inteligência, pela sua cultura. Mas acho que não tem sido vigilante das nossas regras orçamentais como eu gostaria.
BANCO DE PORTUGAL
É uma entidade central na nossa vida económica e que tem de continuar a justificar a credibilidade que durante tantos anos levou a granjear.
EUTANÁSIA
A eutanásia é uma escolha individual muito difícil, mas é também uma afirmação maior da liberdade do indivíduo.
RUI BALEIRAS COORDENADOR DA UTAO Cativações travam “criatividade legislativa” do Parlamento
Além de racionar a tesouraria do Estado, as cativações são também uma forma de os governos se defenderem de medidas do Parlamento que podem fazer derrapar o défice, defende Rui Baleiras, líder da UTAO.
SUSANA PAULA
susanapaula@negocios.pt
ROSÁRIO LIRA, ANTENA 1 PEDRO CATARINO
Fotografia
Se por um lado as cativações servem para cumprir os objetivos de consolidação do Governo, são também um instrumento para impedir que medidas aprovadas no Parlamento façam derrapar o défice. O coordenador da UTAO insiste na crítica ao processo orçamental (sobretudo na especialidade) e pede uma revisão das regras do jogo.
As Finanças vão centralizar 3 mil milhões de euros, o valor mais elevado em sete anos, sendo as cativações a maior fatia. Como é que interpreta esta opção?
Este peso grande das cativações, a par do congelamento de verbas noutros instrumentos de que o ministro das Finanças dispõe, como são as reservas orçamentais, as dotações centralizadas e os instrumentos de microintromissão na gestão das entidades, cria imensas dificuldades. Na verdade, [impede] um funcionamento eficiente das empresas públicas e dos serviços públicos. Os governos, e não só este, têm recorrido a este instrumento, porque na verdade não confiam na qualidade do processo legislativo orçamental. Têm receio de que a Assembleia da República lhes imponha a execução de medidas que não cabem na restrição orçamental que defi – niram na proposta de Orçamento de Estado (OE).
É uma forma de controlar o défice?
E uma forma de reprimir, de racionar a tesouraria da administração central, e com isso garantirem que mantêm o saldo da administração central dentro da baliza predefinida.
Acaba por ser também uma forma de controlar o Parlamento?
Não é de controlar o Parlamento, é uma forma de contornar, digamos assim, a criatividade legislativa do Parlamento. Nós temos um processo absurdo de fazer o OE em Portugal. O governo envia a sua proposta com um mapa contabilístico e com o que pretende executar no ano seguinte. Ao mesmo tempo identifica um conjunto novo de medidas que quer concretizar. Como é o governo que o propõe, acreditamos que elas cabem nos mapas contabilísticos que anexou à proposta de lei.
Mas?
[O Parlamento], sobretudo em anos em que não há maioria absoluta, aprova centenas de medidas – muitas delas com impacto nas receitas e despesas que ninguém sabe qual é. Portanto, há uma contradição insanável equepodeser terrível entre o OE que é aprovado e as novas medidas.
Isso também acontece num cenário de maioria absoluta? Foram aprovadas ainda agora, no final de novembro, à volta de 120 medidas, das mais de 1.800 apresentadas. Entre o dia que se começou a votai- e o último dia de votações, ninguém fez contas às medidas.
Grande parte das propostas eram para fazer estudos. Sim, mas pode haver outras que têm impacto.
Ninguém sabe? Exatamente. E por isso é que os governos não prescindem de ter os tais “cintos e suspensórios” durante a execução do orçamento para travar o crescimento da despesa ou a quebra de receita. Por isso, não prescinde de cativações, não prescinde da reserva orçamental, das dotações orçamentais específicas, não prescinde de impedir os serviços públicos de utilizarem a dotação total que têm para aquisições de serviços.
Esta não é uma forma também de atingir as metas previstas e de fazer a consolidação orçamental pretendida? E, mas a consolidação orçamental, as contas certas, não são um fim em si mesmo. São um objetivo que temos obviamente de seguir. Agora tem um preço que o país está a pagar e os cidadãos que consomem os serviços públicos. Os cidadãos que pagam os impostos estão a ter uma qualidade de serviço inferior à que poderiam ter se os governos não utilizassem estes “cintos e suspensórios”. E é possível termos contas certas com outras regras do jogo e sem estes custos de ineficiência microeconómica nos serviços: se as regras do jogo na feitura dos OE e das relações entre Governo e o Parlamento da República fossem substancialmente diferentes.
