29/12/2022 | Imprensa, Notícias do dia
Por Marco Alves, Margarida Davim Diogo Barreto
POLÉMICA. SECRETARIA DE ESTADO RECEBEU INDEMNIZAÇÃO MILIONÁRIA NA TAP
Com fama de competente e dura pelas empresas por onde passou, Alexandra Reis esbarrou na TAP contra a nova CEO da transportadora. Uma sucessão de trapalhadas e uma história mal explicada custaram-lhe o lugar no Governo.
Antes da TAP
Casada e com dois filhos. Alexandra Reis apareceu de rompante na atualidade noticiosa, mas já era conhecida no mundo empresarial, sobretudo o ligado ao Estado, pela sua passagem por empresas de grande peso em Portugal.
Licenciada em Engenharia Eletrónica e de Telecomunicações, pela Universidade de Aveiro, Alexandra Reis destacou-se na direção de compras da PT, de onde saiu para a REN. Conta à SÁBADO quem com ela trabalhou que a gestora era “tesa, muito pragmática, muito despachada”. Da REN, onde deixou obra feita na divisão de compras, passou para a NetJets. Em 2017 deu o salto para a TAP, onde chamou a atenção de Humberto Pedrosa, na altura à frente da transportadora. Em 2020, com 46 anos, Alexandra Reis chegou à comissão executiva da TAP. Teve vários pelouros, incluindo o financeiro, o dos Recursos Humanos e o jurídico.
A saída no radar dos ministros
Apesar de na altura a TAP ter comunicado que Alexandra Reis tinha apresentado “a renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando novos desafios”, na verdade tratou-se de uma saída negociada, tendo a gestora aceitado receber 500 mil euros pela quebra do contrato que tinha na empresa e do qual faltavam ainda cumprir dois anos. Ficou assim tudo em bem.
Na TAP, Alexandra Reis ficou amiga da diretora jurídica. Stéphanie Sá Silva, mulher de Fernando Medina, ministro das Finanças, com tutela da TAP. Pedro Nuno Santos, outro ministro com tutela da empresa, ficou também bem impressionado com o seu papel na reestruturação da empresa.
O choque na TAP
A entrada de Christine Ourmières-Widener como nova CEO da TAP foi o fim da viagem. “[Alexandra Reis] era a única pessoa que lhe fazia frente”, conta à SÁBADO quem trabalhou com as duas. Outra fonte conta que a tensão era tão grande que chegou a haver “cenas de gritaria”.
Ninguém sabia
Foram essas conexões que a deixaram poucos meses no desemprego. Pedro Nuno Santos chamou-a para a NAV e em dezembro Fernando Medina convidou-a para secretária de Estado do Tesouro. No Natal rebentou a polémica. Aparentemente, nenhum dos dois ministros sabia dos 500 mil, uma vez que anunciaram que pediram explicações à TAP. António Costa disse à Lusa que também não sabia de nada e pediu explicações. Marcelo pediu explicações a todos os anteriores e disse que seria “bonito” que a secretária de Estado do Tesouro abdicasse dos 500 mil. o que a própria já disse que não fará, até porque tudo decorreu dentro da lei. Na passada terça-feira, Alexandra Reis saiu do Governo. “Solicitei que apresentasse o seu pedido de demissão, o que foi prontamente aceite”, revelou Fernando Medina.
Alexandra Reis tem um MBA da AESE/IESE Business School em Madrid e deu aulas na AESE Business School
28/12/2022 | Imprensa, Notícias do dia
Só a palavra — ‘lobbying’— causa as maiores suspeitas. É
uma injustiça. 0 ofício de influenciar decisões políticas às claras em benefício de interesses legítimos é “útil e desejável”, diz Karina Carvalho, diretora-executiva da organização Transparência Internacional Portugal. É o contrário da corrupção, esse polvo de longos e hábeis tentáculos que, às escondidas, exige favores e retribui em dinheiro. Mas a atividade ainda não está regulamentada no nosso país — e corre o risco de se confundir com atos criminosos
oTobbying’ é a segunda profissão mais antiga do mundo — mas, tal como a mais velha profissão da humanidade, não está regulamentada em Portugal. E como se não existisse. A atividade lobista não pára de crescer e, na ausência de regras claras e apertadas, desenvolve-se na opacidade e paredes-meias com a corrupção.