18/12/2022 | Imprensa, Notícias do dia
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica recebeu 424 testemunhos desde que começou a trabalhar no início de 2022 até outubro, mas o número de vítimas é bastante superior.
O coordenador da comissão independente, Pedro Strecht, admitiu que a maior parte dos crimes reportados já prescreveu e explicou que “os abusos compreendem todas as formas descritas na lei portuguesa”.
Até outubro tinham sido comunicados ao Ministério Público 17 casos, estando em avaliação “mais 30 situações em estudo para idêntico procedimento” na justiça.
A última atualização pública feita pela equipa liderada por Pedro Strecht ocorreu na sequência de várias notícias, em outubro, sobre possíveis ligações de membros da hierarquia da Igreja Católica portuguesa a alegados encobrimentos de casos de abuso sexual.
O pedopsiquiatra recusou comentar essas situações e garantiu que “não sentiu qualquer limitação ou entrave à independência, nomeadamente por parte de qualquer membro daquela hierarquia”.
Apesar da “tolerância zero” aos abusos decretada pelo Papa Francisco, Pedro Strecht também vincou que “há um setor da Igreja Católica que quer manter os segredos” e que se tornou “muito claro que houve encobrimento da hierarquia católica em Portugal”, apelando à instituição para “vencer o medo” e recusar “a ocultação da ocultação”.
Em causa estavam alegados encobrimentos dos crimes, nomeadamente por parte do cardeal patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, e do bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, José Ornelas.
Estes casos acabaram por ganhar impacto político quando o Presidente da República considerou que os mais de 400 testemunhos não eram um número “particularmente elevado”. Marcelo Rebelo de Sousa foi muito criticado e praticamente só o primeiro-ministro, António Costa, saiu em defesa do chefe de Estado, que, após dois dias de sucessivas explicações, acabou por se desculpar perante as vítimas.
Além de Pedro Strecht, fazem ainda parte da comissão Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, Ana Nunes de Almeida, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Daniel Sampaio, psiquiatra e professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa, Filipa Tavares, assistente social e terapeuta familiar, e Catarina Vasconcelos, cineasta.
Outros acontecimentos de outubro
Nos Estados Unidos, o Twitter dá o seu acordo para o empresário Elon Musk comprar a rede social por 44 mil milhões de dólares, no dia 04.
Enquanto a guerra continua por terras ucranianas, no desporto, em 05 de outubro, é anunciado que a Ucrânia vai acompanhar Portugal e Espanha numa candidatura conjunta à organização do Mundial2030 de futebol.
E dois dias depois o Prémio Nobel da Paz 2022 é atribuído a Ales Bialiatski, da Bielorrússia, e às organizações de defesa dos direitos humanos Memorial, da Rússia, e Centro de Liberdades Civis, da Ucrânia.
Em mais um balanço do seu trabalho, no dia 11, a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa informa que já recebeu 424 testemunhos.
O Presidente da República afirma não estar surpreendido com as 424 queixas e considera que não é um número “particularmente elevado” comparado com “milhares de casos” noutros países. Dois dias depois, e depois de ter sido criticado por partidos e personalidades, à esquerda e à direita, Marcelo Rebelo de Sousa pede desculpa se ofendeu “uma que seja” das pessoas abusadas, garantindo que não quis desvalorizar o assunto.
Em de 20 outubro, a primeira-ministra britânica, Liz Truss, apresent a demissão ao Rei Carlos III, pondo fim a um governo que estava em funções há 44 dias. É substituída cinco dias depois por Rishi Sunak, que se torna oficialmente chefe do Governo britânico.
E no mesmo dia, os governos de Portugal, França e Espanha alcançam um acordo para acelerar as interconexões ibéricas, abandonando o projeto existente, destinado apenas ao gás, por um outro que prevê um gasoduto marítimo para transportar também hidrogénio ‘verde’.
Em Bruxelas, os chefes de Governo e de Estado da União Europeia (UE) concordam em “trabalhar em medidas” para conter os elevados preços da energia, acentuados pela guerra da Ucrânia, anunciou o presidente do Conselho Europeu.