Bruxelas, donde provêm quase 75% das normas que regem a Europa, é a capital do Tobby’. No coração do poder europeu, poderosa máquina nas mãos de 30 mil funcionários, movimentam-se cerca de 25 mil lobistas — o dobro dos que existem com atividade oficialmente registada nos EUA. Segundo o guia ‘Lobby Planet’, uma publicação do Corporate Europe Observatory, organização não-governamental que se dedica ao estudo do ‘lobbying’, os diversos grupos lobistas estabelecidos em Bruxelas faturam anualmente à volta de 1.500 milhões de euros.
Perante quem se apresenta como lobista, os narizes circunstantes torcem-se com desconfiança. A palavra ainda carrega o peso da suspeita. Mas o que fazem, afinal, de tão censurável os profissionais do Tobbying’? Prestam informação a quem decide — de maneira que a decisão seja esclarecida e tenha em conta os diversos interesses. “Os nossos clientes podem ser empresas, setores económicos, associações, regiões, países, cidades e, até, grupos de cidadãos que pretendem ver as suas necessidades legítimas defendidas”, diz ao T&Q João Tocha, consultor de comunicação e lobista estabelecido em Bruxelas.
A atividade está regulamentada junto do Parlamento Europeu, da Comissão Europeia, do Conselho da Europa — e tudo é feito às claras, longe das sombras, à vista de todos. As empresas de Tobbying’, e os grupos de pressão que representam, constam de uma plataforma eletrónica — o Registo de Transparência — e todas as reuniões entre lobistas e decisores ficam registadas: sabe-se a qualquer momento, por exemplo, que fulano em representação da indústria química e beltrano representante da candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura se encontraram com este ou aquele deputado.
“O Registo de Transparência ajuda a perceber os interesses em causa. Mas tem havido um abrandamento das regras”, diz ao T&Q Paulo Sande, jurista, conhecedor das instituições europeias. A inscrição do lobista no Registo de Transparência é obrigatória para uma reunião com um comissário europeu. Mas encontros com altos funcio0 consultor Luís Paixão Martins, ‘patrão’ da LPM, pediu à Assembleia da República que concedesse aos seus colaboradores o estatuto de lobistas. Levou tampa…
nários e assessores não exigem qualquer registo — e tem acontecido que comissários se esquecem de registar reuniões com lobistas.
As regras têm demasiadas escapatórias. A própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, foi apanhada nas curvas: não registou as mensagens telefónicas que trocou com as grandes farmacêuticas, durante o negócio da compra das vacinas, com o argumento de que os regulamentos apenas obrigam a dar a conhecer o conteúdo dos e-mails e das reuniões – não das SMS através de telemóvel.
Mas o escândalo do ano — o ‘Qatargate’ — havia de rebentar em cheio no Parlamento Europeu. A grega socialista Eva Kaili, que ocupava uma das 14 vice-presidências, está em prisão preventiva por suspeita de ter sido corrompida pelo Qatar. Tanto a presidente, Roberta Metsola, como os titulares das vice-presidências, os presidentes das comissões parlamentares e os deputados subscritores de dossiês colocados a votação — todos estão obrigados a registar reuniões que mantenham com lobistas. Mas a regra do registo abre uma exceção. Não é obrigatório fazer constar os encontros com diplomatas. Kaili, a deusaContinuação da página anterior
grega agora caída em desgraça, pôde reunir-se com pessoal da embaixada qatari sem que as instituições europeias tivessem dado por isso — até que a polícia belga entrou em campo.
“0 lobbying’ é desejável”
E em Portugal — quem são os lobistas, quantos são e que interesses representam? Reúnem-se com quem — nos corredores do Governo, do Parlamento, das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, das autarquias? Ninguém faz a mínima ideia. Não há lei, não há regras, não há transparência. Lobistas que exercem o ofício com ética são obrigados a J mover-se na sombra da suspeição ao lado dos traficantes de influências. “E fundamental que haja regulamentação. Países como Portugal a conviverem alegremente nesta nebulosa só estão a abrir caminho à corrupção”, diz Luís Bernardo, que tem a sua empresa inscrita no registo europeu de transparência.
O ‘lobbying’, atirado pela opacidade para a lista das palavras que provocam todas as suspeitas, é uma atividade necessária — mas tem de ser exercida às claras.
“O trabalho do lobista é útil, para que as decisões sejam informadas e de acordo com todos os interesses em disputa. Os deputados, por exemplo, estão ao serviço dos cidadãos. Isso não impede que oiçam as pessoas, as empresas, os diversos setores económicos”, diz Karina Carvalho, diretora-executiva da Transparência Internacional Portugal, uma organização não-governamental empenhada no escrutínio da gestão dos recursos públicos e na lisura na política e nos negócios.
A Assembleia da República tarda em regulamentar o ‘lobbying’. A ausência de legislação, na prática, legaliza a promiscuidade. João Paulo Batalha, incansável ativista contra a corrupção e vice-presidente da Frente Cívica, não tem a João Tocha: “Os nossos clientes podem ser empresas e até cidadãos que pretendem ver as suas necessidades defendidas”
Henrique Burnay, lobista acreditado em Bruxelas: “Enquanto o ‘lobbying’ não for regulado em Portugal, a representação de interesses legítimos continuará a ser confundida com atos criminosos”
Luís Bernardo: “Países como Portugal a conviverem nesta nebulosa só estão a abrir caminho à corrupção”
menor dúvida: Os grupos de interesses bem organizados interagem com governantes com a maior tranquilidade e completamente às escuras. É impossível sabermos quantas reuniões os governantes têm com empresários interessados numa determinada decisão. O comércio de influências está instalado. Sem mecanismos de transparência torna-se impossível perceber quem está a mexer os cordelinhos a seu favor”. Em vez de um registo de transparência onde se possa pesquisar lobistas e saber com quem se reuniram, quando e qual foi o assunto tratado — Portugal continua fiel à prática clandestina do jeitinho, da cunha, do favorzinho.
Os deputados dormem a sono solto indiferentes ao jogo de sombras do ‘lobbying’. Acordaram sobressaltados em janeiro de 2008 pelos toques a rebate das cornetas em pânico. A aflição foi causada por uma proposta de Luís Paixão Martins, patrão da LPM, uma das mais influentes firmas consultoras de comunicação e, naturalmente, representante de interesses vários. Paixão Martins pediu à Assembleia da República que concedesse aos seus colaboradores um “estatuto” que lhes permitisse abordarem formalmente os deputados — e de cada encontro ficaria um registo pormenorizado sobre o assunto tratado e o grupo de interesses representado pela LPM.
A iniciativa de Luís Paixão Martins foi uma tentativa de despertar o Parlamento para a regularização da atividade lobista. O então presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, não se mexeu — e os deputados responderam espavoridos e em coro: nem pensar!
O Parlamento só em 2020 esteve a um passo de aprovar regulamentação do ‘lobbying’. Uma lei, que obrigava ao registo público dos lobistas, dos interesses que representavam e dos encontros com governantes, já tinha sido votada por larga maioria e com a abstenção do PSD — mas
Marcelo Rebelo de Sousa, que além de Presidente da República também é fino jurista, encontrou-lhe várias entorses e devolveu-a à Assembleia da República.
Os deputados debruçaram-se atenciosos sobre o assunto: vírgula ali, ponto e vírgula acolá— e acabaram por compor o articulado que a Marcelo pareceu descomposto. Mas, à última hora, já a lei estava pronta para ser votada em plenário, PS e PSD resolveram trancá-la numa gaveta, à espera de melhores dias, donde ainda não saiu. Ganhou o ‘lobby’ contra o ‘lobbying’. Perdeu-se uma boa oportunidade.
“Enquanto o ‘lobbying’ não for regulado, a representação de interesses legítimos não pode ser escrutinada e continuará a ser confundida com atos criminosos”, diz Henrique Burnay, também ele um dos lobistas portugueses registados em Bruxelas. Dá a ideia de que a classe política convive bem com a névoa que os acolhe e protege
Os altos responsáveis da União Europeia estão obrigados a registar todas as reuniões
que mantenham com lobistas 0 Parlamento só em 2020 esteve a um passo de aprovar a regulamentação do ‘lobbying’, mas PS e PSD, à última hora, roeram a corda