Em Pequim, o líder da China Xi Jinping assegura um terceiro mandato no poder, após ter sido reconduzido por cinco anos como secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC). Uma votação à porta fechada, também no dia 20, e após o encerramento do 20.º Congresso do PCC, em Pequim, confirmou a quebra da tradição política das últimas décadas, nas quais o líder chinês apenas cumpria dois mandatos.
Já quase no final do mês, em 27 de outubro, o Banco Central Europeu (BCE) anuncia uma nova subida de 75 pontos base nas suas taxas de juro para travar a inflação recorde na zona euro. Com esta subida, a terceira consecutiva e a segunda desta dimensão, a principal taxa de refinanciamento do BCE fica em 2%.
No Brasil, no dia 30, após uma disputada campanha eleitoral, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda), Luís Inácio Lula da Silva, é eleito Presidente. Jair Bolsonaro, o atual chefe de Estado brasileiro, perde e demora dias a reconhecer a derrota enquanto, nas ruas, se multiplicam as manifestações contra Lula.
Leia Também: 2022/Setembro. Guerra e crise obrigam Governo e bancos centrais a agir ?
18/12/2022 | Imprensa, Notícias do dia
Zulay Costa
Pela primeira vez em dez anos, deu-se mais a nacionalidade portuguesa a pessoas que vivem no estrangeiro. Lei dos judeus sefarditas foi decisiva
demografia Pela primeira vez em 10 anos, concedeu-se a nacionalidade portuguesa a mais pessoas a viver no estrangeiro do que em Portugal, algo a que não foi alheia a atribuição desse direito a quase 20 mil israelitas. A maioria conseguiu-a . por ser descendente de judeus sefarditas, o que a lei, agora revista, permite desde 2015. Os números são divulgados pela Pordata, a base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, assinalando hoje o Dia Internacional dos Migrantes com um retrato das mudanças no país.
No ano passado, 24 516 imigrantes em Portugal e 30 021 estrangeiros a residirem noutros países adquiriram a nacionalidade portuguesa. Para quem mora cá, o principal argumento (61%) é residirem há, pelo menos, seis anos. Para aqueles que vivem no estrangeiro, é a descendência de judeus sefarditas (77%), que foram expulsos de Portugal por decreto régio no século XVI.
Entre os não residentes, déstaca-se a nacionalidade israelita (64,8%, que corresponde a 19 466 pessoas), seguida do Brasil (18%), Cabo Verde (1,4%), Angola (1,1%) e Ucrânia (0,1%).
ABERTAS INVESTIGAÇÕES
Entre 1 de março de. 2015 e 31 de dezembro de 2021, foram aprovados 56 685 processos de naturalização para descendentes de judeus sefarditas, num total de 137 087 pedidos entrados no Instituto de Registos e Notariado (O IRN reprovou 300 e tinha 80102 pendentes no final de 2021).
A atribuição por esta via a pessoas como Abramovich tem gerado polémica e já levou, inclusive, a detenções. Foi o caso de Daniel Litvak, rabino da comunidade israelita do Porto, suspeito de falsificação de documentos.
A lei foi revista este ano e, desde setembro, os descendentes dos sefarditas têm, entre outras obrigações, de demonstrar “uma tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal”, como apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral. •
Obtenção de nacionalidades portuguesas
— Total — Residentes no estrangeiro
59817
60 000
54537
50 000
Ano em que o regulamento da Nacionalidade Portuguesa
40 000 foi revisto, permitindo a concessão a descendentes de judeus sefarditas
29351 28 856 30478 30021
30 000 26 430 27670
23615 25 016 23722 23 305 ¦23 320 22 541
20 000
I 9379
10 000 7523
4247 5298 1865 1778 1903 1954 2181 2145 0 SP —í—
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
FONTE: INE INFOGRAFIA JN’
| EXEMPLOS POLÉMICOS]
Roman Abramovich
A atribuição da nacionalidade ao oligarca russo, alvo de sanções da comunidade
europeia por ligações a Putin, levou o IRN a abrir um inquérito para averiguar possíveis irregularidades.
Tamir Pardo
O diretor dos serviços secretos israelitas (Mossad) entre 2011 e 2015 tornou
-se português em 2018. E terá sido através dos direi
tos para judeus sefarditas.